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Por Raul Juste Lores
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura
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Reconstrução do teatro da Cultura Artística trava na burocracia

A venda de potencial construtivo, o instrumento público que poderia gerar mais da metade dos 35 milhões que faltam para finalizar a obra, está emperrada

Por Raul Juste Lores Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
5 fev 2021, 02h00

Depois de treze anos do incêndio que destruiu a sede projetada por Rino Levi, finalmente a reconstrução do teatro da Cultura Artística começa a ganhar uma (bela) cara. O mural de Di Cavalcanti, salvo a tempo pelos bombeiros, em 2008, foi restaurado e continua como o emblema da fachada curva que contorna a Rua Nestor Pestana.

Foto fronto do prédio da Cultura Artística, com o desenho do painel de Di Cavalcanti
Painel “Alegorias das Artes”, de Di Cavalcanti, no Teatro Cultura Artística. (Antonio Milena/Divulgação)

O novo prédio foi projetado por Paulo Bruna, único arquiteto remanescente do escritório de Levi, responsável pela última grande reforma, em 1977. O volume da construção é praticamente o mesmo da desaparecida, mas há diversas mudanças internas: a sala principal terá 750 lugares (antes, tinha 1 100) e um auditório flexível com 200. Um janelão de quatro andares se abre para a Praça Roosevelt, no terreno onde ficava até 2012 a demolida boate Kilt. O palco principal ganhou mais profundidade, as saídas de emergência atualizadas e novas salas para ensaios e eventos corporativos foram incluídas.

Enquanto não fica pronto, a Cultura Artística continua ocupando a Sala São Paulo, com nomes quentes do circuito erudito na agenda, como o contratenor polonês Jakub Józef Orlinski (em agosto) e os pianistas Maria João Pires e Nelson Freire no fim do ano. É uma volta aos inícios da CA, quando seus recitais e saraus se realizavam no Theatro Municipal, aberto um ano antes da associação, formada em 1912. Seu primeiro diretor foi o jornalista Nestor Pestana, redator-chefe de O Estado de S. Paulo. A ligação com o centenário jornal continuou com Esther Mesquita, herdeira do Estadão, que presidiu a CA por trinta anos e foi a responsável pela construção do teatro na rua que homenageia o fundador. A inauguração, em 1950, contou com concertos de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, regendo suas próprias obras, em duas noites seguidas, porque o número de associados era o dobro do que a sala comportava.

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Duas imagens internar do teatro do Cultura Artística
Construção original não era tombada, mas tombamento pós-incêndio permite venda de potencial, paralisada pela burocracia (Raul Juste Lores/Veja SP)
Espaço interno do prédio do Cultura Artística. Ambiente vazio, apenas com pilastras de sustentação.
Burocracia: venda travada na justiça (Raul Juste Lores/Veja SP)

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Esther e o irmão Alfredo eram raros herdeiros paulistanos. Alfredo fundou a Escola de Arte Dramática (hoje na USP), criou um grupo de teatro experimental, uma revista e uma livraria. Juntos, contrataram o arquiteto Vilanova Artigas quando decidiram construir o Edifício Louveira, na Praça Vilaboim. Esther, amiga de Rino Levi, ainda organizou um concurso para a escolha do painel na fachada, entre Burle Marx (o preferido de Rino Levi), Jacob Ruchti e Di Cavalcanti, o escolhido pelo conselho.

Depois do incêndio, acreditava-se que a reconstrução seria rápida. A Roosevelt estava em reforma e o boom econômico pré-Copa fez a organização prometer a reabertura para 2012, celebrando o centenário da instituição. Mas, nove anos depois da data prometida, ainda faltam 35 milhões de reais para a conclusão da obra, quase um terço do total (110 milhões, em valores atualizados, ou menos que um ano de orçamento do Theatro Municipal de São Paulo). Dos 75 milhões já arrecadados, 80% foram doações privadas via Lei de Incentivo à Cultura (a conhecida Lei Rouanet).

Sem ser uma arena esportiva, um haras, um condomínio fechado ou uma marina em Angra, a arrecadação foi bem mais lenta que o previsto. O que significa status para as elites mudou.

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Um instrumento público que poderia gerar mais da metade dos recursos que faltam está acumulando poeira na burocracia brasileira. A chamada venda de potencial construtivo é muito usada mundo afora quando o poder público restringe a edificação em um terreno. Como contrapartida, o dono desse imóvel pode vender os muitos metros quadrados que deixará de construir para alguém edificar em outro lugar. Algo parecido com o que aconteceu com o futuro (e enrolado) Parque Augusta.

Janelas do prédio do Cultura Artística
Foyer de vidro e as pastilhas originais: Rino Levi colocou cores mais vivas de acordo com a proximidade do palco (Raul Juste Lores/Veja SP)
Canteiro de obras dentro do prédio do Cultura Artística. Na imagem à direita superior, uma pastilha da edificação. Na imagem à direita inferior, a lista com nomes dos doadores da primeira sede.
As obras por dentro, pastilhas originais, e a lista de doadores da primeira sede: mudança das elites (Raul Juste Lores/Veja SP)

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Por exemplo, se o zoneamento permite quatro vezes de área construída em relação a um terreno de 1 000 metros quadrados, a propriedade “vale” 4 000 metros quadrados. Se o proprietário está impedido de erguer outros 3 000 em um terreno tombado, pode transferi-los.

O teatro da Cultura Artística fica dentro do perímetro da Operação Urbana Centro, aprovada em 1997, que permitia a alienação de área não usada para outras construções; em 2002, foi estabelecida uma zona especial de preservação cultural na região. Tanto o atual Plano Diretor, de 2014, quanto uma norma aprovada em 2016 estabelecem como proceder para conseguir essa venda. Em 2018, a Cultura Artística conseguiu a declaração de potencial construtivo de 20 000 metros quadrados e um termo de compromisso, avaliando a venda dele em 19,5 milhões.

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Só que, paralelamente a essas constantes mudanças de leis, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação de inconstitucionalidade a um termo daquela Operação Urbana. O argumento é que permitir venda desses certificados de metros quadrados para empreendimentos fora do Centro seria prerrogativa do Poder Legislativo (é a Câmara Municipal que decide a lei de zoneamento e ocupação do solo). A disputa jurídica se arrasta há exatos dezenove anos, nas mais diferentes instâncias, chegando ao Supremo Tribunal Federal em 2019. Quem fecha negócio sem saber se é legal ou não? Em tese, a Câmara Municipal poderia resolver isso, aprovando a substituição da Operação Urbana Centro, que é discutida ali há três anos. No atual ritmo da vereança, talvez o teatro precise recorrer a outras fontes.

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Publicado em VEJA São Paulo de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724

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