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Como se livrar da árvore

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h30 - Publicado em 29 dez 2011, 23h50

As excentricidades do meu saudoso pai ficavam mais pronunciadas na época do Natal e do réveillon. Ele não era grande fã dos formatos tradicionais de festejos do fim de ano, respeitados pelo restante da família, devo dizer, mas mesmo assim encontrava maneiras de se divertir.

A certa altura da minha vida, Garry, como era conhecido, cismou com os cartões de Natal. Dizia que não eram sinceros, que haviam se tornado uma obrigação, apenas, quando não uma hipocrisia. Corriam os anos 60 e nós vivíamos na Califórnia, próximo ao centro do furacão contracultural. A sinceridade estava na moda, e toda e qualquer instituição era passível de questionamentos.

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A primeira manifestação crítica do meu pai foi elaborada nas cartelas que alimentavam os gigantescos computadores da época. Não sei se você se lembra delas. Através de um sistema de perfurações, davam instruções às máquinas. Garry comprou uma centena, mandou fazer um carimbo, estampou “Boas-Festas” em cada uma e despachou-as pelo correio para os amigos e familiares. Não posso relatar a repercussão, porque era criança à época. Mas a reação do lado da família sem educação formal que se dedicava à agricultura de sustento nas regiões mais remotas do estado de Utah deve ter sido de, no mínimo, perplexidade.

Não parou por aí. O meu cartão favorito, o melhor, a meu ver, entre, talvez, uma dezena de formatos diferentes, foi idealizado por meu pai durante a minha adolescência, na primeira metade da década de 70. Trazia apenas uma fotografia. Estavam na foto, em uma pose formal e natalina, meus dois irmãos, um casal de amigos dos meus pais e o filho mais velho do casal, Billy, que tem a minha idade. Esse cartão foi enviado com a mensagem de “Boas-Festas” como se fosse um retrato da nossa família. Os amigos dos meus pais tinham, é verdade, uma vaga semelhança com eles, mas não passava disso. Reza a lenda que nenhum recipiente do cartão percebeu a troca de identidades. Niguém disse nada, nem os meus avós, nada. Zero.

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Era divertido. A mais elaborada das obras natalinas do meu pai atravessou anos. Tudo começou quando ele recebeu, de lembrança de fim de ano de um cliente, uma pequena árvore de Natal de plástico, de mais ou menos 1 metro de altura, com enfeites que reproduziam maçãs. Não cheguei a ver. Mas minha mãe garante que era um objeto medonho de feio.

A maioria das pessoas jogaria fora um presente desses e talvez pusesse em questão o gosto do cliente. Mas meu pai, não. Ele viu ali uma oportunidade. Guardou a árvore de plástico decorada com maçãs na garagem. No ano seguinte, enviou-a para seu irmão, que morava em Lake Tahoe, a 900 quilômetros de distância. Gordon, como se chamava meu tio, entendeu a piada, mas nada disse. No aniversário do meu pai, três meses depois, embrulhou a árvore em papel festivo e mandou-a de volta.

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A história não termina aí. Apesar dos protestos da minha mãe, Garry guardou a árvore de plástico decorada com maçãs na garagem mais uma vez, à espera de nova oportunidade. Ao saber que seu irmão pretendia passar o próximo Natal na Alemanha, na casa do seu filho mais velho, não titubeou. Ligou para seu sobrinho e combinou o jogo. No dia seguinte, a árvore seguia para a Alemanha por FedEx ou DHL ou UPS, não sei qual. Deve ter custado uma pequena fortuna. Imagino, ao menos, que enviar uma árvore de plástico de 1 metro de altura decorada com maçãs da Califórnia para a Alemanha por correio expresso não seja barato.

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Quando meu tio chegou à entrada da casa do seu filho, na Alemanha, lá estava a árvore, à sua espera. Acabou aí. Ele se deu por derrotado. Não a levou de volta para a Califórnia.

Moral da história: se você não sabe o que fazer com a árvore de Natal, mande-a para a Alemanha. Feliz 2012.

e-mail: matthew@abril.com.br

 

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