Menor município do estado, Borá teme junção com cidade maior

Os 837 moradores vivem dias de apreensão após projeto que prevê fim de cidades com menos de 5 000 habitantes e união com município maior

Por Mariana Rosario Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Rafaela Bonilla
Atualizado em 18 nov 2019, 10h43 - Publicado em 15 nov 2019, 06h00
Vista da cidade: casinhas aglomeradas em poucas ruas (Anadelson Pedro da Silva/Veja SP)
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A notícia de que o governo federal propôs a extinção de cidades com menos de 5 000 habitantes e arrecadação própria (tributos como IPTU e ISS) abaixo de 10% da receita total abalou a tranquilidade da pequena Borá, o menor município do estado. Os 837 moradores estimados pelo IBGE ficaram descontentes com a possibilidade de tornar-se parte de outra cidade, maior. A mais cotada é Paraguaçu Paulista (a 19 quilômetros), de onde Borá foi emancipada, em 1965. Os habitantes temem que a mudança traga a eles problemas de cidade grande, como falta de segurança, vias esburacadas, filas na saúde. O prefeito, Wilson Ferreira Costa (Republicanos), já sente o impacto da novidade: “Eles me param na rua perguntando que conversa é essa de a gente virar distrito”, comenta sobre a proposta que o governo pretende aprovar até meados de 2020. Além de administrar a cidade, que fica a 487 quilômetros da capital, Costa cuida de uma fazenda, onde trabalha com ordenha duas vezes ao dia. “São sessenta vacas, leva um tempo para fazer. Tem de lavar o curral, tratar delas. É bastante serviço, não é só ir ao mercado pegar caixinha de leite”, diverte-se.

Borá
A Igreja Matriz de Santo Antônio, instalada no centro da cidade (JJ Fotos/Divulgação)

Nas contas de Costa, ainda há salvação para Borá, uma vez que a arrecadação própria chega aos 12% dos 12 milhões de reais que compõem a receita anual, segundo ele. Ainda é um mistério, no entanto, quais serão as cidades que entrarão no corte. A Confederação Nacional de Municípios (CNM), por outro lado, afere que Borá arrecada cerca de 5% da receita e, portanto, correria o risco de sumir. De acordo com o mesmo estudo, outras 134 cidades paulistas deixariam de existir, 20% das 645 no estado. A organização também avalia que as regiões afetadas deixariam de receber transferências financeiras do governo federal, no chamado Fundo de Participação dos Municípios.

A medida polêmica faz parte de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O Ministério da Economia alega que a mudança teria o objetivo de enxugar gastos e estruturas administrativas. Caso seja aprovada, os municípios perdem a autonomia a partir de 2025.

Após a divulgação da intenção, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que nada seria feito sem antes consultar os moradores desses lugares.

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Se dependesse da publicitária Mariana Carvalho, de 23 anos, que trabalha como atendente em uma mercearia local, a medida estaria mais do que barrada. “Eu não gostei da ideia, e os jovens da minha idade também não”, conta. “Mesmo não havendo recursos para quem é da nossa faixa etária, o restante é muito bom.”

Borá
A entrada da menor cidade do estado (JJ fotos/Veja SP)

Moradores relatam ainda o medo de os índices baixos de violência ficarem no passado com a fusão com uma cidade maior. Nos últimos dezesseis anos, período em que há estatística, aconteceu um único homicídio no município. Roubos de carro e latrocínios não foram registrados. “Não tem roubo por aqui, o carro fica o dia todo na rua com a chave no contato. Se virar distrito, poderá chegar gente nova, desconhecida”, opina Danilo Pietro, de 31 anos, dono do Açougue Casa de Carnes Santo Antônio. O lugar é um dos escassos points noturnos da cidade, onde os boraenses se reúnem para jogar conversa fora e comer um churrasquinho. “Nos feriados, é tão tranquilo que você não vê nem passarinho na rua”, brinca a escrevente do único cartório, Kelly Garcia. “Tem um café que atrai sete ou oito pessoas no fim de semana”, comenta.

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Os serviços oferecidos pela Unidade Básica de Saúde, que conta com médicos especialistas e faz pequenas cirurgias, também são elogiados. “Mesmo sem Samu, a ambulância leva você até outra cidade a qualquer hora da madrugada”, explica o aposentado Celso Pelosi. Segundo o IBGE, em 2010 (último dado disponível), 99,5% das vias da cidade eram arborizadas, mas nem tudo são flores por lá. Em 2019, uma das principais fontes de emprego do lugar, a Usina Ibéria, encerrou parcialmente suas operações. A organização promete voltar a funcionar a todo o vapor no próximo ano e abriu vagas. Antes de parar parte das máquinas, chegou a atrasar salários, impactando a economia local. O transporte para as universidades em municípios próximos é feito por vans oferecidas pela gestão municipal ou por meio de caronas. Aplicativos como Uber e 99 ainda não deram as caras por lá, assim como internet na velocidade 4G. Também fica a cargo das cidades vizinhas o comércio que vai além dos alimentos e do material de construção. Para comprar um “look do dia”, por exemplo, é preciso ir até Paraguaçu, ou torcer para que uma das sacoleiras de Borá tire da manga um bom modelo.

Enquanto a situação do município fica indefinida, as lideranças políticas prometem se defender como podem. “Vamos acionar os deputados federais com quem temos contato”, afirma o presidente da Câmara local, Paulo Gusmão (PT), um dos nove vereadores da cidade. O mesmo assegura o prefeito, que, além de criticar a proposta, não esconde a decepção com Bolsonaro, em quem votou no segundo turno de 2018. “Eles deveriam diminuir o número de políticos, as cidades nem precisam de vice-prefeitos… Com todo o respeito ao nosso vice-prefeito.”

Borá em números

837 pessoas moram na cidade de Borá

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247 carros compõem toda a frota registrada no local

32 alunos estavam no ensino médio em 2018

4 nascimentos foram registrados no cartório neste ano

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1 agência bancária está instalada no município

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661.

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