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Duelo

Confira a crônica da semana

Por Ivan Angelo
Atualizado em 26 Maio 2017, 20h04 - Publicado em 26 Maio 2017, 19h40

Nos arquivos dos jornais de São Paulo e da Biblioteca Municipal dorme uma história de duelo que tem quase 100 anos e que não perdeu o clima nem a emoção. Personagens principais: o poeta Moacyr de Toledo Piza, o deputado estadual Roberto Moreira e a bela Nenê Romano, garota de programa. Coadjuvantes: o presidente (governador) do estado Washington Luís, os jornalistas Júlio de Mesquita Filho e Plínio Barreto, os socialites Oscar Rodrigues Alves e Antônio Mendonça.

Na primeira semana de agosto de 1923, saiu um livro panfletário de Moacyr Piza intitulado Roupa Suja. Depois de lê-lo, o deputado Roberto Moreira pegou seu revólver e saiu decidido a dar um tiro no autor.

Moacyr, 32 anos, era de família fina, advogado estabelecido, jornalista, sobrinho de senador, irmão de deputado, terrível no verso satírico e no jornalismo panfletário. Boêmio desde os tempos de estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, amigo dos Mesquita do jornal O Estado de S. Paulo. Ultimamente formava quadrilha boêmia com o romancista Hilário Tácito (pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta, autor de um romance de enorme sucesso, Madame Pommery), com o desenhista Voltolino (afamado ilustrador dos livros infantis de Monteiro Lobato) e com o poeta satírico Juó Bananére (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, autor de um livro também de sucesso na época, La Divina Increnca, em português macarrônico).

Roberto Moreira, 35 anos, era advogado conceituado, casado, secretário da Sociedade de Cultura Artística, célebre discursador de frases empoladas, homem de confiança do governador Washington Luís.

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Dizia o livrinho Roupa Suja, na página 13: “Figure você, com efeito, que numa festa governamental pública aparecesse, acaso, ao lado do presidente, uma criatura elegante, bela, quase divina, a distribuir sorrisos (…) A pessoa que a mandou lá foi um deputado, tido e havido como cavalheiro da maior circunspecção. (…) E a dama é uma criatura elegante, bela, quase divina e mais que tudo alegre”.

Na página 82, Moacyr volta a falar que o “discursador de 7 de setembro”, Roberto Moreira, pusera a dama alegre na festa, ao lado do presidente. Ofendido, Moreira pegou seu revólver e foi atrás de Moacyr. Um homem da sua posição não podia ser chamado publicamente de alcoviteiro do presidente.

A dama, realmente bela, era Nenê Romano. Ela e Moacyr apaixonaram- se havia dois anos, quando ele foi seu advogado num caso de indenização por agressão. Uma fazendeira milionária, famosa e ciumenta, mandara desfigurá-la a navalhadas, e ela escapara por pouco, com um corte da orelha ao pescoço. O namoro já durava dois anos: Moacyr, perdido de paixão; a pomba, pronta para voar.

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Sabendo-se procurado, Moacyr quis enfrentar o indignado, mas seus amigos não deixaram, prevendo morte e cadeia. Amigos comuns propuseram resolver a questão com um duelo, “menos selvagem e brutal”. A sugestão foi aceita. Os padrinhos de Roberto: Júlio de Mesquita Filho e Plínio Barreto; os de Moacyr: Oscar Rodrigues Alves e Antônio Mendonça.

Os padrinhos também corriam riscos. Analisaram mais a fundo os tópicos considerados ultrajantes pelo ofendido e concluíram que não justificariam o duelo, que eram sátiras de caráter político e não manchavam a honra do deputado. Lavraram ata relatando o caso, publicada no Estadão do dia seguinte, com este final: “Assim sendo, resolveram as testemunhas, sem consultar as partes, dar o incidente por findo e não permitir que o encontro pelas armas se efetuasse. De tudo, lavrou-se esta ata, que vai assinada por todas as testemunhas. São Paulo, 16 de agosto de 1923”.

Dois meses depois, numa bela tarde, Moacyr matou Nenê a tiros e se matou, dentro de um luxuoso carro de praça, na Avenida Angélica.

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ivan@abril.com.br

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