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Cordões de Carnaval de São Paulo surpreendem com altos lucros

Estruturados como empresas ou ONGs, os blocos atraem patrocinadores, mantêm atividades ao longo de todo o ano e movimentam milhões de reais

Por Ana Carolina Soares, Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 fev 2018, 06h00 - Publicado em 2 fev 2018, 06h00

Em 2015, animados pela recente retomada do Carnaval paulistano, a publicitária Nathalia Takenobu, o administrador de empresas Gabriel Ribeiro e o radialista Armando Saullo decidiram organizar a própria folia. O primeiro passo foi acessar o Google e digitar “como montar seu bloco de rua”. Apareceu o link do edital da prefeitura com as instruções para se engajar na festa. O trio cumpriu os requisitos burocráticos e juntou 9 000 reais para o ano seguinte. Orçamento modesto, que exigiu uma preparação quase artesanal, com a convocação da ajuda de familiares e amigos.

A avó de Nathalia, por exemplo, costurou três bandeiras para cobrir o pequeno trio elétrico do desfile de estreia, na Rua Treze de Maio, na Bela Vista. Assim, de forma prosaica, surgiu o Agrada Gregos, que troca as tradicionais marchinhas por discotecagens de pop e funk. “Nossa expectativa era reunir no máximo 2 000 pessoas”, lembra Saullo.

No dia marcado, no entanto, uma multidão de 18 000 foliões levou o bloco ao ranking dos vinte maiores da cidade naquele ano. Surpreso com a receptividade, o grupo resolveu profissionalizar-se e abriu uma empresa. Dois anos depois, agora com uma série de atividades paralelas como agenciamento de DJs, festas corporativas, formaturas, casamentos e um plano de expansão para outros municípios, os novos empresários do Carnaval paulistano esperam fechar 2018 com um faturamento de 1 milhão de reais.

O trio Saullo, Nathalia e Ribeiro, do Agrada Gregos (João Bertholini/Veja SP)

Só o desfile do dia 10, no Obelisco do Ibirapuera, deve consumir quase 300 000 reais. “Estamos reinvestindo tudo no negócio para manter o bloco com qualidade e gratuito”, diz Ribeiro.

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Eles não estão sozinhos nessa farra. De lendário “túmulo do samba”, São Paulo tornou-se uma verdadeira mina de ouro do Rei Momo. Desde 2013, quando os cordões começaram a tomar novamente as vias da metrópole, o número de foliões e o faturamento crescem pelo menos 50% ao ano. Desta sexta (2) até o próximo dia 18, 4 milhões de pessoas, das quais 30% são turistas, devem seguir os trios elétricos da capital, segundo estimativas da prefeitura. No ano passado, foram 3 milhões de pessoas.

Com 476 blocos e 491 desfiles, a festa na rua deve movimentar 408 milhões de reais, 30% mais que em 2017. “O Carnaval tornou-se, de longe, o principal evento da cidade”, afirma o secretário das Prefeituras Regionais, Claudio Carvalho. Até 2017, o campeão por aqui era a Parada LGBT, que reuniu 3 milhões de pessoas e movimentou 100 milhões de reais em sua última edição, em junho. No Brasil, a folia paulistana só deve ficar atrás da festa do Rio de Janeiro, na qual são aguardados 6,5 milhões de pessoas e que tem estimativa de movimento financeiro de 1 bilhão de reais.

Nesse clima de confete e serpentina, duas empresas assumiram a comissão de frente do Carnaval de rua paulistano: a Oficina de Alegria e a Pipoca. Ambas mantêm sede em charmosas casas na Rua Madalena, na vila homônima, a dois quarteirões de distância uma da outra. A primeira foi fundada em 2010, pelos empresários Cesar Pacci, Rogério Oliveira e outros sócios. Na época, Pacci gerenciava a ótica da família na Lapa e Oliveira trabalhava em uma administradora de shopping centers.

Os dois se conheceram na bateria do Bangalafumenga e decidiram abrir aqui uma filial do famoso bloco carioca. Pouco depois, importaram também o Sargento Pimenta, que enfileira hits dos Beatles em ritmo de samba. Além dos desfiles, eles criaram uma escola de percussão. No início, eram cinquenta alunos, que pagavam mensalidade de 200 reais para ensaiar em um galpão na Vila Madalena. “Eu chamava o lugar carinhosamente de espelunca”, ri Pacci.

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Rogério Oliveira, da empresa Pipoca: 400% de aumento no faturamento em cinco anos (Leo Martins/Veja SP)

Hoje são 250 batuqueiros, que desembolsam 300 reais por mês por duas horas semanais no Carioca Club, em Pinheiros, com catorze mestres. Alunos são convocados a se apresentar em cinco festas oficiais anuais, em locais como a balada The Week, na Lapa, e conduzem uma série de workshops e eventos corporativos pagos pelas empresas. Na sede, trabalham diariamente cinco funcionários. A diretoria não divulga números, mas, segundo estimativas de mercado, a empresa faturou 3,1 milhões de reais em 2017 e registra crescimento médio anual de 20%. Os desfiles ainda representam a maior fatia desse bolo, rendendo cerca de 1,2 milhão de reais, arrecadado principalmente em cotas de patrocínio junto a empresas como Skol e o site de reservas Booking.com.

No total, a turma produz quatro blocos: Sargento Pimenta, que sai neste domingo (4), às 9 horas, na Avenida Brigadeiro Faria Lima; Banga, no mesmo dia e local, a partir das 15 horas; Os Capoeira, também neste domingo, às 11 horas, na Praça da República; e o infantil Bloquinho, ainda sem definição de data e local. Uma novidade deste ano será a estreia em Ribeirão Preto, no interior do estado. “Também queremos expandir a nossa oficina de percussão para outras cidades do país”, diz Pacci.

Em 2012, Rogério Oliveira deixou a Oficina de Alegria para fundar a concorrente. A Pipoca é responsável pela produção dos blocos Bicho Maluco Beleza, de Alceu Valença, e Frevo Mulher, de Elba Ramalho — neste sábado (3), às 11 horas, no Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera; Monobloco, neste domingo (4), às 14 horas, no mesmo local; e Ritaleena, também no sábado, às 14 horas, na Rua dos Pinheiros, e no dia 10, na Praça do Monumento, no Ipiranga.

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Além disso, a empresa ajuda a captar patrocínio para aproximadamente trinta outros cordões, como Não Serve Mestre e Turma do Funil. E, com uma proposta diferente da vizinha, não limita seus projetos ao Carnaval. Em 2018, vai organizar três grandes eventos de rua com temas variados: um festival de literatura em maio no Ibirapuera, uma festa junina no centro e uma celebração das luzes (semelhante à que ocorre anualmente em Lyon, na França) em setembro, também na região central.

Escritório da Oficina de Alegria, na Vila Madalena: produção de quatro blocos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Nosso objetivo é ocupar as ruas, de forma livre, democrática e gratuita”, diz Oliveira. Esse pacote levou a companhia, com sete funcionários fixos, a crescer mais de 400% nos últimos cinco anos. A estimativa é que os 3 milhões de reais de 2017 se transformem em 7 milhões de reais nesta temporada, graças a patrocinadores como as cervejarias Skol e Heineken e o aplicativo Uber.

Há ainda organizações que movimentam vultosas somas de dinheiro, mas garantem estar nessa só pela folia. Maior bloco da cidade em número de participantes — deve reunir 1 milhão de pessoas neste domingo (4), às 15 horas, na Rua da Consolação —, o Acadêmicos do Baixo Augusta é o abre-alas dessa turma.

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Tudo começou em 2009, em um papo de mesa de bar entre amigos, como o produtor cultural Alê Youssef. Com o passar dos anos, os desfiles conquistaram mais adeptos, atraídos pela presença de artistas consagrados. Neste ano, por exemplo, a programação inclui Maria Rita, Tulipa Ruiz, Leci Brandão e Wilson Simoninha, que abriram mão do cachê.

Em 2013, com o sucesso da empreitada, Youssef e seus “ministros” (apelido dos conselheiros) transformaram o bloco em uma organização não governamental (ONG). Segundo estimativas, o custo da festa é de 200 000 reais, bancados pelo patrocínio de marcas como Doritos e Amstel. Todo esse valor é investido apenas no Carnaval, sem lucro para os envolvidos. “Poderíamos ganhar muito dinheiro, mas temos uma posição ativista, de ocupação do espaço público, que não combina com o modelo de uma empresa”, diz Youssef.

Há quinze anos no asfalto, o Confraria do Pasmado é outro bloco a adotar essa linha. Em seu início, contava com vinte pessoas batucando a custo zero. “A gente tocava nas festas da USP e sonhava sair pela nossa vizinhança, na Vila Madalena”, diz um dos diretores do grupo, o cineasta Eduardo Piagge. Em 2014, transformou-se em uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos. Neste domingo (4), às 13 horas, deve reunir cerca de 30 000 pessoas na Rua dos Pinheiros, a um orçamento estimado em 80 000 reais, incluindo os ensaios ao longo do ano. “Só queremos promover diversão com qualidade”, diz Piagge.

O empresário Alê Youssef, do Baixo Augusta: recordes de público nos desfiles mais recentes (Leo Martins/Veja SP)

Entre os mais novatos nesse mercado, há até quem se assuste com a fama. O Casa Comigo começou sua trajetória de forma singela, em 2013, com trinta fantasiados de noivos e noivas na Rua Beatriz, na Vila Madalena. Dois anos depois, arrastou 25 000 pessoas para o mesmo local, em um evento que custou 50 000 reais. Nesse momento, os organizadores pensaram em encerrar as atividades por causa da expansão além do previsto. Ao contrário, decidiram se profissionalizar e hoje gerenciam um time de 300 colaboradores por desfile. Além disso, promovem cinco festas ao longo do ano.

Em 2017, cerca de 700 000 pessoas se espremeram no Largo da Batata para acompanhar o bloco. A passagem deste sábado (3), às 11 horas, pela Avenida Brigadeiro Faria Lima, custará 100 000 reais, financiados pela cervejaria holandesa Amstel e pela marca de roupas Enfim. “Apesar do crescimento, tentamos manter o clima de celebração entre amigos, sem grandes pretensões”, diz o produtor cultural Raphael Guedes, um dos sócios do negócio.

Nessa folia empresarial, existem aqueles que ainda sonham com a posição de destaque no carro alegórico. Criado em 2013 com a proposta de “carnavalizar” hits de Caetano Veloso, o Tarado Ni Você faturou 300 000 reais por aqui em 2017, mas planeja explorar novas terras. “Temos o sonho de fazer uma excursão pela Europa”, diz a empresária Raphaela Barcalla sobre o grupo, que desfila no dia 10, às 12 horas, no cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, no centro.

Organizadores do Casa Comigo durante ensaio em Pinheiros: cinco festas por ano (João Bertholini/Veja SP)

Em seu terceiro ano de atividade e com um orçamento de 45 000 reais, o Domingo Ela Não Vai batalha para abrir sua empresa e começar a faturar com eventos. “O plano é formatar uma agência de festas e viver dela”, diz o produtor cultural Rodrigoh Bueno, sócio ao lado de Alberto Pereira Júnior no bloco, que sai no próximo dia 11, às 11 horas, na Avenida 23 de Maio.

A festa de rua tomará praticamente toda a cidade. Entre as 32 prefeituras regionais, haverá eventos em 29 áreas, cinco a mais que em 2017. A
maior parte deles acontecerá no centro, com 125 desfiles, e na Zona Oeste, com 183. A organização está a cargo da Dream Factory, uma das principais empresas do setor no país, que venceu o chamamento público da prefeitura pela segunda vez seguida. No total, serão investidos 20 milhões de reais, pagos por patrocinadores como a cervejaria Skol, a rede de lanchonetes Burger King, a marca de preservativos Olla, o aplicativo 99 Táxi e a operadora de telefonia Vivo, que bancarão estruturas como banheiros e ambulâncias.

Trata-se de um orçamento 30% superior ao do ano passado. Esse patamar está longe do ápice. “O Carnaval de rua de São Paulo tem tudo para se tornar o maior do país nos próximos anos”, diz Luiz Carlos Prestes Filho (sim, filho do líder comunista Luís Carlos Prestes), especialista em economia da folia.

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