Proerd: pesquisa feita em escolas paulistanas aponta que programa é ineficaz
Estudantes que receberam a intervenção relataram uma maior intenção de experimentar tabaco e maconha no futuro
Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 30 escolas da capital paulista mostrou que o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), implementado no país desde a década de 1990, não teve efeito na prevenção do uso de álcool e drogas nas crianças e adolescentes que participaram da pesquisa e, em alguns casos, teve desfechos contrários aos esperados.
Os resultados foram publicados em dois artigos, nas revistas International Journal of Drug Policy e Prevention Science.
“Esse é o programa de prevenção ao uso de drogas mais disseminado no país. No Estado de São Paulo ele é obrigatório em todas as escolas estaduais de acordo com lei de 2019. O programa original, criado nos Estados Unidos, é baseado em evidências científicas e tem resultados positivos comprovados em muitos países. No Brasil, porém, não houve adaptação à realidade dos estudantes e nunca havia sido avaliado”, explica Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora do estudo, financiado pela FAPESP.
Foram acompanhados 4.030 estudantes do quinto e do sétimo anos do ensino fundamental em escolas estaduais no município de São Paulo. Parte do grupo assistiu às dez aulas do programa e a outra metade não passou pela intervenção. As escolas foram sorteadas entre aquelas que não tinham recebido o programa nos últimos três anos. Os questionários foram aplicados duas vezes em cada grupo: antes da intervenção e nove meses depois.
De forma geral, não houve diferenças significativas entre os grupos que receberam e não receberam a intervenção na prevenção do uso de álcool e drogas. Em uma pequena parcela que já fazia o chamado binge drinking (consumir até cinco doses de álcool em até duas horas) antes de passar pelo programa, porém, houve até três vezes mais chance de manter essa prática do que no grupo que não participou do programa. Os estudantes que receberam a intervenção relataram ainda uma maior intenção de experimentar tabaco e de aceitar oferta de maconha no futuro.
Com base nos resultados, os especialistas recomendam que o Proerd, que está presente em todos os Estados brasileiros, seja reformulado levando em conta as diferenças culturais entre os dois países e o nível educacional dos estudantes brasileiros.
“Percebemos que muitas crianças do quinto ano tinham sérias dificuldades de leitura e escrita. E algumas das atividades do programa envolvem essas habilidades, como escrever uma redação, por exemplo”, conta a pesquisadora.
Os pesquisadores tiveram de adaptar a forma de aplicação do questionário de avaliação para esse grupo de alunos. Em vez de perguntas e respostas em forma de texto, foi desenvolvido um aplicativo com áudio. Desse modo, os estudantes podem ouvir as perguntas e usar figuras e cores para as respostas.
Além disso, algumas das situações descritas nos conteúdos são traduções literais do programa norte-americano, sem que tenha havido adaptações à cultura brasileira. Para os pesquisadores, isso pode influenciar a compreensão dos conteúdos e explicar em parte por que o programa teve efeitos contrários ao que se esperava em alguns grupos.
“Convidar amigos para assistir futebol em casa, ir ao shopping sem os pais e jogar basquete não são comuns entre meninos e meninas de 12 anos no Brasil. Mesmo algumas situações descritas que ocorrem no ambiente escolar não são aplicáveis aqui, como sentar-se à mesa junto aos colegas durante os intervalos das aulas ou usar armários para guardar os pertences. Em uma lição, fala-se de ‘amigos trazendo vinho para o jogo’, enquanto os adolescentes brasileiros consomem comumente outras bebidas nessas situações”, diz Juliana Valente, coautora do estudo, realizado durante estágio de pós-doutorado na EPM-Unifesp com bolsa da FAPESP.
Em outro projeto, cujos resultados serão publicados em breve, Valdemir Ferreira Júnior constatou que o programa não foi eficaz para evitar violência escolar no mesmo grupo estudado.
POLÍTICA PÚBLICA
Criado originalmente em 1983 nos Estados Unidos pela polícia de Los Angeles, o Dare (sigla em inglês para “educação para resistência ao abuso de drogas”) é adotado em diversos países. No Brasil, o programa chegou em 1992 e ganhou o nome de Proerd, inicialmente aplicado em escolas do Rio de Janeiro.
Em 2008, o Dare norte-americano passou a adotar um novo currículo, “Keepin’it REAL”, desenvolvido por especialistas da Pennsylvania State University. No Brasil, o currículo foi atualizado em 2014 e ganhou o nome “Caindo na Real”. O objetivo é aumentar habilidades psicossociais dos estudantes, aumentando a experiência positiva na escola e ajudando na tomada de decisões.
O Proerd está presente nos 26 Estados da Federação e no Distrito Federal e é aplicado por policiais militares especialmente treinados para o programa. O conteúdo foi adaptado pelo próprio Dare norte-americano para o Brasil. Em nenhum momento o programa foi avaliado no país, ainda que sejam esperadas avaliações regulares de iniciativas do tipo.
Em 2013, por exemplo, o Ministério da Saúde implementou no país o #TamoJunto, com o mesmo objetivo do Proerd, em parceria com o escritório brasileiro das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC).
O grupo liderado por Sanchez avaliou o programa e detectou algumas falhas. Com as sugestões dos pesquisadores, o currículo foi reformulado e reaplicado a partir de 2018.
Estudo publicado no final do ano passado, encabeçado por Sanchez e Valente, mostrou que alunos que passaram pelo programa reformulado tiveram 22% menos chances de iniciar o uso de álcool do que os não tiveram contato com os conteúdos, ministrados pelos próprios professores.
“É importante frisar que as polícias militares têm uma grande capilaridade em todo o Brasil e as escolas normalmente não têm professores treinados para esse tipo de programa, o que seria o ideal. Por essa razão, muitos diretores de escolas veem o Proerd como a melhor e, muitas vezes, a única opção de tratar a prevenção ao uso de drogas”, lembra Sanchez.
Segundo a pesquisadora, a avaliação de programas não serve apenas para dizer o que funciona e o que não funciona, mas ajuda a entender o que está acontecendo para subsidiar mudanças que ajudem os programas a cumprir seus objetivos.
Nesses casos, a chamada ciência da prevenção não recomenda a extinção dos programas após a primeira avaliação, mas a reformulação a partir dos resultados encontrados e uma nova rodada de avaliação.
“Quando falamos das nossas crianças e adolescentes, temos de garantir sua segurança e bem-estar. Por essa razão, as adaptações deveriam ser imediatas, o que garantiria ainda o uso dos recursos públicos da melhor forma possível”, encerra Sanchez.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.