Lá vou eu de novo comprar passagem para o trem das ilusões. Tenho uma relação antiga com loterias, desde quando, creio, meu avô me botava uns tostões na mão, eu menino pequeno, e dizia: “Vai lá na venda e joga isso no macaco”; até que um dia botou mais um tostão e disse: “Joga isso pra você também, qualquer bicho, quem sabe dá sorte”. Nunca deu. Nem para ele, nem para mim. O gostoso era pensar que podia dar. Viajar no trem das ilusões.
Nunca conheci alguém que tivesse ganhado um primeiro prêmio, nem segundo, nem quinto, nenhum. O mais perto que estive de um homem que recebeu uma bolada enorme, coisa de uns 50 e tantos milhões de reais, foi a 28 quilômetros, distância que separa os municípios de Tanguá, onde minha mulher e eu temos um sítio, e de Rio Bonito, onde morava um homem que levou sozinho a Mega-Sena, há mais de dez anos. Renné Senna, pobre, azarado na vida, diabético a ponto de ter amputadas as duas pernas, e mesmo assim dado à bebida, ganhou na Mega e, um ano depois, se casou com uma cabeleireira jovem, com a metade da idade dele e, vá lá, bonitinha. Não se passou um ano e ele foi assassinado em um bar da região com quatro tiros na cabeça. A bonitinha, dois seguranças — seus amantes — mais dois ex-policiais — seus guarda-costas — estão nas malhas da Justiça. Dinheiro não traz felicidade, foi o que se disse; no caso, não levou embora a infelicidade que andava com ele para todo canto.
Sei de casos assim, parecidos. Um homem chamado William Post ganhou 16,2 milhões de dólares na loteria da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e despertou a cobiça do irmão, que tentou matá-lo pela herança. Mais tarde foi processado pela amante, que tomou parte da fortuna dele nos tribunais. Desperdiçou e bebeu o resto até acumular dívidas de 1 milhão, declarar a bancarrota e passar a viver do seguro social. Pior aconteceu com Jeffrey Dampier, que ganhou 20 milhões de dólares na loteria de Illinois, gastou loucamente com amigos e a família, até ser sequestrado e assassinado pela cunhada e seu amante, que queriam parte do dinheiro no nome deles. Uma jogadora compulsiva, Evelyn Adams, ganhou duas vezes um total de 5 milhões de dólares na loteria de Nova Jersey, em 1985 e 1986, perdeu quase tudo nos jogos de azar e foi morar em um trailer. Tivemos aqui o caso famoso do Dudu da Loteca, garoto de 23 anos que mal baratou o dinheiro do grande prêmio ganho na Loteria Esportiva em 1972. Aplicou mal e só lhe restaram dívidas. Outro que fez sozinho os 13 pontos da Esportiva em 1972, o baiano Nivaldo recebeu o equivalente a 10 milhões de reais e, por desgoverno, esbagaçou tudo, acabou morando na rua em Salvador. Para sobreviver, teve de arrancar e vender os dentes de ouro, o último bem dos seus anos dourados.
Desde que o meu “vizinho” de Rio Bonito foi morto, venho coletando casos assim. Durante um tempo pensei que faria uma ficção sobre jogadores, mas não cheguei a ensaiar uma história. Esse rol de casos funciona agora como um memento. Adverte: se um dia o trem das ilusões parar na sua porta, não faça nada que o leve a entrar na lista de azarados da sorte. Sei o que não fazer.
Estou, então, comprando de novo minha passagem. Sempre que há um prêmio grosso como este da Mega da Virada — 200 milhões de reais! — volto a ser aquele menino que meu avô animou a trocar uns tostões por uma ilusão.