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Por Raul Juste Lores
Redator-chefe de Veja São Paulo, é autor do livro "São Paulo nas Alturas", sobre a Pauliceia dos anos 50. Ex-correspondente em Pequim, Nova York, Washington e Buenos Aires, escreve sobre urbanismo e arquitetura
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Boiada contra a Cidade Limpa: enfraquecer a lei é uma péssima ideia

SP Reage: Beleza arquitetônica traz autoestima e prazer que a melancólica paisagem paulistana implora. Estimula mais gente a caminhar, o que reduz trânsito

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Atualizado em 18 set 2020, 07h22 - Publicado em 18 set 2020, 06h00

Não existe pior hora para enfraquecer a Lei Cidade Limpa. A ideia de autorizar painéis eletrônicos no topo de edifícios às vésperas das eleições municipais é casuística. Criar receitas para a prefeitura ou para “ajudar” síndicos de prédios durante a pandemia tem cara de presentinho eleitoreiro. Depois dos síndicos virão os taxistas? As laterais dos ônibus? As bancas de jornal? A velha política brasileira ama passar uma boiada. Não é não.

Em 2017, a gestão Doria tentou desidratar a Cidade Limpa apresentando um projeto que permitia propaganda nas pontes das Marginais, em banheiros públicos, bancas de flores, lixeiras. Felizmente, não passou.

A prefeitura nunca foi muito ligada nesse tema de paisagem urbana, com raras exceções, como o trabalho ativo da urbanista Regina Monteiro. Fazer caixa sempre parece a maior prioridade (a qualidade de vida é menos importante que manter a máquina municipal, com todos seus desperdícios, com dinheiro novo).

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Implorando restauro: Edifício R. Monteiro, de Rino Levi; e Normandie, na Nove de Julho, do arquiteto Franz Heep (Raul Juste Lores/Veja SP)

É pena que a Cidade Limpa, instituída em 2007, tenha sido implantada pela metade. Se fosse seguir o ótimo exemplo de Barcelona, a pioneira cidade a banir outdoors e placas, São Paulo teria aproveitado para canalizar a demanda represada por publicidade externa. Desde 1986, a cidade espanhola autoriza logotipos de empresas que restaurem edifícios históricos a ficar estampados nas telas de proteção das reformas. Mais de 600 ícones da arquitetura catalã, inclusive os do Gaudí, foram restaurados por marcas que aproveitavam essa exceção legal.

Por incrível que pareça, tal escambo é permitido pela lei paulistana, mas só foi usado duas vezes, em um prédio no Centro e no Edifício Chipre e Gibraltar, na Paulista com a Consolação. É a parte da lei que não “pegou”. Para que esse dispositivo pegasse, recuperando tantos belos prédios maltratados em São Paulo, seria fundamental que os prefeitos encampassem a defesa do nosso patrimônio construído, algo tão remoto quanto a chegada de astronautas brasileiros a Marte.

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Copan, de Niemeyer: eternamente coberto por uma reforma que não chega nunca (Raul Juste Lores/Veja SP)

Em Barcelona, é bom lembrar, o revolucionário prefeito Pasqual Maragall convenceu a companhia francesa de bebidas Chandon — que competia com os espumantes catalães — a patrocinar a recuperação do espetacular Hospital de Santa Cruz e São Paulo, art nouveau do arquiteto Domènech i Montaner. Na tela de proteção, descerrada pelo próprio Maragall, o lema: “Obrigado, Chandon, por deixar Barcelona mais bela”.

Quando o bilionário Carlos Slim decidiu recuperar o centro histórico da Cidade do México, ele mesmo passou a assediar artistas e empresários para se mudarem para o centro, segundo o que ele me contou pessoalmente. Puxar para si a responsabilidade e usar o peso do próprio nome é raro por estes lados. Aqui gastamos o poder de lobby municipal com o constrangedor muro de vidro da USP ou com o vaivém dos “Arcos do Jânio” e com as paredes da 23 de Maio. É revelador que governos petistas e tucanos tenham priorizado meros locais de passagem de automóveis. Maluf já fazia isso com seus predinhos Cingapura estrategicamente posicionados nas Marginais.

O próprio Gilberto Kassab, prefeito que enfrentou interesses diversos para implementar a lei, acabou desinflando o impacto dela ao priorizar o caixa: assinou acordo milionário para a exploração publicitária de desnecessários relógios de rua e daqueles pontos de ônibus de vidro, que costumam fritar os passageiros sem sombra. Pobre design.

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Trussardi, de Rino Levi: tombamento com fachada em péssimo estado (Raul Juste Lores/Veja SP)

Esperar repertório estético de político brasileiro é milagre que nem Aparecida resolve. Da infame “torre de luxo” de Geddel Vieira, em Salvador (aquela do lobby pesado junto ao Iphan), ao tríplex de Lula, no Guarujá, a boa arquitetura parece ausente mesmo quando o dinheiro sobrava para as elites partidárias. Mas, como a pandemia tem obrigado o paulistano a encarar suas mazelas de perto, e até os mais ricos cancelaram suas férias no exterior, quem sabe seja uma boa hora para deixar a casa da gente mais apresentável.

Beleza arquitetônica traz autoestima e prazer que a melancólica paisagem paulistana implora. Estimula mais gente a caminhar, o que reduz trânsito e poluição, e melhora nossa saúde. Nestas páginas, a Vejinha abraça a causa e sugere algumas fachadas incríveis à espera desse marketing cidadão. Do concreto rachado do Mercado de Pirituba, obra-prima do arquiteto Abelardo de Souza, ao Copan, eternamente coberto por uma reforma que não chega nunca, não faltariam telas para empresas com- prometidas com a cidade adotarem. Em tempos de redes sociais, essa campanha viralizaria — nem precisaríamos recuperar apenas locais de passagem, como a fonte da Nove de Julho, prioridade somente para quem pouco caminha por São Paulo.

Publicado em VEJA São Paulo de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705.

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