Terapia constelação familiar se espalha como forma de investigar a mente
A ferramenta de autoconhecimento que foi organizada nos anos 70 passou a ser aplicada em empresas e também em questões jurídicas
Organizada no fim dos anos 70 pelo ex-missionário alemão Bert Hellinger, a terapia que ficou conhecida como constelação familiar sistêmica está em ascensão no campo das técnicas de autoconhecimento. A proposta é ajudar a solucionar problemas inconscientes (e economizar algumas tantas sessões de terapia). “Hellinger explica que uma situação pode se repetir por gerações, sem que os descendentes saibam os motivos”, diz a psicoterapeuta Fátima Corga, do Instituto Luz, que estuda o método há oito anos. Nas dinâmicas, a pessoa que está sendo constelada (ou seja, quem apresenta o problema inicial e arca com o pagamento da sessão, que custa a partir de 400 reais) explica uma situação. Pessoas ou objetos são usados para representar os envolvidos naquele cenário, desde pais e avós até parentes mortos. De longe, parece teatro, mas sem diálogos. O terapeuta pergunta o que cada um está sentindo e todos compartilham. “Diferentemente do psicodrama, os participantes sabem pouco sobre o assunto”, explica Fátima.
Advogada e consteladora há dez anos, Cristina Vasconcellos afirma que o processo de elucidar os emaranhados mentais começa pela sistematização do problema. “Identificar os integrantes do sistema, seu pertencimento e equilíbrio é o primeiro passo para enxergar uma solução”, diz ela. Para acompanhar a sessão, também é preciso pagar uma taxa. Cada um que recebe um papel costuma relatar emoções como tristeza, raiva e felicidade. Cabe ao facilitador apontar os padrões de comportamento a partir das reações de todos. Psicóloga há 39 anos, Irene Cardotti participou do primeiro curso de Hellinger no país, em 1999, e faz questão de explicitar que o processo não é racionalizado: “Quando as pessoas se abrem, entram em sintonia, sem saber como”.
Quem já testou a alternativa é só elogios. A estudante de nutrição Janaína Camacho, de 34 anos, sofria desde pequena com transtornos alimentares. Fez o processo da constelação com bonecos, em vez de participar do grupo. “Descobri que a compulsão começou quando meus pais se separaram e estava ligada à mágoa que eu sentia”, diz Janaína. No caso de Ronaldo Cavichioli, a terapia auxiliou no luto pela morte da mulher, Betty, e na definição do que fazer com o negócio familiar que tocavam juntos. No Instituto Luz, Cavichioli e suas filhas, que também estavam à frente da confecção de roupas, entraram na dinâmica. “Foi curioso porque uma das representantes agia de forma questionadora, igual a uma das meninas”, diz o empresário. No fim, aliviados, os três retomaram a empresa com funções reorganizadas.
O uso dessas dinâmicas no universo corporativo também cresceu. “A constelação serve para analisar os departamentos e o mercado, por exemplo”, explica José Luiz Weiss, sócio da consultoria Corall. Na GE, foi usada para desenhar um novo processo de avaliação de funcionários. “Descobrimos a ansiedade dentro da mudança e elaboramos elementos para ajudar”, justifica Weiss.
O sistema judiciário também aderiu. No Fórum Regional de Santo Amaro, rolam desde o ano passado encontros mensais com quem passa por disputas. A participação, gratuita, não é obrigatória e o que é discutido ali não é usado como prova. “A ideia é que pelo menos uma das partes olhe a situação de forma diferente”, diz a juíza Claudia Spagnuolo, da 11ª Vara de Família. Depois das reuniões, ela relata maior facilidade em fechar acordos. O juiz Paulo Fadigas, da Vara da Infância e Juventude, abriu espaço para a metodologia. “Para cuidar de uma criança acolhida pelo Estado, é importante que os responsáveis estejam bem emocionalmente, e a constelação ajuda”, afirma Fadigas.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649.