Estudo o Brasil desde os meus 17 anos de idade. Tive a sorte de ter grandes professores, tanto aqui como nos Estados Unidos. O assunto nunca me entedia. A cultura brasileira me alegra e fascina, até hoje. Publiquei um livro dedicado ao tema. Mas há ao menos um dado antropológico que me escapa no Brasil. Nunca consegui entender a noção de tempo no país, embora já o considere o meu também.
A questão do horário veio à tona na semana retrasada. Marcamos, eu e minha mulher, Luli, um jantar na sexta-feira na casa dos nossos amigos Maurício e Cris. Nós nos conhecemos há anos, através dos filhos, que estudam juntos. Jogo futebol aos domingos com Maurício e Artur, amigo do Sammy, meu caçula, de 9 anos. Mas nunca havíamos jantado juntos — os dois casais, a sós. A intimidade não era tanta assim. Acontece que Maurício é baiano. Baiano mesmo. Cris é paulistana, mas já viveu tanto nos Estados Unidos como na Bahia. Prevalece, na casa deles, a cultura baiana, sempre achei isso, ao menos. Marcaram o jantar com antecedência. O cardápio seria bacalhau, um dos meus favoritos.
No dia do encontro, Luli mandou uma mensagem para meu trabalho, na Editora Abril, lembrando-me do jantar, às 20h30. Não havia esquecido, respondi, mas, segundo meus cálculos, na casa de um baiano, jantar de sexta-feira marcado para 20h30 equivale a 21h50. No mínimo. Luli me telefonou, aflita, depois de ler minha resposta. Disse que eu estava enganado. Cris escreveu no convite “20h30 (american time)”, explicou ela, com o seu sotaque lindo ao falar inglês. Para quem não sabe, “american time” significa horário americano. No horário americano, 20h30 é igual a 20h30, 20h40, no máximo, já que é sexta-feira e ninguém é de ferro. Mas com a colocação do horário americano na jogada a complexidade da questão subiu de patamar.
“E o que se entende por american time na Bahia?”, perguntei. “American time é american time”, respondeu Luli, como se o uso da língua inglesa conferisse maior peso ao conceito. “Na Bahia? Duvido.” “Em qualquer lugar!” Quero intervir no diálogo para destacar que amo a Bahia e os baianos. Nada tenho contra o estado, antes pelo contrário, como se diz. Sou fã dele. É a Grécia antiga do Brasil. Mas o fato é: a noção de tempo varia de lugar para lugar. (Para conferir, basta ler “A Geography of Time”, de Robert Levine; Basic Books; 1997.) Tampouco acho o horário americano (simples) ou mesmo o paulistano (mais complexo) superiores às práticas temporais consagradas pelos baianos.
Por via das dúvidas, fui para casa cedo. Lá a discussão prosseguiu. Luli fazia questão de sair logo. Argumentava eu que Maurício, publicitário dos bons, aqui em São Paulo, não teria sequer chegado do trabalho. Isso me parecia mais ou menos óbvio, diga-se. No fim, a opinião da Luli prevaleceu. Saímos cedo. Passamos na banca das flores da Dr. Arnaldo, em meio ao trânsito intenso do comecinho da noite de sexta-feira em São Paulo, compramos minha latinha de refrigerante (sou meio viciado) e chegamos às 20h30 em ponto ao apartamento deles. Para minha surpresa, foi Maurício quem abriu a porta. Falei para ele: “Nossa, confesso minha surpresa, Maurício! Achei que nem sequer teria chegado do trabalho a esta hora”. E ele: “Acabei de chegar”, respondeu, ainda ofegante. “Cris me fez prometer que estaria aqui”, completou com seu sotaque baiano. Nisso, a Cris apareceu. Ela abraçou a Luli e disse, com entusiasmo: “American time”. Ao que Luli respondeu: “American time!”.
Moral da história: na dúvida, prevalece sempre o horário feminino.
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