“A sustentabilidade é uma agenda da humanidade”, diz criador da Virada Sustentável
Com desafio de “traduzir” temas como aquecimento global e questões de gênero, André Palhano dirige maior edição da Virada Sustentável em São Paulo
De 16 a 24 de setembro, a 13ª Vira da Sustentável movimenta São Paulo com mais de 800 atrações espalhadas pela capital, incluindo regiões periféricas, que ganharam foco especial nas últimas edições. Além de unidades do Sesc e dos CEUs, pontos turísticos da cidade recebem shows, projeções e atividades que abordam vários aspectos da sustentabilidade — temas muito além de questões ambientais, como defende o fundador André Palhano, 47, na entrevista a seguir (confira a programação em viradasustentavel.org.br).
Como nasceu o projeto da Virada?
Surgiu da necessidade de apresentar a sustentabilidade de forma mais atraente. Víamos muito aquele discurso do “faça sua parte, seja isso, seja aquilo”. Queríamos um festival com conteúdos artísticos que gerassem reflexão e que mostrem essa diversidade de temas porque sustentabilidade envolve desigualdade social, erradicação da pobreza, questões de gênero e outras causas que normalmente não são relacionadas a esse campo. Muitos pensam que só se trata de questões ambientais.
Em entrevista à Vejinha durante a pandemia, você disse que a proposta “nunca foi ter uma virada ambiental feita para abraçar árvores”. Esse estereótipo persiste?
Sim, ainda. Até sugiro um exercício: joga “sustentabilidade” no Google Imagens e veja como sua tela vai ficar toda verdinha. Lógico que as causas ambientais são o fundamento dessa ciência, mas está na hora de ampliar a visão e entender que tudo está interligado. Cada vez mais pessoas estão entendendo que se trata de uma agenda da humanidade.
Quais são os temas deste ano?
A Virada acaba sendo sempre um reflexo dos temas mais em alta na sociedade, então temos visto bastante demanda sobre questões indígenas e mudanças climáticas.
Quais são as causas mais difíceis de traduzir ao público geral?
As mudanças climáticas são um tema que só tem se tornado mais fácil por conta de tudo o que estamos vivendo. Dez anos atrás falavam “imagina, só fez um pouco mais de frio ou calor nesse ano”. É complexo porque não é algo sempre tangível, assim como a Amazônia. Nem sempre conseguem entender a relação das chuvas em São Paulo com a preservação das florestas. Temas invisíveis à população são difíceis de explicar e temos a missão de tornar essas discussões mais palatáveis.
Existe um movimento negacionista que questiona a existência do aquecimento global. Vocês ainda são confrontados por esses grupos?
No começo éramos sim e ainda bem que existe uma coisa chamada ciência. Negacionistas do meio científico hoje são uma minoria cada vez menos ouvida e respeitada.
A programação em São Paulo terá quase 900 atrações. É um recorde?
Acho que sim. É o primeiro ano em que conseguimos voltar ao normal após a pandemia.
O que vocês aprenderam com a edição pós-pandemia e o que mudou?
O maior aprendizado, que talvez nos diferencie dos outros festivais, é saber manter essa ocupação visual com muitas instalações, grafites e coisas no metrô, que impactam vários públicos de diferentes maneiras.
Qual foi o critério para a escolha dos locais e da programação deste ano?
A Virada, desde o segundo ano, teve essa preocupação de estar em todos os territórios da cidade, algo que conquistamos com parcerias, coletivos e com a Secretaria da Educação, por exemplo. Parte disso vem da nossa curadoria e da chamada pública, com artistas, oficineiros e grupos se inscrevendo.
De onde vêm os recursos para realizar o evento?
De patrocinadores e das leis de incentivo. O projeto total custa em torno de 4,5 a 5 milhões de reais e estamos entregando sem dúvidas um evento de 12 milhões, porque a Virada não é um evento de um único local, com meta de lucratividade.
Quais são os destaques desta edição?
Tem a obra Palavras que Salvam, pintura feita por Eduardo Srur às margens do Rio Tietê. É uma intervenção (com 250 metros de extensão) que começa no dia 22 (de setembro) e deve durar quatro ou cinco meses. Também confirmamos apresentação d’A Espetacular Charanga do França (23/9) e o show de encerramento com Adriana Calcanhotto e a orquestra Mundana Refugi (24/9), ambos no Parque Villa-Lobos. E faremos um piquenique com música (17/9) no Parque Augusta — antes fazíamos na própria rua, junto com os movimentos que queriam transformar aquele espaço num parque. E para a campanha deste ano pedimos para organizações mandarem suas “manchetes dos sonhos” para 2030.
E qual é a sua manchete dos sonhos?
Acho que a manchete “Brasil vira referência civilizatória para o mundo em desenvolvimento sustentável”. Seria incrível nosso país ser referência global de desenvolvimento mais equilibrado e justo para todo o mundo.
Questões como essa ainda são abordadas superficialmente na política?
Elas são cada vez mais debatidas e presentes, às vezes de maneira equivocada, às vezes acertada. Mas só vamos ter mudanças quando a população entender que não estamos só falando de preservar uma floresta distante ou reciclar o lixo, mas de como podemos aplicar a ciência e o conhecimento para todos terem uma vida melhor.
Ainda é comum as marcas explorarem esses assuntos de forma meramente comercial?
Muitas delas fazem peças publicitárias maravilhosas, mas você vai conhecer as ações e vê que não têm nada a ver com isso. É o que chamam de greenwashing, mas tem mudado bastante. Como toda mudança de paradigma, essa também tem os tropeços entre quem está no comando da empresa e quem não está. Mas o setor privado é fundamental para o avanço dessa agenda porque tem um radar de longo prazo, olhando vinte anos à frente. Nós olhamos muito pouco e os gestores públicos menos ainda.
É possível ser sustentável vivendo em São Paulo?
Ninguém é 100% sustentável e isso é algo que prejudica: “Ah, só posso usar tecido reciclável, não posso comer carne”. Essa visão de que só tem restrições é um equívoco que devemos mudar. O que precisa ter é consciência. Às vezes você pode tomar banho de uma hora no chuveiro, mas não vai fazer isso no meio de uma crise hídrica, nem todo dia.
E de que maneiras você aplica esse conceito na sua rotina pessoal?
Sou um consumidor consciente. Compostagem é uma coisa que as pessoas precisavam descobrir, todo mundo acha que é a terra com minhocas, que vai atrair bichos, mas não. As composteiras hoje em dia são modernas e rendem adubo para quem tiver uma hortinha. Eu tenho a minha, mesmo em apartamento, e procuro usar o transporte compartilhado sempre que isso for uma opção saudável, segura e prática.
Publicado em VEJA São Paulo de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859