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Câmara Municipal e Ministério Público investigam projeto de ciclovias

Enquanto o legislativo municipal tenta criar uma CPI sobre os custos do programa, a promotoria finaliza inquérito que pode pedir a paralisação das obras

Por Aretha Yarak e Silas Colombo
Atualizado em 1 jun 2017, 17h03 - Publicado em 13 fev 2015, 11h57

 

A reportagem de capa da semana passada de VEJA SÃO PAULO mostrou uma série de problemas graves nas ciclovias de Fernando Haddad. Somando-se os custos dos trechos entregues aos dos projetos em construção, a prefeitura está gastando, em média, 650 000 reais por quilômetro. Esse número representa mais que o triplo do orçamento inicial e é superior ao de programas equivalentes em outras capitais brasileiras, como Porto Alegre e Curitiba, e metrópoles internacionais, a exemplo de Berlim, Nova York e Paris. A título de comparação, as ciclovias de Haddad custam cinco vezes mais que as da capital francesa. VEJA SÃO PAULO mostrou também que o Tribunal de Contas do Município (TCM) listou uma série de irregularidades na implementação da política, como a ausência de estudos sobre sua viabilidade e seu impacto no trânsito. A mais grave envolve a forma de contratação das empresas responsáveis pelos trabalhos nas avenidas Paulista e Faria Lima, que estão entre os mais caros. Os acordos foram firmados por atas de registro de preços, uma ferramenta utilizada para agilizar despesas menores e rotineiras da cidade, como a compra de material de escritório para repartições públicas. O uso da ata de registro de preços para a execução de obras como as ciclovias foi considerado ilegal pelo TCM.

+ Projeto de expansão das ciclovias custa mais que o triplo do previsto

As informações reveladas por VEJA SÃO PAULO repercutiram na Câmara Municipal, que debateu o assunto na última terça (10). No fim do dia, os vereadores de oposição, liderados por Andrea Matarazzo, do PSDB, protocolaram, por 23 votos (quatro a mais que o necessário), um pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os gastos de Haddad na área. “A prefeitura precisa dar explicações mais consistentes”, afirmou Matarazzo. Para que a investigação comece a sair do papel, ela precisará ser ainda aprovada em plenário e entrar em uma espécie de fila. Mas, se houver acordo entre os parlamentares, o tema poderá ser priorizado. José Police Neto (PSD), membro da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara, convocou para prestar esclarecimentos na Câmara os profissionais de quatro empresas que participaram da concorrência pelas obras do circuito de 12 quilômetros da Faria Lima, que custará 54 milhões de reais aos cofres públicos. Além da companhia vencedora, a Jofege, outras três par Avenida ticipantes do processo terão de explicar como chegaram ao custo final. Na ata de registro de preços da Faria Lima, não há menção a nenhuma ciclovia. Os contratos são referentes a reparos na via, como o conserto de buracos.

+ Buraco, lixo e até barraca de pastel são obstáculos para ciclovias

Além desse problema, o TCM mostrou que um trecho de 2,5 quilômetros do projeto seria construído sobre uma ciclovia já existente. Como se não bastasse, a nova pista custaria dez vezes mais que a antiga. Depois que o órgão apontou a duplicidade do traçado, a prefeitura paralisou os trabalhos em outubro. Oficialmente, o governo justificou a medida com a necessidade de realização de novos estudos técnicos no trecho em questão. “Se o Executivo assumir rapidamente os erros, ainda dará tempo de arrumar”, afirma Police Neto.

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+ Câmara Municipal protocola pedido de abertura de CPI das ciclovias

Durante a apuração da reportagem de capa de VEJA SÃO PAULO sobre as ciclovias, Haddad e seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, negaramse a falar sobre as questões polêmicas que envolvem os projetos. A prefeitura só se manifestou sobre o assunto no fim da tarde da última segunda (9), dois dias após a publicação da revista. Uma nota oficial tentou desqualificar a informação de que as ciclovias custam em média 650 000 reais por quilômetro. A conta é baseada em dados oficiais: serão usados 116 milhões de reais para criar 177 quilômetros de vias, o que resulta no custo de 650 000 reais por quilômetro.

Estão sendo consideradas aí as ciclovias (trajetos segregados dos carros por alguma barreira física) e as ciclofaixas (feitas apenas com pintura no asfalto). Trata-se do mesmo critério usado pela prefeitura, que chama todas as obras de ciclovias, sem fazer distinção entre os projetos menores e os mais complexos. Mais de 90% dos trechos entregues envolvem praticamente só a pintura de asfalto (essa tática rendeu a Haddad o apelido de “prefeito Suvinil” e vários memes com a piada na internet).

prefeito suvinil
prefeito suvinil ()

De acordo com a nota divulgada pelo governo municipal, a conta da cidade não  pode ser feita dividindo-se apenas o investimento pelo tamanho da malha construída: “Três orçamentos (Avenida Paulista, Amaral Gurgel e Faria Lima) precisariam ter tratamento diferente porque abrangem intervenções urbanas que vão além da instalação da ciclovia. Teria sido necessário extrair o valor específico para a ciclovia para chegar ao cálculo desejado pela reportagem. Excluindo as três obras citadas, a implantação teve custo médio de 180 000 reais por quilômetro”. Em outros termos, na visão da prefeitura, todas as adaptações realizadas em um local como a Paulista com o objetivo de fazer a ciclovia não devem ser consideradas no preço da obra.

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Trata-se de uma verdadeira tentativa de atropelo da lógica. “Ações como as mudanças dos semáforos e a reforma do canteiro central da Avenida Paulista só estão sendo realizadas agora para dar lugar à faixa de bicicletas”, afirma Floriano de Azevedo Marques Neto, professor titular de direito administrativo da Universidade de São Paulo. “Não há como separar as coisas”, reforça o advogado Manoel Joaquim dos Reis Filho, um dos principais especialistas da Consultoria em Administração Municipal (Conam), empresa que presta serviços a órgãos públicos. O texto da nota oficial da prefeitura ainda diz que VEJA SÃO PAULO publicou dados imprecisos baseando-se em informações preliminares do TCM sobre o assunto.

O que o governo chama de “informações preliminares” é, na verdade, o relatório final da auditoria do tribunal a respeito das ciclovias da Avenida Paulista e da Rua Amaral Gurgel, com onze volumes de documentos. Ali é apontado o uso ilegal da ata de registro de preços na contratação dessas obras. No caso da Paulista, o consórcio vencedor está inscrito há um ano na Junta Comercial e tem sede em um edifício residencial no Belenzinho, na Zona Leste. Até agora, a prefeitura não deu nenhuma explicação sobre essas questões. O prazo final para o governo municipal esclarecer esses e outros pontos nebulosos ao TCM venceria na última terça (10). Nessa data, a Secretaria de Transportes pediu mais prazo para apresentar suas respostas.

As irregularidades na execução do projeto de ciclovias chamaram também a atenção do Ministério Público do Estado de São Paulo. Em setembro do ano passado, o órgão instaurou um inquérito civil depois de receber dezenas de denúncias da população a respeito de problemas e irregularidades nessas obras. No processo, o MP questiona a prefeitura sobre detalhes do programa, como os critérios de escolha das vias para receber ma lhas de bicicleta. Até o momento, o governo municipal, que afirma ter gasto 10,8 milhões de reais no planejamento da política, enviou duas respostas à promotora Camila Mansour, responsável pela investigação. As explicações foram consideradas insatisfatórias. Agora, Mansour aguarda a finalização de um laudo técnico para emitir seu parecer final. A decisão deve acontecer nos próximos dias. Se a promotora chegar à conclusão de que os projetos estão sendo feitos sem o devido planejamento, poderá até pedir a paralisação imediata das obras. Procurada por VEJA SÃO PAULO, a promotora não quis comentar o caso.

Haddad recebeu nos últimos dias más notícias relacionadas à sua aprovação entre os eleitores (o mesmo ocorreu com a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin). No caso de Haddad, o novo levantamento do Datafolha revelou que, entre o ano passado e o começo de 2015, o número de pessoas que consideram sua gestão ruim ou péssima saltou de 28% para 44%. No mesmo período, caiu de 80% para 66% a taxa de aprovação dos paulistanos para as ciclovias da prefeitura. Isso mostra que a ideia é bem-vinda e ainda conta com o apoio da maioria. O que não se pode é realiz á-la a qualquer custo.

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