O relojoeiro responsável por fazer funcionar doze relíquias
Augusto Fiorelli trabalha com relógios desde 1977 em São Paulo
Checar as horas em um relógio (e não no celular) virou um hábito démodé. No que depender de Augusto Cesar Sampaio Fiorelli, porém, esse costume jamais será extinto. Desde 1977, o paulistano de 58 anos, nascido no Ipiranga, é o responsável pela manutenção de doze torres com equipamentos analógicos por aqui. “Eles são uma tradição”, afirma Fiorelli. “Imagine seguir o rumo da modernidade e trocar o Big Ben por uma versão digital. Seria como perder uma referência”, continua, efusivo, sobre um dos pontos turísticos mais conhecidos de Londres, inaugurado em 1859.
Em terras paulistas, a relíquia mais antiga sob a sua responsabilidade fica em Paranapiacaba, a 64 quilômetros do centro de São Paulo. A estrutura foi erguida em 1898 com tecnologia da marca inglesa Johnny Walker Benson, e precisa ser visitada a cada oito dias para que seja garantido seu bom funcionamento.
O xodó de Fiorelli, porém, fica junto ao prédio do Museu da Língua Portuguesa. O relojoeiro cuidou pela primeira vez do maquinário do complexo da Estação da Luz, datado dos anos 50, quando tinha 17 anos. Ele queria descolar uns trocados e ficar perto do avô, de quem herdou o primeiro nome e o ofício.
Eles trabalharam e subiram juntos os 145 degraus da torre até 2008, quando o Augusto ancião faleceu. Sozinho, Fiorelli continuou a tarefa até 2015, ano em que foi novamente surpreendido, desta vez pelo incêndio de grandes proporções no museu. “Estava no terminal da Barra Funda quando a minha mulher me ligou para dar a notícia, e eu fui direto para casa, na Freguesia do Ó, acompanhar as imagens pela TV”, lembra. Por sorte, o relógio escapou das labaredas.
Em 13 de julho de 2017, ele foi desativado para a primeira etapa de restauração do edifício. No fim do mesmo ano, quando o governador Geraldo Alckmin esteve no local para oficializar a conclusão dessa fase, o aparelho voltou à ativa. A reinauguração do museu, no entanto, está prometida para 2019, com possibilidade de atraso.
Por insistência dos pais, Fiorelli chegou a ir para a faculdade e se formou em economia, pela Faap, mas nunca quis trocar os ponteiros pela carreira do diploma. Contratado desde 2004 da empresa MRS, detentora da concessão da malha ferroviária de São Paulo, vai uma vez por semana à Luz. Ele sobe num fôlego só as escadas — o trajeto dura dez minutos.
Lá em cima, fica pelo menos meia hora azeitando a estrutura. Primeiro, dá corda numa manivela 150 vezes. O deslocamento faz com que dois pesos, de aproximadamente 80 e 140 quilos, sejam suspensos e garantam o funcionamento perfeito até a próxima visita. No momento da
limpeza, ele usa uma escova similar à de engraxate para tirar a poeira antes de aplicar o lubrificante nas engrenagens. Para ajustar a hora, até checa o celular, mas confia mesmo é no acessório de pulso, da marca Seiko. “O que ninguém conta é que os aparelhos mecânicos de bolso podem funcionar até 150 anos.
Não tem pilha nem digital que dure isso aí.” Seguindo a tradição dos guardiões das horas, minutos e segundos, Fiorelli não pretende parar tão cedo. Antecessor da família no cargo, Júlio Müller só deixou o posto perto dos 90 anos. “Tenho orgulho do meu trabalho. Ao regularem o tempo, os relógios se relacionam com a vida”, filosofa. Entre os seus sonhos está voltar a ver tinindo o exemplar no alto da Paróquia Santuário Sagrado Coração de Jesus, em Campos Elíseos, fora de funcionamento desde o segundo semestre de 2017. “Fiz manutenção ali de 1982 a 2008, e isso cria um elo importante.”
Tique-taque congelado
Conheça três equipamentos históricos que estão fora de funcionamento
Edifício Salvador Pastore: instalado na Alameda Itu, nos Jardins, o relógio está desligado desde os anos 1970
Mirante do Jaguaré: o maquinário parou em 1968, e uma das faces marca o horário de 1h05.
Santuário Sagrado Coração de Jesus: depois da parada, em 2017, o aparelho entrou em reforma e voltará à ativa em 2018.