Sete e meia da manhã de segunda-feira e o garotinho, sério, fazendo bico de emburrado, entra no elevador em uniforme de colégio, tão pequeno e já arrastando mochila, nem olha para a babá que vai levá-lo até a perua escolar. Olha para mim e saca uma questão filosófica: “Por que hoje não é primeira-feira?”. Abro os olhos. Ele emenda um argumento que para mim apresenta o mesmo nível de dificuldade: “Antes de segunda, tinha de ser primeira-feira”. Talvez por me ver sem palavras, esclarece sua bronca:
— Daí, eu não tinha de ir pra escola.
— Por que não? — é o que consigo dizer, carente de inteligência lógica para acompanhar seu raciocínio.
— Porque não ia ser segunda-feira.
Questões complicadas demais para uma conversa de elevador. Paramos no térreo e a babá encaminha o garoto que havia acordado com humor de black bloc, tangendo-o para a porta com um paciente “Chegou, Davi, fala tchau pro moço”. Foi melhor mesmo deixar aquela conversa para depois, quando eu estivesse mais preparado. Lembrei-me do livro do escritor Ignácio de Loyola Brandão, O Homem que Odiava a Segunda-Feira, e considerei que, se um adulto podia ter aquela bronca contra um dia da semana, por que não um garoto de 6, 7 anos?
Chamada por outronome, Monday, que significa “dia da Lua”, em inglês, diz-se em uma canção pop dos anos 70 que a segunda-feira não é confiável, que um amor da segunda-feira de manhã pode não estar com você na segunda à noite. A canção, Monday Monday, do grupo The Mamas and the Papas, virou um grande sucesso.
Se o meu garoto do elevador fosse de fala e cultura inglesas, não teria na palavra Monday um argumento para a sua bronca, o tema do seu mau humor seria outro. O português é talvez a única língua europeia em que os dias da semana não estão associados aos astros — Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno —, como nas línguas românicas, ou a divindades celtas, como nas línguas dos povos nórdicos e britânicos. O domingo, o Dies Dominica (dia do Senhor) da Roma cristianizada, era o Solis Dies (dia do Sol) da Roma pagã.
Quando o latim eclesiástico mudou os nomes pagãos dos dias da semana, o Solis Dies tornou-se prima feria, primeira-feira, o Lunes Dies (dia da Lua) tornou-se secunda feria, o Martis Dies (dia de Marte) tornou-se tertia feria, e assim por diante. Só o português conservou popularmente essa mudança cristã, adotando os dias da semana como “de feira”, de segunda a sexta. Por outro lado, acompanhando suas línguas irmãs — espanhol, francês e italiano, entre outras —, fez da prima feria o domingo (Dies Dominica) e da septima feria, o sábado, que vem do Shabat judaico, o dia em que o Senhor descansou da trabalheira de criar este mundo.
Lição de casa feita, eu ansiava por novo encontro com meu pequeno companheiro de elevador para continuarmos a conversa. Coincidiu que só na segunda-feira seguinte ele entrou, puxando a mesma mochila de rodinhas, desta vez sem aquele bico de emburrado. Deve ter dormido bem, comido bem, tudo em paz. Perguntei se não estava mais com bronca da segunda-feira e ele disse que não, que a professora tinha explicado que o domingo é que é oprimeiro dia da semana, primeira-feira. Aí, ele me embatucou de novo, com outra questão complicada:
— Se domingo é o primeiro dia, por que falam “fim de semana”?