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Artigo: Sem partido, na contramão

Hubert Alqueres, presidente do Conselho Estadual de Educação, aborda o desafio de superar problemas do Escola sem Partido

Por Hubert Alqueres
Atualizado em 23 nov 2018, 06h00 - Publicado em 23 nov 2018, 06h00

“A educação precisa não só almejar a preparação dos jovens para o mundo do trabalho, mas também fornecer aos alunos as habilidades necessárias para tornarem-se cidadãos ativos, responsáveis e engajados.”

Calma, defensores do projeto Escola sem Partido. A citação não vem de alguma Internacional Comunista. É parte do plano estrutural da aprendizagem 2030 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na era da quarta revolução industrial, em que teremos de formar os jovens para profissões e uso de tecnologias hoje inexistentes, a educação está em pauta em todo o planeta.

Líderes mundiais e organismos internacionais buscam respostas sobre como deve ser a educação em um mundo onde as transformações ocorrem numa escala e numa velocidade sem precedentes. Nesse universo volátil, incerto, complexo e ambíguo — para usar a expressão da OCDE —, é vital definir quais conhecimentos, habilidades, valores e atitudes são fundamentais para que os jovens prosperem.

A imprescindível missão do professor não é mais a mesma das primeiras revoluções industriais. Ele já não é o detentor do monopólio do conhecimento a ser transmitido, assim como a memorização não é mais o fator decisivo para o futuro dos jovens. Hoje o professor deve ser gestor da aprendizagem e o aluno tem de estar no centro desse processo, como protagonista. E a escola tem de ser, por excelência, um espaço de convivência democrática, de estímulo e debate de ideias.

Ser contemporâneo é fornecer uma educação sustentável, que invista no protagonismo do estudante, em sua capacidade de se relacionar com empatia e argumentar com boas referências culturais. É combinar o forte conteúdo disciplinar com habilidades socioemocionais que farão a diferença para o jovem moldar seu mundo. Mais matemática, mais português, mais ciências, isso é importantíssimo, como reclamam o presidente eleito, Jair Bolsonaro, e o governador eleito de São Paulo, João Doria. Mas insuficiente se não dotarmos o aluno de resiliência, autonomia, senso de responsabilidade, curiosidade, autorregulação, liderança por influência, pensamento crítico, imaginação, espírito cooperativo. Existem técnicas e dinâmicas pedagógicas para atingir esses objetivos.

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O Escola sem Partido não responde a essas necessidades e se posiciona contra muitas dessas dinâmicas. Vai inteiramente na contramão das mudanças já implementadas nos países mais bem ranqueados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e pode nos remeter aos tempos da decoreba da tabuada, da palmatória — só que agora com sinal trocado, pois o castigado será o professor. O risco é o aprofundamento do fosso entre a educação brasileira e a dos países desenvolvidos.

É impossível dotar os alunos das habilidades não cognitivas em um clima de caça às bruxas. A educação que não respira liberdade não cumpre sua missão. O professor não desempenhará bem sua nova missão de gestor da aprendizagem se pairar sobre sua cabeça uma espada de Dâmocles. Podemos tomar como exemplo a instituição à qual pertenço, o Colégio Bandeirantes, uma escola tradicional que se reinventou. Na década de 80, ele trouxe para as salas de aula temas tabus, como drogas e gravidez precoce. Nos últimos dez anos, de forma pioneira, tem feito campanha anual de vacinação de pré-adolescentes contra o vírus HPV com pais e alunos.

É impossível praticar uma ação de prevenção dessa natureza sem falar de doenças sexual mente transmissíveis. Como cumprir esse papel sob a tutela do Escola sem Partido? Isso não seria interpretado como permissividade na questão sexual?

Não se pode, contudo, desconhecer que o Escola sem Partido foi uma reação a uma deformação incrustada em parte do sistema educacional. Na área de humanidades do ensino superior, em especial em muitos cursos de licenciatura que são responsáveis por formar os quadros da educação, o pluralismo deu lugar ao maniqueísmo a partir de uma visão rasa do marxismo, substituindo a ciência por uma visão ideológica, para não dizer religiosa, da realidade. Essa visão se reproduz na sala de aula por parte de alguns professores que atuam como militantes políticos, e também em alguns materiais, como livros didáticos, numa corrente que dissemina um único pensamento.

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Livrar-se desse dogma é essencial para a educação se colocar à altura das exigências do século XXI. A solução não é substituí-lo por outro dogma, tão fundamentalista quanto.

(Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

Hubert Alqueres é presidente do Conselho Estadual de Educação, professor do Colégio Bandeirantes e ex-docente da Escola Politécnica da USP

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