Caso de Douglas Garcia e Vera Magalhães lembra outras polêmicas da Alesp
Somente neste ano, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar já recebeu 50 representações do tipo, contra diferentes deputados
A Assembleia Legislativa de São Paulo já soma nove representações por quebra de decoro parlamentar contra o deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) por ofensas feitas contra a jornalista Vera Magalhães no último dia 13, após o debate entre candidatos a governador de São Paulo promovido pela TV Cultura.
+ Tarcísio não sabe seu local de votação em SP: ‘Fugiu à cabeça’
A atitude foi rechaçada por opositores e pegou mal entre seus próprios aliados políticos, mas seu caso não é exceção no Legislativo paulista: somente neste ano, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar já recebeu cinquenta representações do tipo, contra diferentes deputados, fazendo com que a Casa, por muitas vezes, ganhasse notoriedade não pela aprovação de projetos, mas por atitudes controversas de seus integrantes.
+ Procuradoria vai investigar visita de candidatos a local de desabamento
A eleição de 2018 representou a maior renovação na Alesp na história recente: 52 dos 94 eleitos nunca haviam ocupado uma cadeira lá. Seguindo a tendência do país, ficou mais polarizada e viu o PSDB ser desbancado pelo PSL como maior bancada — hoje, é o PL.
Desde o primeiro ano da atual legislatura, o Conselho de Ética foi acionado com muito mais frequência do que no mandato anterior. Foram duas representações por quebra de decoro entre 2015 e 2018. Já em 2019, houve 21 ações. Ocorreu em dezembro de 2020 o episódio mais emblemático, quando o deputado Fernando Cury (União Brasil, à época do ocorrido no Cidadania) apalpou os seios da deputada Isa Penna (PCdoB) no plenário.
Em abril de 2021, a Alesp aprovou a punição: Cury foi suspenso por seis meses. Parlamentares da oposição, porém, consideraram a decisão branda, pois queriam sua cassação. Na ocasião, Cury afirmou que recebeu a decisão “com serenidade”. Na Justiça, foi denunciado pela promotoria pelo crime de importunação sexual e virou réu em dezembro. O processo segue em tramitação.
+ Anvisa reforça alerta de recolhimento de petiscos caninos intoxicados
A Alesp virou assunto nacional — e até internacional — em março de 2022, quando vazaram áudios do então deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei (União Brasil, na época no Podemos), com falas machistas sobre mulheres ucranianas, nas quais afirmava que eram “fáceis porque são pobres”, entre outros adjetivos sexistas. O episódio gerou a indignação de membros da comunidade ucraniana no Brasil e virou uma crise de imagem para o Legislativo paulista, que agiu rapidamente para dar uma resposta.
Em abril, o parlamentar renunciou ao seu mandato, mas mesmo assim a Casa prosseguiu com o processo contra ele. Sem apoio político, em maio, teve seu mandato cassado por unanimidade, algo que havia ocorrido pela última vez na Alesp em 1999.
+ Azul terá voos entre Congonhas e aeroporto de Jacarepaguá, no Rio
Em nota divulgada na época, ele disse ter sido vítima de uma “perseguição” e que a decisão teve como intuito “retirá- lo da disputa eleitoral”.“A desproporção da sua punição fica evidente já que a mesma Casa foi branda em relação a casos muito mais graves, como o do parlamentar Fernando Cury”, acrescentou.
Em dezembro de 2021, Arthur do Val se envolveu em uma briga no plenário da assembleia, quando o também deputado Gil Diniz (PL) tentou pegar o celular de sua mão. Dois anos antes, Do Val também tinha sido protagonista de um empurra-empurra generalizado durante a votação da reforma da previdência estadual proposta pelo então governador João Doria.
Ele chamou os sindicalistas presentes de “vagabundos” e chegou a deixar os braços em posição de briga com outros parlamentares. A assembleia também se viu obrigada a se desculpar com entidades religiosas após Frederico d’Avila (PL) xingar o papa Francisco, o arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, e toda a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de “safados”, “vagabundos” e “pedófilos”.
+ Museu da Bolsa de Valores é inaugurado em São Paulo
“Seu safado da CNBB dando recadinho para o presidente (Jair Bolsonaro), para a população brasileira, que pátria amada não é pátria armada. (…) Seu vagabundo, safado, que se submete a esse papa vagabundo também. Seus pedófilos safados, a CNBB é um câncer que precisa ser extirpado do Brasil”, disse o parlamentar em outubro de 2021.
D’Avila foi alvo de diversas representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que em fevereiro deste ano votou por penalizá-lo com três meses de punição. Entretanto, a legislatura se encaminha para seu fim e até agora o plenário não deliberou sobre a sanção — que não pode ser aplicada enquanto isso.
+ A guerra da igreja evangélica que ousou tratar LGBTs de forma igualitária
Com uma base articulada, especialmente de apoiadores de Bolsonaro, de quem d’Avila é próximo, tem tido sucesso em postergar sua suspensão. O caso já foi adiado seis vezes por falta de quórum, sendo a última em 22 de junho.
Outro momento de tensão foi causado por Wellington Moura (Republicanos), que ameaçou colocar um “cabresto” na boca da deputada Monica Seixas (PSOL) durante sessão da Alesp em maio deste ano.
A parlamentar falava sobre saúde pública quando foi advertida pelo deputado, que presidia a sessão, por abordar assunto diverso do que era debatido. “Vou colocar um cabresto na sua boca”, ameaçou Wellington, ao que Mônica retrucou: “Não vai calar a minha boca”.
Moura afirmou que “sempre colocaria um cabresto em sua boca” e que faria isso “em todas as vezes que fosse presidente”. Ela chegou a pedir sua cassação, mas o Conselho de Ética negou. A Procuradoria Eleitoral do Ministério Público denunciou o parlamentar pelo crime de violência política de gênero pela fala, e o caso tramita no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
+ “Melhor do que as cotas seria a ‘nova meritocracia’”, declara Fabio Spina
O cientista político Rui Tavares Maluf afirma que esses episódios chamam a atenção para a assembleia de “maneira negativa” e refletem uma radicalização maior, mas acredita que há um lado positivo porque a Casa passou a ganhar um pouco mais de atenção dos paulistas.
“E como aumentou a polarização na sociedade no geral, o que se refletiu na Alesp, teve mais debates internos acalorados e sobre temas que passaram a ser mais caros na sociedade também.”
Neste ano, de fevereiro a junho, a assembleia paulista aprovou seis projetos em plenário, entre projetos de lei, lei complementar, decreto legislativo ou proposta de emenda à Constituição estadual, três deles de autoria do Executivo. Em 2021, foram dezesseis aprovações e, destas, nove foram projetos de autoria do governador. Em 2020, aprovou dezoito proposições e em 2019 foram dezessete.
+ Quem é Camila Lisboa, 1ª mulher presidente do Sindicato dos Metroviários
O levantamento considera apenas os processos aprovados com votação nominal, com votos registrados no painel eletrônico. A Alesp foi questionada sobre outros projetos, aprovados com votação simbólica, mas não respondeu.
Alguns dos mais relevantes aprovados na atual legislatura foram a Lei de Regularização de Terras, em junho deste ano, a nova carreira dos professores do estado e a suspensão de reintegrações de posse e despejos durante a pandemia.
De acordo com relatório feito pela organização Movimento Voto Consciente, de março de 2015 a junho de 2018, a legislatura anterior aprovou 75 projetos considerados de impacto.
+ Leilões podem reverter 1 bilhão de reais para retomada de projeto urbanístico
“As Câmaras Municipais são a instância mais próxima da sociedade e seu cotidiano, e no nível nacional estão a Câmara dos Deputados e o Senado, com as questões que afetam todos os brasileiros. A Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo, está em uma jurisdição gigantesca, com um eleitorado e uma população gigante. O Brasil é um país tão municipalista que as Câmaras passaram a ter um protagonismo muito maior”, destaca o especialista.
Visão semelhante tem o cientista político Sérgio Praça. “E metrô, segurança pública, educação e saúde? Nessa parte, os governadores têm muita autonomia para tomar decisões sem necessariamente precisar da assembleia. E quando é necessária essa autorização, é fácil formar coalizões. Dentro do processo legislativo de produção de normas, as assembleias legislativas de modo geral ficam esquecidas e isso se exacerbou nos últimos anos.”
O presidente da Alesp desde março de 2021, Carlão Pignatari, afirma que “é preciso separar o joio do trigo” e que os episódios “não representam” a Casa como um todo.
+ Justiça barra leilão de rodovias de R$ 10 bilhões do governo estadual
“É importante dizer também que o Conselho de Ética, formado por um grupo de deputados e deputadas, analisou todos os casos, sem distinção, e aplicou as punições de acordo com o Regimento Interno e o Código de Ética. Pela primeira vez neste século, a assembleia paulista cassou o mandato de um parlamentar. Outro perdeu o mandato por seis meses. O acirramento da política levou ao extremo as relações. Mas esperamos que os próximos parlamentares eleitos venham com a consciência de que aqui no Parlamento temos de trabalhar com um único objetivo, a melhoria de vida de todos os paulistas.”
Ele ainda destacou que a Casa aprovou inúmeras leis relacionadas à pandemia de Covid-19, “como a permissão para a compra de vacinas e multa para quem fura a fila da vacina, o reajuste de 20% no salário dos profissionais da saúde e segurança pública e a redução de impostos para remédios e equipamentos médico-hospitalares”.
+Assine a Vejinha a partir de 9,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808