O que, afinal, aconteceu no Castelinho da Rua Apa?
Reinaugurado depois de quase 50 anos de abandono, o sobrado encravado numa esquina da Avenida São João é uma das construções mais emblemáticas da cidade
Encravado numa esquina da Avenida São João e escondido pelo Minhocão e os prédios da vizinhança, o Castelinho da Rua Apa tornou-se uma das construções mais emblemáticas da cidade. Quando foi inaugurado, no início do século passado, era um dos imóveis mais suntuosos da região. Mas foi abandonado na década de 30 após ser palco de uma tragédia familiar e, com o passar dos anos, virou reduto de moradores de rua. Em 1996, o espaço foi cedido para a ONG Clube de Mães do Brasil, que administra o local até hoje; e, desde dezembro do ano passado, passa por obras de restauração bancadas pelo Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (FID), da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. A reforma, estimada em 2,8 milhões de reais, foi concluída e o local foi reaberto nesta quinta (6) como um centro cultural voltado para a população carente.
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O castelinho chama a atenção não apenas pela arquitetura em estilo francês, que destoa dos edifícios da região, mas também pela história macabra que o acompanha. Na noite do dia 12 de maio de 1937, uma chacina ocorreu no local. A socialite Maria Cândida Guimarães, de 73 anos, e seus dois filhos, Alvaro Guimarães Reis, de 45, e Armando, de 43, foram encontrados mortos ao lado de uma pistola automática Parabellum calibre 9.
Até hoje, o crime não foi totalmente esclarecido. A versão divulgada pela polícia dois dias depois do ocorrido é de que Alvaro teria atirado na mãe e no irmão e, depois, se suicidado com dois tiros no coração. O motivo seria o impasse sobre a decisão do filho mais velho de construir um rinque de patinação no gelo com o dinheiro da família. Armando e Maria Cândida não concordavam com isso, pois tinham medo de que Alvaro acabasse com a fortuna da família.
Tudo estaria resolvido não fossem as contradições do caso. Os médicos-legistas, por exemplo, discordam dos policiais. Segundo eles, quem teria feito os disparos é Armando, o irmão mais novo, ou seja: ele teria matado Alvaro e a mãe e, depois, tirado a própria vida. Prova disso seriam as marcas de pólvora encontradas nas mãos de Armando, o que indicaria o uso do revólver.
Mas o mistério não termina aí. A posição na qual os corpos dos irmãos foram encontrados, lado a lado, não é típica de quem dispara e, depois, se suicida. E as balas encontradas na mãe não eram da pistola Parabellum. A mulher, nesse caso, teria sido morta com uma arma de calibre diferente, nunca encontrada. “O laudo da polícia foi muito mal feito”, diz Leda de Castro Kiehl, sobrinha-neta de Maria Cândida e autora do livro O Crime do Castelinho: Mitos e Verdades (Editora Equilíbrio; 200 páginas; 40 reais), lançado em novembro de 2015.
A obra foi escrita com base na divergência entre os laudos da perícia do IML e do laboratório da polícia técnica, e levanta a hipótese de que o massacre tenha sido cometido por uma quarta pessoa. “Minha intenção é limpar o nome da família”, afirma Leda. “Não sei dizer quem é o assassino, mas tenho certeza de que não foi nem o Alvaro, nem o Armando. Os documentos que reuni para o livro mostram isso”, desabafa.
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Depois da chacina, o castelinho virou alvo de uma longa disputa judicial entre os parentes da família, até virar patrimônio público. Nesse meio-tempo, ganhou a fama de ser mal-assombrado, com histórias de gente jurando que viu vultos ou ouviu gritos em seus aposentos. “Nunca percebi nada de anormal por aqui”, garante Claudineia Viana, uma das administradoras da ONG Clube de Mães do Brasil, que frequenta o local há 19 anos. “Acho que com a reabertura, ao usarmos esse espaço para fazer o bem, esse receio que as pessoas têm deve acabar naturalmente”, conclui.
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Por Laís Franklin