Minibrasília no Ibirapuera: os prédios públicos que abocanham o parque
A área de 300 000 metros quadrados é ocupada por vastos estacionamentos, muros altos, jardins com grades e várias promessas de áreas ao ar livre esquecidas
É irônico que o poder público, que adora legislar sobre o tamanho de cada janela, a reforma da menor edícula, definir do número de vagas de garagem ao tamanho dos recuos dos prédios, erre tanto quando tem espaço e dinheiro para construir.
Uma das áreas mais hostis ao pedestre, e áridas para qualquer paulistano, é um agrupamento de prédios públicos, muitos abocanhando o que deveria pertencer ao retalhado Parque Ibirapuera. Vizinhos, a Assembleia Legislativa, o Clube Círculo Militar, o Quartel-General do Exército, o Batalhão de Polícia do Exército, o Ginásio e o Estádio do Ibirapuera criaram uma área de vastos estacionamentos, muros altos, jardins com grades, a inexistência de esquinas e calçadas convidativas. Dá até pena de alguns dos homenageados por ali. Existem a Praça Eisenhower, a Praça Carlos Gardel…
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O conjunto ocupa 300 000 metros quadrados, o equivalente a sete Vales do Anhangabaú, entre as ruas Manuel da Nóbrega, Abílio Soares, Tutoia e Avenida Pedro Álvares Cabral. Lembra o pior do urbanismo de Brasília: prédios muito espaçados entre si, sem misturar moradia, trabalho e comércio. Não à toa, a maior parte da área foi desenvolvida nos anos 50 e 60, entre os anos JK e a ditadura militar. O Clube Círculo Militar, de função social, ocupa um terreno de 31 000 metros quadrados, cedido pela prefeitura, sem pagar nada por isso. Uma contrapartida prometida há anos, de que crianças da rede pública poderiam usar suas instalações esportivas, jamais foi cumprida.
A Assembleia Legislativa, erguida entre 1965 e 1968 em um terreno de 35 000 metros quadrados, tem um jardim de esculturas inacessível, escondido, sob grades. Os equipamentos esportivos do Conjunto Constâncio Vaz Guimarães, que se espalham por 96 000 metros quadrados, incluem ginásio, estádio e complexo aquático que estão em estado precário há anos.
O Quartel-General do Segundo Exército, que ocupa outros 35 000 metros quadrados, tem uma bela “praça das solenidades”, hoje cercada por arame farpado — surpreende que instalações militares não confiem em sua “segurança”. Quando inaugurada, em 1968, o Exército falava que a construção não era uma “fortaleza”, “a obra se incorpora à paisagem urbana”. Nada disso.
A partir da presente pandemia, com uma demanda tão urgente por mais espaços de qualidade ao ar livre, é um desperdício escandaloso ter essa área erma no meio da cidade. Não precisava ser assim, claro: a 300 metros da superprotegida Casa Branca, em Washington, funcionam o restaurante Old Ebbitt Grill, o café Peet’s, um McDonald’s e uma filial da Le Pain Quotidien. A sede do FBI, a Polícia Federal americana, fica bem no meio da cidade, cercada por restaurantes, cinemas e lojas; já o complexo militar do Pentágono está fora da capital, sem ocupar espaço valioso de Washington.
Tanto o Palacio das Cortes, em Madri, quanto o Congresso argentino também ficam inseridos em áreas centrais, com cafés, sorveterias e academias de ginástica à mão, sem o descampado inóspito que cerca a Assembleia paulista. Se tivesse uma fração do uso do Allianz Park, o complexo esportivo do Ibirapuera já movimentaria a área. Não seria tão difícil instalar bancos, espaços de alimentação e atividades físicas ao ar livre por ali. Alguns pedaços poderiam ganhar novas construções — o dinheiro que o Clube Círculo Militar deve à prefeitura pelo terreno bancaria essas melhorias. Os militares precisam demonstrar mais generosidade com a cidade: há oitenta anos a Aeronáutica também tomou o Campo de Marte da prefeitura, durante a ditadura Vargas. A promessa de se criar um parque ali continua hibernando.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1º de julho de 2020, edição nº 2693.