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Congonhas

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h03 - Publicado em 30 jun 2012, 00h51

Desci em Congonhas na primeira vez em que vim dos Estados Unidos para morar em São Paulo. Ainda não havia para mim, nem para ninguém, o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o GRU, que traz o nome do ex-governador André Franco Montoro.

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Prefiro Congonhas. Nisso, sou paulistano que nem os antigos, como meu amigo Reinaldo Moraes, o badalado escritor, que lá passava de noite para beber chope, antes de existir vinho na cidade. Ia de tarde, também, para tomar café, tal como de manhãzinha, se entendi. Qualquer hora era hora de passar no aeroporto em uma cidade sem trânsito. Há poucas vistas tão poéticas do mundo moderno quanto a dos aviões ao subir e descer. Esquecemos disso, às vezes. Sempre há um avião no céu de São Paulo. Basta olhar no horizonte. Faz parte do seu cartão-postal.

Quem me esperou lá foi meu (hoje) amigo Carlos Bakota. Não o conhecia. Carlos dirigia o intercâmbio que eu viera fazer na Universidade de São Paulo. Aguardava um aluno virgem, sem conhecimentos da língua nem da cultura local. Mas saí do portão em uma camiseta do Corinthians, metido (!), para que ele pudesse me localizar na multidão de paulistas. Isso antes da Democracia. Eu tinha 21 anos de idade. Era eu mesmo o único a aparecer ali vestido com camiseta de time. Naquele tempo andar de avião pedia trajes mais formais.

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Ao perceber meu entusiasmo, sem falar de certa arrogância de moleque universitário metido a besta, Bakota resolveu testar meus nervos e a dedicação à causa brasilianista. Levou-me para “coletar” cartazes da revista PLAYBOY nos quiosques da Avenida Paulista. Explicou que vinha fazendo uma pesquisa para a Universidade de Indiana sobre o papel do bumbum na cultura brasileira. Você pode achar que é trote, isso, e que eu caí na armadilha. Afinal, corria ainda o ano de 1980. Mas não era. Carlos levava o assunto a sério. Nisso ele era vanguardeiro, pelo menos nos meios acadêmicos. Hoje, ele estuda zumbis. Juro. Nunca tive o prazer de ler o trabalho sobre as nádegas. Os cartazes entrariam como notas de rodapé, imagino: “Ibid., ibidem, ‘os melhores bumbuns do verão’, playboy, cartaz de quiosque, são paulo, 1980”. Algo assim.

Na mesma viagem recebi a visita da minha mãe, Dona Cozette. Por um descuido, não carimbaram seu passaporte ao entrar no país. Descobrimos o erro na saída. Essa pequena falha gerou uma situação burocrática curiosa. Como minha mãe não havia entrado no Brasil, não lhe era permitido sair. No universo paralelo da burocracia faz um certo sentido, você há de convir.

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Para conseguir permissão para o embarque, fui obrigado a discutir com patentes crescentes da Polícia Federal. Conheci as entranhas do aeroporto como poucos. Fui sendo levado para o chefe do chefe, cada vez mais lá para dentro, até chegar à autoridade máxima de Congonhas. Ele aceitou o argumento de que a Dona Cozette não teria chegado ilegalmente ao país: 1) porque tinha visto; 2) porque tinha saído, comprovadamente, de Nova York, de avião, com o destino de São Paulo; e 3) porque era minha mãe.

O erro, tentei mostrar com diplomacia, partira deles. Ele nos deu o carimbo necessário no passaporte em tempo de pegar o voo. Sempre fui bem tratado pela Polícia Federal brasileira, devo dizer, tanto em Congonhas como em Cumbica. Se fosse na Suíça, ou na Alemanha, acho que minha mãe estaria ainda no aeroporto. Certa vez, fiquei preso do lado de lá da fronteira do Paraguai, na empoeirada e sufocante Puerto Stroessner, hoje Ciudad del Este, em meio a centenas de sacoleiros. Não é uma situação desejável. Meus documentos estavam vencidos. Fazia 45 graus. Numa outra semana, conto como fiz para voltar.

 

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