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Carta para NY

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Queridíssima.

Soube que você clareou os cabelos. Pouca coisa, me disseram, só fez umas luzes. Não gostei. Quer dizer, não vi, não posso dizer que não gostei do resultado. Não gosto é da idéia. Sabe por quê?

Venho notando que as mulheres brancas jovens estão cada vez mais parecidas umas com as outras. Muitas vezes a gente julga que ali adiante vai uma conhecida, apressa o passo, quase toca na pessoa e – ainda bem que não toca – não é ela. De costas parece, mas não é.

Desconfio que é o cabelo. Luzes, reflexos, tons mais claros, mais lisos – estão cada vez mais parecidos os cabelos de umas com os de outras. A roupa massificada também ajuda a criar a ilusão. Por que será que vocês procuram semelhanças, e não diferenças? Não é só porque é moda. Ninguém impõe uma moda – as pessoas é que fazem a moda. Têm motivações. Vou te provocar: será que vocês se sentem mais seguras quando uma não difere muito da outra? Será que pensam, lá no fundo da alma, que se ficarem semelhantes os homens vão achar que a eventual troca de uma pela outra não vale a pena, elas por elas, seis por meia dúzia? Será?

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Mudando de assunto: você diz que finalmente o pessoal daí está se tocando com relação ao aquecimento global. Aqui, continua-se a falar de poluição. Inversão térmica, aquecimento, problemas respiratórios e oculares. Todo inverno é isso. Dizem que os paulistanos jogam na atmosfera 30 toneladas de poluentes por minuto! Acredita? Bom, você agora deve estar na cota do Bush – veja aí qual é a sua responsabilidade, com tanto ar refrigerado.

Falam em diminuir a poluição na cidade. Sonhos. Indignações do tipo parem o mundo que eu quero descer. Todos se preocupam, mas não sabem bem o que fazer, nem o governo. A esta altura? Aí reaparecem nos jornais aquelas idéias: vamos colaborar, gente, deixar o carro na garagem, tomar banhos de três minutos, escovar os dentes de torneira fechada, regular o lixo. A população fica perdida no meio das contradições. Olha só: fazem a maior propaganda para vender carros, apostam no crescimento, oferecem financiamentos, facilidades – e pedem para deixar a jóia na garagem? Negligenciam a construção de metrô e a culpa é de quem se vira para chegar ao trabalho de carro? E outra: encurtar o banho? Sair à rua sem tirar todo o sabão do corpo e ver os vizinhos varrendo calçada com esguicho de água? Lixo, vão acabar cobrando a taxa por peso, até imagino o gari de balança na mão, mostrando aquele dedinho de repreensão para a gente.

Encontrei a Fer. Te manda beijos. Magra! As pessoas estão confundindo dieta com autopunição. Tentaram pegá-la num desses trotes de seqüestro. “Como assim, estão com meu filho?”, ela gritou ao telefone. “O Tomás!”, afirmaram. “Ah, é? O Tomás? A idade dele?” “Dezessete, 18.” E ela: “Sabe o que você faz? Procura a mãe dele na lista. Se não achar, traz ele aqui que eu cuido”. Desligaram. Doidinha, não?

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Não, não li a entrevista do John Updike. Mas li o romance dele, sobre o terrorista. Esse lado suicida do terrorismo político é só uma parte, eu penso assim. O recurso ao medo, à opressão e à violência para obter coisas é generalizado, e é fracasso de civilização. Seqüestro, bombardear civis, tortura, botar fogo em ônibus com passageiros, matanças – é tudo terrorismo, fracasso de civilização.

E também para que tanta entrevista de escritor? O que ele quer dizer está no livro. Na sociedade das celebridades, o público quer a pessoa, não a obra ou as idéias. Shakespeare nunca deu entrevistas. Vá lá que no tempo dele não havia jornais. Mas na época de Machado de Assis havia, bem variados, e ele nunca deu uma entrevista. As obras e os artigos bastavam para os leitores.

É isso, queridíssima. Aqui na terra estão jogando futebol. Beijos.

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