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Artigo: O coronavírus e os impactos na indústria teatral da cidade

“Acredito num consenso humano sobre a necessidade de medidas eficazes", defende a produtora Célia Forte, que está com cinco espetáculos suspensos

Por Célia Forte
Atualizado em 31 mar 2020, 10h45 - Publicado em 26 mar 2020, 15h23

Quando me perguntam “e agora, como vocês vão fazer com o teatro, como o teatro vai sobreviver?”, eu respondo: “a questão é humana, e não econômica”. Na verdade, a pergunta a ser feita é: “Como farão para sobreviver?”. A meu ver, com união, calma, parcimônia, consciência e, sobretudo, humanidade. Nunca fez tanto sentido a máxima “Ninguém solta a mão de ninguém”. E é isso que estamos fazendo, mesmo que virtualmente. toda a sociedade — emprego e empregador, eu e você — está preocupada em sobreviver e proteger os vulneráveis. Primeiro a vida, depois o resto.

Mas falemos de teatro: o profissional das artes cênicas, em geral, já sobrevive nas adversidades. Nunca foi exatamente fácil. O que muda agora é que a dor e a preocupação dizem respeito a cada ser humano. Essa pandemia não veio dos porões, nem dos palácios. Alastrou-se sem ver rosto, credo, cor, raça. No caso do teatro paulistano, estamos falando de um universo que envolve, mais ou menos, 240 espetáculos por mês, espalhados pelos mais de oitenta espaços culturais. É um número imenso de profissionais que ficariam, a princípio, sem rendimentos, uma vez que vivem do público — e todo ele, no momento, está confinado, assim como nós. E ainda devemos contabilizar os profissionais indiretos como bilheteiros, pipoqueiros, motoristas de aplicativos que se acumulam na saída dos grandes teatros, jornalistas que não terão notícias para dar, restaurantes… o teatro, vejam bem, envolve uma cadeia produtiva que vai muito além da sala de espetáculo. O maior desafio da área agora é: o que fazer com as famílias que dependem de as peças estarem em cartaz para receber seus proventos?

Elias Andreato: no monólogo Arap (Jady Forte/Divulgação)

Indo do macro para o micro, a minha produtora estava com três peças em cartaz, uma em processo de ensaio e outra excursionando. Aqui na capital, tínhamos a comédia Amigas, Pero No Mucho, no teatro Prevent Senior, o monólogo Arap, no teatro Eva Herz, e o drama Sede, no Tucarena. O monólogo Como Ter uma Vida Quase Normal tinha agenda em São José dos Campos e em Vitória da Conquista, na Bahia. Enquanto isso, corriam os ensaios da comédia musical Assassinato para Dois, que estrearia no começo de abril, às segundas e terças no teatro Faap. Só nessas cinco produções, diretamente, são 41 profissionais contratados. Se somar a equipe de base da Morente Forte, totalizamos cinquenta pessoas. Imagina o nosso baque, imagina o baque de todos os colegas produtores de musicais ou dos produtores que se cotizam para produzir uma peça, os cooperativados…

O nosso problema não é o mês de março, pois, com bom senso, todo mundo será remunerado. A questão — e é isso que buscamos junto às secretarias de Cultura das três esferas governamentais — é como pagaremos as equipes nos meses subsequentes. Como toda essa indústria cultural vai voltar a funcionar e ajudar a economia da cidade no médio e longo prazos?

Organizados em grupos de WhatsApp, estamos acompanhando tudo, trocando ideias e nos preparando para o período de suspensão, que pode ir até o fim de abril, na previsão mais otimista. É preocupante, mas acredito num consenso humano sobre a necessidade de medidas eficazes, a exemplo da suspensão de cobrança de impostos e da liberação de parte dos aportes de peças incentivadas, considerando as sessões que foram canceladas por motivo de calamidade pública. Junto a outros produtores, também proponho a criação de editais de fomento, o lançamento de linha de crédito facilitada para os produtores e, ainda, que o governo possa considerar os profissionais que possuem MEI como desempregados, concedendo-lhes o seguro-desemprego. Medidas, aliás, que podem ser a salvação de muitas outras áreas da economia!

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Cena da comédia “Amigas, Pero no Mucho” (João Caldas/Divulgação)

Até aqui, município e estado mostram-se solidários, acenando que estão em busca de soluções para dar suporte ao teatro neste momento crítico. Na esfera estadual, foi anunciado um projeto para a liberação de crédito de 275 milhões de reais, válidos também para o turismo e o comércio em geral, com taxa de 1,2%, carência de doze meses e pagamento em até sessenta meses. Esse tipo de notícia acalma o setor, mostrando que existem caminhos possíveis para que os milhares de profissionais da cultura continuem a produzir. Estamos à espera também de medidas efetivas em escala federal, a começar pela nova instrução normativa para produtores que fazem uso das leis de incentivo e para os que não fazem uso delas e cuja receita vem somente da venda de ingressos.

Agora, o mais importante, o fundamental, de fato, é a preservação da vida. Todos seremos afetados — e muitos melhorados diante da inacreditável situação. É como se estivéssemos numa imensa plateia, assistindo a uma peça de teatro, refletindo, reagindo, atentos à trama surreal, baseada em fatos absolutamente reais. Espero que, ao final, os aplausos sejam intensos aos que se importam com o ser humano, aos que ajudaram o próximo com suas profissões e aos que acataram o pedido suplicante de recolhimento. O TEATRO permanece em suspensão, assim como tudo. E, assim como tudo, voltaremos ao cartaz tão logo vençamos essa pandemia.

Célia Forte é sócia da Morente Forte Comunicações, empresa paulistana que atua na produção e divulgação de peças teatrais desde 1985. Ela é também autora da comédia Amigas, Pero No Mucho.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1 de abril de 2020, edição nº 2680.

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