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Campo minado: calçadas do Centro Histórico agonizam à espera de reforma

Nem sequer pontos tombados escapam de remendos da prefeitura; péssimas condições dessas vias na capital provocam 5 400 quedas por ano

Por Clayton Freitas
Atualizado em 24 jun 2022, 13h00 - Publicado em 24 jun 2022, 06h00

Recém-contratada em maio deste ano para trabalhar em um supermercado de conveniência na Rua São Bento, no centro da capital, a atendente de loja Rosane Araújo, de 22 anos, foi para o primeiro dia de serviço calçando seu melhor sapato. A menos de 10 metros para chegar ao trabalho, deslizou na rua e acabou fincando o saltinho num buraco de um vão da pedra portuguesa da calçada e lá ficou.

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“Sorte que apenas quebrei o salto. E se eu torço o pé e me machuco, como fica?”, questiona. Assim como aconteceu com Rosane, as péssimas condições das calçadas da capital, que têm no Centro Histórico um dos seus piores exemplos, provocam 5 400 quedas por ano, que geram um custo médio de 31 milhões de reais em tratamento, segundo cálculos da prefeitura.

Imagem mostra calçada esburacada em praça
Concreto: piso foi feito para melhorar sistema de drenagem. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para tentar amenizar um pouco essas estatísticas, um projeto prevê que 22 ruas do Centro Histórico da capital, também conhecido como Centro Velho, tenham as pedras portuguesas retiradas para receber concreto, como foi feito no Anhangabaú. A estimativa é recuperar 63 000 metros quadrados.

A ideia só não saiu do papel por erros da própria prefeitura, já que o edital para escolher a empresa que fará o serviço, e que deveria ter ocorrido em maio, continha mais de 32 irregularidades, segundo apontamento de Eduardo Tuma, conselheiro do Tribunal de Contas do Município (TCM).

Por orientação de Tuma, a prefeitura então suspendeu o processo. Segundo informou em nota enviada à Vejinha, a administração municipal diz ter encaminhado as respostas e, agora, aguarda a liberação para poder continuar o processo. Projetos para substituir parte do piso português por concreto foram anunciados desde a época em que Fernando Haddad (PT) era prefeito da capital (de 2013 a 2016).

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Da mesma forma que ele, João Doria e Bruno Covas, ambos do PSDB, também chegaram a anunciar a troca, sem sucesso, assim como se vê, ao menos por ora, com Ricardo Nunes (MDB). O projeto do centro, que deve receber investimento de cerca de 80 milhões de reais, sofreu várias críticas até agora, mesmo daqueles que são favoráveis à requalificação do pavimento para melhorar a acessibilidade, já que, além das pessoas que trabalham na região, o Centro Histórico atrai centenas de turistas por dia.

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Entre essas críticas estão o fato de concentrar uma verba significativa apenas para uma região da cidade, uma vez que o problema das péssimas condições das calçadas é geral, e também a retirada total das pedras portuguesas, o que não tem o apoio nem daqueles que defendem uma melhor mobilidade, como no caso da urbanista Leticia Sabino, fundadora da ONG SampaPé.

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“Você pode fazer a troca de material que seja mais adequado para a acessibilidade e ainda manter a referência anterior, já que isso é muito importante para a identidade da cidade. Simplesmente trocar sem se preocupar em manter é um descuido”, afirma. Como constatou a Vejinha em visita à região, ela sugere que as calçadas do Centro Histórico que serão alvo da licitação parecem estar propositadamente descuidadas.

Imagem mostra guia de rua esburacada.
Tombada: guia não pode ser retirada e força gambiarra. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Dá a impressão de que existe um certo abandono no sentido de forçar que essa mudança seja feita”, diz. Em nota, a Subprefeitura da Sé informou que realiza os consertos de áreas danificadas diariamente, e que só neste ano restaurou 603 metros quadrados de mosaicos de pedras portuguesas na região.

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Para o arquiteto e urbanista Fernando Atique, há uma nítida falta de zeladoria para forçar a liberação da licitação. Ele também critica a retirada total das pedras portuguesas, alegando que o material beneficia a permeabilidade do solo, por permitir uma melhor infiltração de água, e favorece a criação de uma gama de desenhos devido à facilidade de assentamento do material. “Construir uma calçada de concreto joga fora a imagem da cidade”, diz o também professor de história, espaço e patrimônio da Unifesp. Se o projeto da prefeitura vingar, as pedras portuguesas ainda poderão ser vistas na região central.

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É o caso dos mosaicos com pedra portuguesa elaborados pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Embora o piso do local seja tombado, um estranho pavimento de concreto foi aberto no lado esquerdo, que faz uma espécie de “L” e vira na Rua São Bento até acabar na Rua Direita. A prefeitura alega que fez o pavimento de concreto para reforçar a proteção das grelhas e materiais metálicos do sistema de drenagem do local.

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No caso da Rua Sete de Abril, as guias são tombadas. É por isso que o local possui, em ambos os lados, duas delas, a antiga e a nova, com uma grelha no meio que coleta a água da chuva no meio delas. Em nota, a prefeitura informou que as obras nas calçadas tombadas só são realizadas após o aval dos órgãos de preservação, e que todo reparo obedece à conservação do patrimônio histórico.

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Publicado em VEJA São Paulo de 29 de junho de 2022, edição nº 2795

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