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Opinião: na USP deveria morar gente

Caso a universidade se abra à cidade, permitindo residências e comércio na região, há motivos para otimismo

Por Pedro Menezes
Atualizado em 14 fev 2020, 16h01 - Publicado em 5 jul 2018, 15h00

Em Santiago, Barcelona ou Nova York, universidades de ponta são pilares de bairros centrais. Nos anos 1960, a USP preferiu se isolar num câmpus imenso, cuja área de 7,4 quilômetros quadrados é quase a mesma do vizinho distrito de Pinheiros. Longas distâncias, crimes frequentes e problemas de iluminação tornam o uspiano dependente do automóvel. O prédio da FAU-USP, grande projeto da carreira de Vilanova Artigas, é elogiado por connaisseurs, mas pouco conhecido pelo paulistano médio e raramente visitado por turistas que não sejam arquitetos.

Quando a USP se afastou de São Paulo, cidade e universidade perderam. Ela era uma das maiores instituições a ocupar o centro no início do século XX, e sua saída é parte da conhecida decadência da região nas décadas seguintes. Não seria necessário construir um câmpus na Zona Leste para se aproximar da periferia se fosse possível chegar facilmente às principais escolas a pé ou de metrô. Problemas como a greve dos caminhoneiros, que paralisou as aulas em todas as suas unidades, seriam menores se houvesse alternativa ao carro.

As ideias que levaram à criação da Cidade Universitária estão ultrapassadas no século XXI. Árvores coadjuvantes de grandes vias para veículos poluentes não satisfazem ambientalistas. A noção de direito à cidade jogou luz sobre o privilégio de viver próximo ao centro. Milhões de paulistanos moram longe de tudo.

O urbanismo moderno nasceu em resposta ao crescimento das metrópoles nos tempos da Revolução Industrial, marcado por calamidades de saúde pública. Nesse contexto, a cidade era descrita como reino de sujeira e doença. Em 1930, quando a visão negativa ainda predominava, a região da antiga Fazenda Butantã foi reservada à USP. Acreditava-se que uma área verde isolada seria mais propícia ao conhecimento do que o centro. A Cidade Universitária só virou realidade em 1968, após uma década de investimentos pesados ali.

Sete anos antes da mudança, Jane Jacobs publicava Morte e Vida das Grandes Cidades, uma crítica clássica ao pensamento dominante no início do século. Obras que se esquecem dos pedestres, do comércio e da vida urbana nas calçadas, lembrava Jane, dão um presente a assaltantes ao tirar “olhos da rua”. Na década seguinte, o arquiteto Rem Koolhaas escreveu Nova York Delirante, um elogio à ilha de Manhattan, que, numa área equivalente a apenas oito cidades universitárias, liderou a economia e a cultura do Ocidente nas últimas décadas. Segundo Koolhaas, o caos da metrópole foi justamente um fermento para a produção de excelência.

O espaço urbano não precisa ser insalubre nem violento. A densidade pode ajudar em temas que vão do combate à pobreza à provisão de transporte público. Menores distâncias viabilizam financeiramente a construção de metrôs e deixam as melhores oportunidades mais perto de quem precisa delas, evitando longas viagens contaminantes. Moramos na cidade justamente porque há benefícios em estar perto de centros de excelência, como a USP, e porque esses centros funcionam melhor onde ideias circulam mais rápido. Por que, então, nos afastamos uns dos outros e instalamos a melhor universidade da América Latina num local de difícil acesso?

Se não é possível mudar o passado, outro futuro é sempre uma opção. Caso a USP se abra à cidade, permitindo residências e comércio na região, há motivos para ambição e otimismo. Na folha de pagamento da universidade, já há urbanistas que estudam como espaços urbanos florescem, advogados para escrever bons contratos, engenheiros para fiscalizar boas práticas em obras e economistas para desenhar boas licitações. A autonomia universitária pode ser uma dádiva que tire o processo da arena política, ouvindo os maiores especialistas do país.

A USP tem problemas de financiamento, e o câmpus do Butantã, seu maior ativo, hoje só gera custos. O preço do metro quadrado no bairro — 8 000 reais — deixa claro o potencial bilionário do projeto. É possível obter um patrimônio imobiliário de 10 bilhões de reais com 1,25 quilômetro quadrado de área construída, considerando-se todos os andares de novos edifícios que ocupem os 7,4 quilômetros quadrados do terreno. Uma densidade semelhante à de Pinheiros permitiria alojar cerca de 50 000 pessoas a mais numa região tão central. Com o uso criativo dos cérebros à disposição da USP, é possível arrecadar muito sem grandes prejuízos ambientais e com lucro social para a vida na cidade.

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Um projeto desse tipo certamente sofreria a oposição de quem defende o financiamento exclusivamente estatal para a USP, algo que se mostra insuficiente há anos, na contramão das melhores universidades públicas do mundo, mas a realidade do Estado brasileiro deve se impor nas próximas décadas. Gastos cruciais para a universidade, como a assistência a estudantes carentes e bolsas de pesquisa, serão estrangulados pela crise fiscal. Se não buscar outras fontes de financiamento, a USP poderá comprometer suas atividades mais importantes.

Os bairros centrais de São Paulo são menos densos que os das principais metrópoles do mundo, seja em Paris, seja em Buenos Aires. Os preconceitos do início do século XX deixaram marcas por toda a cidade, não só na USP. Comparado à dimensão de São Paulo, o problema da região é pontual. Numa urbanização da Cidade Universitária, o que há de único seria a mudança no foco do debate público. O medo de catástrofes ambientais perderia espaço para as soluções que a inteligência pode criar. Se o que há de melhor em São Paulo jogar a favor da cidade, será possível recuperar o tempo perdido.

Pedro Menezes é editor do Instituto Mercado Popular

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