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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: Vincenzo Ondei (1929-2020), fundador do extinto Le Coq Hardy

O restaurateur italiano, dono do requintado restaurante francês de sucesso em São Paulo, foi responsável pela vinda do chef Erick Jacquin ao Brasil

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Atualizado em 25 abr 2020, 00h23 - Publicado em 22 abr 2020, 21h30

O restaurante francês Le Coq Hardy fechou as portas em 31 de agosto de 2009. Pouco mais de década depois, seu fundador saiu de cena. Italiano nascido na Bréscia, o restaurateur Vincenzo Ondei morreu no dia 15 de abril em decorrência de problemas cardíacos. Estava em sua residência, acompanhado da mulher, Margarida, com que esteve casado nos últimos 56 anos. “Tem um vazio aqui em casa. A presença dele era muito forte”, diz a viúva, que mandou rezar uma missa virtual de sétimo dia nesta quarta (22).

Com um nome que pode ser traduzido como “o galinho atrevido”, o Le Coq Hardy marcou época. Foi inaugurado em 1977 numa região pouco comum para restaurantes esmerados, mais facilmente encontrados no centro, como o La Casserole, e no Jardim Paulista, caso do Marcel. Ficava no então distante bairro Santo Amaro [que já foi outro município], colado à estátua do Borba Gato. Numa casa com amplos janelões da Avenida Adolfo Pinheiro e uma decoração que remetia à região da Provence, servia uma culinária refinada, que incluía festivais anuais de escargot, o que era um verdadeiro frisson na cidade entre o público de carteira bem fornida. Também havia as temporadas de pratos de faisão e com as cobiçadas trufas negras do Périgord.

Ondei em foto de 2008: a última reforma para tentar manter o Le Cod Hardy e sua paixão pela gastronomia (Carol do Valle/Veja SP)

Para montar o Le Coq Hardy, Ondei adotou de modelo um extinto e famoso restaurante de mesmo nome nos arredores de Paris e que chegou a ser estrelado pelo Guia Michelin. A palavra de ordem era sofisticação. Teve como chef o cearense José Pereira de Souza, que, da cozinha passou ao gerenciamento e foi substituído, no fogão, pelo irmão Elizeu Pereira de Souza, a partir de 2003.

Me sinto tão francês, que, até fazer cálculos, faço pensado os números em francês

Vincenzo Ondei (1929-2020), restaurateur

Mas essa não era a primeira experiência no mundo da restauração empreendida pelo empresário, que veio para o Brasil para ajudar na implantação da fábrica francesa de automóveis Simca, famosa pelo modelo Simca-Chambord. Seu primeiro negócio no ramo culinário foi a Maison Basque em meados de 1970, também em Santo Amaro. Era um lugar mais simples, onde o cardápio trazia pratos como o poulet basquaise (frango cozido no vinho branco com cogumelo-de-paris e cenoura). “Acreditava que a cidade cresceria para o sul, mas foi um erro de avaliação”, justificou entristecido numa das muitas conversas que tive com ele. Permaneceu na Maison Basque até 1976, o ano anterior à abertura do Le Coq Hardy.

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Na tentativa de se aproximar do cliente que circulava apenas pelos Jardins e entorno, Ondei levou o Le Coq Hardy, em 1994, para o Itaim, na Rua Jerônimo da Veiga. Uma mudança ainda mais, digamos, disruptiva ocorreu um ano depois quando o restauranter trouxe o chef Erick Jacquin, hoje famoso nacionalmente por sua participação no reality culinário MasterChef Brasil, para ser o titular das caçarolas e trabalhar ao lado de José Pereira de Souza. O cozinheiro – nascido no Loire e um dos titulares do estrelado Au Comte de Gascogne, em Boulogne-Billancourt, cidadezinha vizinha a Paris – transformou o restaurante no templo do foie gras. Mais do que isso, era o epicentro da alta gastronomia francesa na cidade. Até o famoso petit gâteau, sobremesa-assinatura de Jacquin, foi lançado nesse endereço.

O senhor Ondei é como um pai para mim. Sempre vou amar o senhor Ondei. Ele mudou a minha vida.

Erick Jacquin, chef de cozinha

O chef francês reinou por cinco anos no Le Coq Hardy, mas uma oferta mais vantajosa de trabalho o tirou de lá. Migrou para o extinto Café Antiqüe. O desligamento não significou uma ruptura entre patrão e funcionário. “O senhor Ondei é como um pai para mim”, me disse Jacquin em várias oportunidades, assim como declarava com respeito de filho: “Sempre vou amar o senhor Ondei. Ele mudou a minha vida.”

Depois da saída de Jacquin, infelizmente, a clientela começou a minguar. Lembro-me que Ondei tentou inovar de todas as formas e continuava a investir no foie gras. Uma da visitas que fiz ao restaurante nesse período foi para que ele me apresentasse um delicioso sorvete de foie gras com receita do megachef Joël Robuchon. Mas o público não retornou para provar as boas receitas do Le Coq Hardy. O restaurateur se esforçou em levar a casa adiante, fez reforma no bar e contratou o francês Pascal Valero, que havia sido chef do Eau, no Hotel Grand Hyatt. Não houve solução.

O casal Ondei: “Tem um vazio aqui em casa. A presença dele era muito forte” (Álbum de família/Divulgação)

Passando por acaso na frente do restaurante já fechado, vi que havia uma faixa de “família vende tudo”. Era uma queima de louças, talheres, panelas e equipamentos do restaurante. Comprei meia-dúzia de pratos, um balde de prata, garfos e facas do mesmo material, mais um par de panelas de escargot que tenho na minha cozinha (Leia o post que escrevi na época clicando aqui).

Embora fosse italiano, Ondei, que chegou a morar na França e costumava passar as férias nos balneários da Côte d’Azur, sempre se considerou um francês de garfo e faca. Por isso, desde o início apostou na culinária da França e não de seu país natal. “Me sinto tão francês, que, até fazer cálculos, faço pensado os números em francês”, costumava dizer. Morreu às vésperas de completar 91 anos – seu aniversário era no dia 3 de maio. Deixou a mulher, Margarida, e os filhos Patricia, Martina, Enzo e Bianca, além dos netos Maria Eduarda, Maria Fernanda, Gianluca e Lorenzo.

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+ Fettuccine alfredo como se faz em Roma
+ O tiramisu original
+ O melhor petit gâteau do Brasil

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