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Canis em abrigos para moradores de rua têm apenas 20% das vagas ocupadas

Lançada no ano passado, a iniciativa ainda amarga pouca demanda; para prefeitura, desinformação é o principal entrave

Por Adriana Farias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 fev 2020, 16h00 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00

Desde maio de 2017, a cidade ganhou nove centros de acolhida para moradores de rua com áreas até então inéditas: canis para os pets que acompanham parte dessa população. Criados graças a uma parceria da prefeitura com a iniciativa privada, esses endereços dispõem de 98 vagas para cães e gatos. Até agora, entretanto, o programa não decolou.

Na semana passada, por exemplo, 22 animais estavam alojados nesses pontos, o que representa uma taxa de ocupação de cerca de 20%. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social atribui esse cenário à falta de informação. Por isso, em abril, investiu 8,3 milhões de reais em uma campanha junto à agência nova/sb, que convocou grafiteiros para estilizar cinco viadutos com mensagens sobre os albergues pet friendly. Em junho, a ação conquistou o leão de bronze na categoria outdoor de comunicação efetiva no Festival de Publicidade de Cannes. Apesar do prêmio, os canis seguem quase vazios.

A sala do veterinário que virou depósito: na Lapa (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Em sete meses de operação, o abrigo Prates, no Bom Retiro, não recebeu nem um bicho sequer. O Santana, no bairro homônimo, completou seis meses de atividade e atendeu apenas cinco cachorros. O Lapa, na Vila Leopoldina, há quase um ano em funcionamento, hospedou recentemente sua primeira mascote, um pit bull. “Muitos moradores de rua desistem de permanecer aqui ao ver que os animais ficarão no canil, e não com eles no quarto coletivo”, afirma a gerente do albergue da Zona Oeste, Caroline Azevedo. “O vínculo é muito forte.”

Ali, com a falta de visitantes, o ambiente de banho e tosa acabou transformado em área de curativos para os conviventes. A sala do veterinário virou depósito para produtos de limpeza e higiene. A ideia inicial era que houvesse um médico voluntário em cada um desses endereços, o que não acontece. “Contratamos um estagiário de veterinária que ficou por três meses, mas desde que ele saiu não temos mais ninguém”, conta a gerente do Aricanduva, na Zona Leste, Maria da Silva.

CTA Família, no centro: cachorros têm sarna e ficam em canil montado em garagem sem divisão por baias, um deles se feriu numa briga (Foto Marcelo Justo) (Marcelo Justo/Veja SP)

O abrigo Santo Amaro, na Zona Sul, possui o maior canil dos nove, com 25 baias espalhadas por 240 metros quadrados. Em sete meses, acolheu dez cachorros. “Ainda não conseguimos atender gatos, mas vamos providenciar telas”, prevê o gerente do ponto, Ítalo Santos. Para o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, o que justifica essa baixa demanda é uma visão antiga. “Existe um estigma em relação aos abrigos. As pessoas ainda acham que eles são insalubres como eram no passado, e não vêm”, explica. “Estamos trabalhando no convencimento daqueles que realizam voluntariado na rua para levar suas ações para dentro desses espaços, a fim de estimular a ocupação.”

Do 1,4 milhão de reais repassados por mês a esses albergues, 2% são destinados aos peludos e gastos principalmente com comida. Os abrigos ficam responsáveis por comprar a ração, mas são os donos que devem alimentar os bichos, banhá-los e passear com eles. Segundo a prefeitura, redes como as pet shops Cobasi e Petz têm ajudado com doações de brinquedos e caminhas, além de prestar atendimentos gerais.

Albergue Santo Amaro: 25 baias com pouca demanda (Marcelo Justo/Veja SP)

Ainda de acordo com a municipalidade, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) vistoriam os espaços e oferecem vacinação e castração. Para o psicanalista da PUC-SP Jorge Broide, que atua há quarenta anos com a população de rua, é necessário capacitar as equipes para uma nova realidade.

“Não dá para simplesmente prender o cachorro ali; o convite para o acolhimento deve ser feito aos dois, com afeto”, diz. “Os animais foram humanizados pelos donos.” A moradora de rua Lucilene Ilda, 35, levou seu cão, Bob, ao Aricanduva e ficou preocupada com a separação. “Ele é da rua, maloqueiro igual a mim, não pode ficar preso”, disse, antes de aceitar permanecer no local.

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O centro de acolhimento Família, na Bela Vista, é o único que está com lotação completa, com treze cães. O espaço, montado em uma garagem, não recebe sol e cheira mal, além de ter bichos com sarna. O canil não é dividido em baias. Em uma briga recente, um dos cachorros teve uma orelha ferida. “Quando soltamos os quatro cães grandes no pátio, precisamos prender os pequenos”, explica o gerente Diego Pereira, que já registrou  duas mortes de pets por cinomose.

Sara, dona de quatro bichos: “Eles vivem comigo há catorze anos” (Marcelo Justo/Veja SP)

Boa parte das onze famílias que vivem ali, com sete crianças e quatro adolescentes, veio da Praça 14 Bis. Sara Martins, 48, mora lá faz quase um ano. Pela primeira vez, encontrou um ambiente que aceitasse suas quatro mascotes: Rex, Estrela, Spike e July. “Aqui, eles dão ração apenas uma vez por dia. Compro mais com meu dinheiro”, conta. “Esses cães vivem comigo há catorze anos. Já me salvaram de ser atacada por um pit bull que fugiu da coleira”, lembra ela, mostrando orgulhosa a carteira de vacinação de cada um deles, cuidados por um veterinário voluntário que ela conseguiu.

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