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Balada dos homens antigos

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Antigamente os homens, certos homens, usavam espelhinho no bolso e sapatos de bico fino. Não sempre, mas em alguns momentos de sua vida, sucumbiram à tentação cafajeste de um terno de linho branco. O espelho, redondo, ficava no bolsinho de cima do paletó, na altura do coração.

Antigamente os homens, certos homens, usavam brilhantina perfumada no cabelo, de nomes elegantes como Royal Bryar, Glostora e Atkinsons. Partiam o cabelo ao meio, colado na cabeça, e fechavam as duas metades atrás, como asas de pombo. Partida ao meio era também a vida deles, amores castos até certa hora e amores gulosos até as tantas.

Antigamente os homens, certos meninos, usavam calças curtas como símbolo do seu despreparo para a vida, para os amores e o trabalho; eram chamados de frangotes e só podiam desfazer-se das calças curtas quando pêlos indiscretos brotassem em seu corpo. Não sempre, e nem todos, mas quando isso acontecia, eram tomados de vergonha, necessidade inadiável de raspar a penugem do rosto – não sem autorização paterna! – e orgulhar-se secretamente da outra.

Antigamente os homens, certos rapazes, não podiam participar da vida, só espreitá-la – e como espreitavam! Ô meninos, ô sobrados, ô românticos! E liam poesia para entender o que lhes ia n’alma – impossível outro diálogo que não com os poetas. Os pais nada sabiam de dúvidas e de suicídios, de cadáveres de jovens que, dizia-se, apareciam boiando nos rios.

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E acima de tudo, antigamente, os homens, certos rapazes, se consumiam de amor. Suavam nas mãos ante a iminência de um beijo, que não se realizava porque colocavam expectativas demais naquela hipótese, e tremiam como em perigo. Não sempre, mas em alguns momentos de sua vida, acreditaram que só uma mulher, só uma – ah!

(Os mais perdidamente românticos sonhavam tresnoitados que pelas cabeleiras delas subiriam para alcançar o topo de torres imaginadas, a fim de libertá-las de bruxos e monstros, casar-se com elas e serem os dois felizes para sempre…)

Certos jovens, o mais correto seria dizer namorados, certos namorados tinham balas no bolso para adoçar beijos – a bala de lá para cá nas matinês dos cinemas; tomavam sorvete a dois para gelar beijos; trocavam cartas nas quais colavam beijos; jogavam beijos para janelas entrefechadas onde adivinhavam corações entreabertos; inventavam sonhos para sonhar beijos.

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Antigamente os homens, certos moços, barbeavam-se, perfumavam-se, penteavam-se com brilhantina e iam para certas praças ou calçadas, onde formavam um corredor de olhares, pelo meio do qual desfilavam moças sem namorados, que iam, e voltavam, e iam, e voltavam, e ali eles consideravam o visível e o invisível delas com disfarçados olhares de fogo, alguns conquistavam seu telefone com a ajuda de feias amigas prestativas – pois elas não podiam sair do corredor de olhos, vigiadas de perto por um irmão ou alguma guardiã –, enquanto outros de pouca sorte voltavam para casa apaixonados, determinados a repetir tudo na semana seguinte, esperançosos de que a escolhida não tivesse elegido ninguém e voltasse ao excitante jogo de conquistas do footing.

Esses homens, certos homens, mandavam cartas sem o pudor de confessar ciúme ou juras; dançavam boleros com charme latino; nos bailes, puxavam do bolso um imaculado lenço branco para não suar nas mãos das damas amadas ou pretendidas; iam à missa aos domingos e ficavam do lado de fora da igreja, como se ficar lá dentro fosse coisa de mulheres e de seus maridos.

E muitas vezes, antigamente, os homens, certos homens, casavam-se por amor e continuavam apaixonados até o fim da vida, alguns pela mesma mulher.

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