Jovens deixam empresas para serem corretores de imóveis de luxo
Bons pagamentos e horários flexíveis são atrativos para vendedores nos bairros nobres da capital
Rotina flexível, bons pagamentos e uma dose de ostentação têm feito com que jovens larguem carreiras promissoras em multinacionais para se tornarem corretores… De luxo. Competindo com veteranos de imobiliárias em bairros como Vila Nova Conceição e Moema, Taiana Miotto, 35, deixou o mercado da moda para seguir os passos da irmã gêmea, Taís Miotto. Juntas, elas atendem principalmente os jovens casais em busca de imóveis com valores entre 4 milhões e 10 milhões de reais.
“Eles chegam pelo Instagram ou já fazem parte do mesmo círculo social que o nosso”, resume Taiana, que pegou gosto pela nova ocupação após fazer uma venda em apenas quinze dias de trabalho. “No início, estranhei não ter mais horários fixos e meu mercado sempre foi mais imediatista. Ao vender um imóvel, as negociações são longas, pois aquela muitas vezes será a única casa que a família pretende comprar na vida.”
Para André Barros, 37, a transição de carreira levou anos. “Namorei essa ideia desde 2016, vendo meu melhor amigo conquistar mudanças radicais na qualidade de vida por estar nesse ramo”, conta. Engenheiro com atuação no setor de motores, André deixou a profissão em 2018, mas aproveitou a experiência que tinha para lidar com projetos e metas nas empresas. “Comecei a me organizar: qual é o meu resultado final? O que preciso para vender? É um trabalho de formiguinha, conquistamos espaços como no jogo War, mas às segundas-feiras chego ao escritório mais feliz.” A relação com os clientes, segundo ele, é um dos fatores mais importantes. “A pessoa que compra um imóvel de 5 milhões de reais não pode perder tempo. Preciso mostrar casas que combinem com o desejo dela.”
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E esse desejo, desde o início da pandemia, passou a incluir muito espaço, quintais grandes com bastante verde e uma boa piscina — atributos disponíveis em muitas casas nos Jardins. “Antigamente, terrenos de 2 000 metros quadrados eram difíceis de vender, agora é o contrário”, diz Guilherme de Carvalho, 24, um dos mais jovens corretores na equipe da Esquema Imóveis, especializada em casas e apartamentos da região.
Guilherme ingressou na profissão aos 18 anos, a convite de um primo que era diretor de imobiliária. Hoje sua especialidade nas vendas são os casarões espalhados pelas ruas do Jardim América e Jardim Europa, bairros com cada vez mais moradores na faixa dos 30 anos. E a profusão de mansões encalhadas há anos pela região, não continua lá? “Tinha, não tem mais”, garante. “Nunca vi essa demanda explodir tanto. Gramado e piscina viraram prioridade.” Por lá, os valores ultrapassam 10 milhões de reais e as proporções de uma casa podem equivaler ao tamanho de vários apartamentos dos bairros vizinhos. “Tudo vira master… Temos closets de 120 metros quadrados.”
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Com a nova geração de corretores, surge uma relação natural dos vendedores mais velhos e experientes com o olhar moderno e conectado dos mais jovens. E o sistema digital, mais forte no último ano, rendeu até uma venda 100% on-line. “O cliente conheceu tudo sem visitar o local presencialmente”, admira-se Marco Túlio Vilela Lima, 47, CEO da Esquema Imóveis. “Casos assim não são comuns, mas hoje, felizmente, todas as vendas envolvem algum processo virtual que diminui certas burocracias.” Além de criar uma conexão com futuros clientes, as redes sociais servem como vitrine.
“O Instagram é importante para nos vendermos, mostrar a profissão e postar imóveis… Recentemente até me arrisquei no TikTok”, diverte-se Diego Biagi, 30, que abandonou sua carreira no setor alimentício para seguir os passos da mãe na corretagem há cerca de um ano. “Sou nascido e criado nos Jardins e minha escola foi dentro de casa. Passei a atender muitos amigos e pessoas conhecidas.”
Bruno Sindona, 33, também ingressou na profissão inspirado especialmente pela mãe, que tinha acabado de receber parte de um terreno em Osasco. “Aquilo que seria nossa mudança de vida virou um problema: o espaço foi vendido a uma incorporadora, mas ela acabou quebrando”, relembra. Sem nenhuma empresa interessada em assumir o empreendimento, a família conduziu as obras por conta própria e o projeto não deu lucro, mas serviu de lição para abrir a Sindona Incorporadora, lançada em 2008.
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Pela própria experiência vivida na periferia, uma das propostas de Bruno é entregar residenciais populares com elementos que só costumam ser vistos em construções de alto padrão: áreas de lazer, academia, piscina, playground e churrasqueira, por exemplo. “Nós conhecemos bem o cliente e, desde então, entregamos 800 unidades, além das 1 700 que estamos desenvolvendo”, contabiliza. Concentrada na Zona Oeste da capital e nas regiões de Osasco e Cotia, a incorporadora cobra, em média, 230 000 reais por apartamento. “As pessoas ainda sonham com a casa própria, por isso lançamos uma linha de residências só em Cotia. Muitos aceitam esse deslocamento de até 60 quilômetros até a cidade porque querem uma casa que podem pagar.”
Entre os próprios corretores, o sonho da casa própria também existe, mas envolve mais exigências conforme eles vão se tornando especialistas. “Nesse nicho você sempre tem contato com o que é mais bonito”, observa Marco Túlio. “É até difícil se colocar na própria realidade”, diz.
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Publicado em VEJA São Paulo de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759