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A vida eterna

Confira a crônica da semana

Por Ivan Angelo
Atualizado em 14 fev 2020, 15h59 - Publicado em 24 ago 2018, 06h00

Quantos anos você quer viver? Quantos anos você pode — poderemos — viver? A ciência tem nos cutucado ultimamente com essas pegadinhas. Semanas atrás, VEJA mostrou o que tem sido feito para ampliar a durabilidade humana. Faz sete anos, um cientista apregoou a possibilidade de vivermos até os 150 anos ou mais, com a reposição de “peças” (órgãos) e outras tecnologias.

Para que vivermos tão velhos? Qual é a graça, sem podermos correr atrás de uma bola, de um sonho, de uma garota? A juventude, enquanto a vivemos, parece eterna; não nos damos conta de que vivemos a esgotá-la; quando percebemos que se vai, ela nos parece breve e cruel. O grande feito científico seria preservar a juventude, não a velhice. A mágica do retrato de Dorian Gray. A terrível graça da juventude é que ela acaba; seu valor é o valor da beleza, do rosto liso, da agilidade, das carnes firmes — bens preciosos porque finitos, ou mais do que isso: efêmeros. Ela acaba, como acaba o dinheiro, como acaba a ingenuidade; só que o dinheiro podemos buscá-lo em alguma fonte, e não há fonte de onde jorre a juventude, a não ser na lenda.

Uma interessante pesquisa italiana publicada recentemente na revista Science sugere que paramos de envelhecer aos 105 anos, daí para a frente seguimos funcionalmente estáveis até o dia fatal; outra pesquisa, canadense, sugere que o limite funcional humano é de 115 anos. O caso da francesa Jeanne Calment, falecida aos 122 anos, em 1997, seria exceção.

Não vamos analisar a Bíblia, em que aparecem sete varões que viveram mais de 900 anos, dos tempos de Noé para trás, sendo Matusalém o medalha de ouro, com 969 anos; Jarede, o medalha de prata, com 962 anos; e o próprio Noé, o medalha de bronze, com 950 anos. Como pode? Talvez os escritores bíblicos precisassem que aqueles tempos, muito antigos até para eles, fossem descritos como extraordinários, e essas longuíssimas vidas seriam algumas entre as coisas extraordinárias que narraram.

Baixando a bola: quem pode desmentir o narrador dos anais da freguesia de Caeté, em Minas Gerais, do fim do século XVIII? “No ano de 1790 faleceu Manoel de Souza, natural de Portugal, e morador no arraial do Socorro com 130 e tantos anos de idade, e em seu perfeito juízo.” Isso se lê na página 182 do Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Geraes — 1864, e na página 183: “No arraial de São Gonçalo do Rio Abaixo, existiu Domingos Homem Rosa, natural das ilhas, casado, contava 116 anos, e há pouco faleceu, e sua mulher de idade de 117 anos ainda vive com algum vigor, e sempre se mantiveram com o suor do seu trabalho”. Minha hipótese é que algumas pessoas ficam menos estragadas do que outras.

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A idade do mais longevo de todos os presidentes do Brasil, o mineiro Wenceslau Braz, foi motivo de piada. Governou o país de 1914 a 1918, e só morreu 47 anos depois, em Itajubá, onde viveu até os 98 anos. Foi nome de ruas, avenidas e cidades ainda em vida. Conta-se que saiu com seu Fordinho para dar uma volta, já bem velhinho, e bateu de leve no carro de um jovem em frente à sorveteria. Disse logo que pagaria pelos danos e deu seu cartão ao jovem. Ele leu, olhou desconfiado, leu de novo, e perguntou: “Pera aí. Wenceslau Braz que número?”.

Carlos Drummond de Andrade disse num poema: “Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver”. É isso. Nossa perda é afetiva, social, cultural. Biologicamente, vivemos milhões de anos, viemos de tetravós, trisavós, bisavós, avós, pais, e continuaremos vivos em filhos, netos, bisnetos, trinetos, tetranetos… Eternos.

 

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