Singapura: uma cidade que anda na linha
Com obsessão por planejamento, excesso de leis e multas rigorosas, metrópole é hoje uma das mais limpas, organizadas e seguras do mundo
![Singapura 2224 - maquete](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/11/6483_img-5062.jpeg?quality=70&strip=info&w=1200&h=720&crop=1)
“Todos os dias, cerca de 200.000 pessoas vão morar em cidades. Toda semana, brota uma nova cidade do tamanho de Kyoto ou Barcelona. Em 2050, 70% da população mundial viverá em cidades, em comparação com os 50% de hoje. O desafio das cidades será garantir aos seus 6,4 bilhões de habitantes acesso a energia, água, transporte, emprego e habitação de qualidade.” O texto acima, estampado com destaque em uma das entradas do Ministério do Desenvolvimento de Singapura, reflete a preocupação dos governantes dali com o futuro. A cidade-estado no Sudeste Asiático que ganhou fama pela sua limpeza é obcecada por planejamento urbano. Ali uma maquete gigante ladeada por alguns computadores mostra cada uma de suas atuais construções e as que virão em dois, três, cinco, dez, vinte anos. Isso mesmo, vinte anos. De chorar, se essa realidade for comparada à paulistana, cujas diretrizes do Plano Diretor, em vigor desde 2002, ainda não foram efetivamente implantadas.
O.k. É preciso ponderar que estamos falando de uma ilha com 700 quilômetros quadrados, menos da metade da área do município de São Paulo, com 5 milhões de habitantes (a proporção é de um estrangeiro para cada quatro singapuranos nativos), e cheia de restrições a seus moradores, que pagam caro (não só no sentido literal) caso descumpram suas leis. Não se trata também de uma democracia. Há censura e, sem falar da pena de morte, a punição para determinados delitos (como a pichação) inclui chibatadas. Mas o fato é que a cidade funciona com uma perfeição quase irreal. Vamos a alguns exemplos.
![Singapura 2224 - habitação popular](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/img-5122.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Quem vive em Singapura não tem a menor ideia do que é mofar em um congestionamento. A frota da cidade é de cerca de 900.000 veículos, incluindo aí caminhões e motos. Comprar um carro custa caro, e mantê-lo, mais ainda. A vida útil do automóvel é de dez anos — depois disso, ele é descartado. Os táxis, que por natureza rodam mais, são expulsos ainda mais cedo das ruas: após sete anos. À medida que os carros “velhos” vão saindo de circulação, o governo libera licenças para autorizar novas compras. Cada licença custa cerca de 20.000 reais (esse valor varia de acordo com a demanda). Com isso, a ideia é que a frota não ultrapasse o número atual. O desestímulo não para por aí. Há 25 pedágios eletrônicos espalhados só na região central — na cidade toda são 73. Cada vez que o motorista passa sob um deles e ouve um agudo “pipi” do chip instalado no parabrisa, sabe que lá se foram entre 65 centavos e 2,60 reais, dependendo do lugar e do horário.
![Singapura 2224 - estação de metrô](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/montagem-pg29.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Em contrapartida, Singapura é extremamente bem servida de transporte coletivo. São 3.300 ônibus (97% com arcondicionado) e 129,7 quilômetros de metrô. Criado em 1987, ele tem 87 estações espalhadas por quatro linhas. Um trem não demora mais que três minutos para chegar. Para incentivar a reciclagem do bilhete unitário, uma espécie de cartão de crédito, o usuário paga cerca de 3 reais pela passagem e depois tem 1,30 real devolvido caso o retorne à máquina. Acima dessas máquinas, aliás, ficam placas lembrando que quase tudo é proibido ali: fumar, comer, beber, levar animais e portar líquidos inflamáveis, sob pena de multas que variam de 650 a 6.500 reais. Também é proibido mascar chiclete. As gomas de mascar foram banidas do país em 1992, quando jovens começaram a grudálas nas portas dos trens, o que impedia que elas se fechassem corretamente, causando atrasos e interrupções no transporte público. E uma restrição curiosa: por causa do cheiro forte, os usuários também não podem carregar no metrô uma fruta nativa chamada durião, que lembra, só na aparência, a jaca.
![Singapura 2224 - Aeroporto Changi](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/img-5509.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Se flagrado jogando sujeira no chão por um dos fiscais que ficam à paisana nas estações, o porcalhão tem duas chances de pagar por isso (na primeira vez, 260 reais, e na segunda, o dobro desse valor). Na terceira, multa de 1.300 reais e constrangimento social. O contraventor é obrigado a colocar um colete com a frase “Ordem de trabalho corretivo” estampada nas costas e, como castigo, tem de varrer o chão. Não raro, quando isso acontece, o cidadão é filmado pelas autoridades e a cena passa em rede nacional. A limpeza em Singapura é tamanha que possibilita ver o reflexo das pessoas no piso dos vagões e das plataformas. Esse ambiente quase hospitalar se repete nos shoppings, nos espaços públicos e no aeroporto. Ele, o Aeroporto Changi.
![Singapura 2224 - estacionamento](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/img-5228.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Bom, mais um nocaute se olharmos para o nosso umbigo. Inaugurado em 1981, o aeroporto recebe anualmente cerca de 40 milhões de passageiros, tendo capacidade para lidar com 70 milhões. Para efeito de comparação, em 2010 26 milhões de viajantes passaram por Cumbica — que comporta 20 milhões. Felizmente, na última semana foi aprovado o plano de construção do seu tão aguardado terceiro terminal. Por seu conforto e serviços, Changi foi eleito em 2010 o melhor aeroporto do mundo pela consultoria britânica Skytrax, responsável pelo ranking oficial da categoria. Enfeitados com palmeiras e jardins incríveis, os três terminais dispõem de dezenas de computadores com acesso gratuito à internet. Para passageiros com filhos pequenos, há um playground e TV com programação infantil. Ninguém precisa disputar poltronas. Elas estão espalhadas aos montes: as normaizinhas, as tipo espreguiçadeira e as com massageador para os pés. Há 290 lojas e 130 restaurantes. E vamos ao que interessa: o tempo médio que se gasta com a imigração. No máximo, quinze minutos.
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Ao sair dali, parte dos 26.000 táxis — aqueles que, tadinhos, têm vida útil de sete anos — estará a postos. Embora tenham cores diferentes (vermelho, amarelo, azul e branco), não há distinção entre eles. Cobram a mesma tarifa e circulam pela cidade toda. Apesar de os veículos serem novos e não haver congestionamento em Singapura, os motoristas não podem pisar fundo. A velocidade máxima permitida é de 50 quilômetros por hora nas ruas e 90 quilômetros nas avenidas e estradas. Radares eletrônicos dão conta de multar os infratores. Um dos objetivos do estabelecimento da velocidade baixa é preservar a vida do pedestre, que também tem suas obrigações a cumprir. Atravessar em lugar errado dá multa que pode chegar a 1.300 reais. Sim, é uma facada no bolso. Mas, de maneira geral, os moradores de Singapura (77% descendentes de chineses, 13% de malaios, 7% de indianos e 3% de outras etnias) já parecem ter incorporado esses hábitos e acreditam que é o preço para desfrutar qualidade de vida no seu dia a dia.
A cidade é segura, apesar de praticamente não haver policiais circulando (o efetivo é de 38.587 homens, o equivalente a pouco menos da metade das 90.000 câmeras instaladas). Dá cadeia andar com qualquer tipo de arma. E, para quem é pego com mais de 15 gramas de droga, pena de morte. No ano passado inteiro, foi registrado apenas um homicídio. Os moradores, que são incentivados a delatar quem anda fora da linha, também fazem as vezes de autoridade. Cerca de 85% deles vivem em condomínios públicos. São edifícios enormes, com apartamentos de, em média, 90 metros quadrados. O governo subsidia 80% do valor do imóvel. Aqui vale um parêntese que tem a ver com o quesito limpeza (como a maioria mora em prédios públicos e lá só são permitidos cães de pequeno porte, quase não se veem animais nas ruas de Singapura).
![Singapura 2224 - Bancos](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/img-4915.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Dona do quinto PIB per capita do mundo, Singapura tem uma economia que se alimenta das transações financeiras (são 150 bancos), do turismo (as lojas de grife são uma atração à parte) e da indústria de alta tecnologia — é um dos maiores produtores mundiais, por exemplo, de discos rígidos para computador. O governo atua com eficiência em sua política para transformar o país num dos locais mais sedutores do planeta para fazer negócios. Quem deseja colocar dinheiro ali encontra uma das menores cargas tributárias da Ásia (14% sobre o PIB, menos da metade da taxa brasileira) e não depara com nenhum tipo de barreira burocrática. Antiga vila de pescadores, a ilha foi colônia britânica de 1819 a 1959 (daí a direção dos veículos do lado direito e o inglês ser um dos quatro idiomas oficiais — há ainda o mandarim, o malaio e o tâmil). Sob a presença inglesa, Singapura desenvolveu uma vocação comercial, atraindo imigrantes a seu porto livre de impostos. Em 1963, uniu-se à federação da Malásia, da qual se separou dois anos depois para se transformar em estado independente. Àquela época, convivia com corrupção e com uma série de problemas sociais.
![Singapura 2224 - rio](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/12/img-4980.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Embora hoje esse chamado Tigre Asiático tenha alto nível de vida, seu sistema político é um dos mais fechados da Ásia. Desde 2004 é comandado pelo primeiro-ministro Lee Hsien Loong, o governante mais bem pago do mundo, segundo a revista “The Economist”. Além da forte presença no mercado financeiro internacional e dos excelentes índices educacionais, o país passou por grandes transformações. Uma delas pode ser vista ao longo do Rio Singapura, onde se enfileiram dezenas de bares e restaurantes. Antes uma região degradada, agora é possível passear ali em pequenos barcos por suas águas despoluídas após dez anos de pesados investimentos. Apesar das diferentes características geográficas do Tietê e do Pinheiros, é impossível olhar aquele lugar recuperado, cheio de vida, e não sonhar com destino semelhante para os nossos famigerados rios. Por que não? Essa pergunta parece nortear a moderna e moralista Singapura, a cidade cujo lema é, não por acaso: “Majulah”. Ou seja, avante!
Fontes: Infraero, IBGE, Secretaria das Subprefeituras, Detran, Metrô, Abrasce, SPTrans*Veículos emplacados
**Projeção para 2011