“Outubro rosa deveria ser no ano todo”, afirma oncologista Fernando Maluf
Para o médico do Hospital Albert Einstein, país precisa de ações perenes e mais investimento no SUS
Especializado em oncologia clínica, o médico Fernando Maluf é favorável às campanhas temáticas, como o Outubro Rosa, voltado para o câncer de mama, assim como Novembro Azul (câncer de próstata), entre outras.
Porém, apesar de ver as iniciativas como efetivas e eficazes, o médico, que atua no Hospital Israelita Albert Einstein, diz que elas necessitam de atenção no restante do ano para que possam chegar à população por completo. “O câncer não aparece só em outubro”, alerta.
Nos últimos anos, Maluf vem liderando diversos estudos científicos no país. Um deles, em especial, mudou a forma como o câncer de pênis é tratado em todo o mundo.
Com a utilização de quimioterapia em conjunto com imunoterapia (no lugar de tratar somente com químio), os pacientes atendidos tiveram aumento significativo na sobrevida. “Alteramos o tipo de tratamento após sete décadas, com índices muito satisfatórios”, afirma.
Em meio a outros estudos, o médico acaba de comemorar dez anos do Instituto Vencer o Câncer, voltado para informação, implementação de centros de pesquisa país afora e articulações políticas para aumentar o acesso da população mais pobre a terapias e medicamentos.
Confira a entrevista a seguir.
O Outubro Rosa foi criado para conscientizar a população sobre o câncer de mama. Há diversos outros meses temáticos, sempre com o mesmo intuito de conscientização. Esses períodos cumprem o objetivo da ocasião e também nos meses seguintes?
Nos meses da conscientização, falamos de diagnósticos e tratamentos. As campanhas têm efetividade, mas elas precisam ser aumentadas para que as informações sejam perpetuadas nos outros onze meses. O câncer não aparece só em outubro.
O SUS é conhecido e reconhecido por sua atuação em várias questões, como na distribuição de vacinas e no tratamento de doenças como a aids. Por que o SUS falha gravemente no tratamento do câncer?
É uma herança de décadas e décadas. O câncer é uma doença que, desde a prevenção, passando pelo diagnóstico e tratamento, envolve um alto custo. Dentro de um orçamento limitado para a saúde, não deste governo, mas de todos os outros prévios, não vemos financiamento para toda a estrutura. Temos no SUS atrasos de diagnósticos, independentemente da lei (que estabelece um prazo de sessenta dias para o início de tratamentos). Na rede pública, por ano, 70 000 brasileiros deixam de fazer radioterapia. Além disso, as últimas drogas aprovadas têm mais de cinco anos.
Quais os tipos de câncer mais comuns no Brasil?
Na mulher, os mais comuns são mama, pulmão, intestino e colo de útero. Nos homens são próstata, pulmão, intestino, estômago, cabeça e pescoço.
E os tratamentos mais promissores e importantes atualmente no Brasil?
A gente evoluiu muito nas duas últimas décadas, com drogas-alvo específicas, que foram aprovadas para várias doenças, como câncer de próstata. Depois veio mais recentemente a imunoterapia, que existe de várias formas. As drogas mais utilizadas foram as que atacam o tumor, tirando-o do esconderijo dele. Posteriormente veio outra onda, a dos anticorpos inteligentes. São remédios que se ligam ao tumor e liberam dentro dele substâncias altamente tóxicas, como um cavalo de troia.
O Brasil acompanha os países de ponta tanto nas pesquisas quanto nos tratamentos?
Não há dúvida que sim. As medicações aprovadas em países desenvolvidos também são aprovadas aqui, mas não no SUS. Na pesquisa, temos grupos incríveis de cientistas, que participam de estudos internacionais e até mesmo liderando esses e outros estudos.
Quantas e quais pesquisas o senhor desenvolveu nos últimos anos, e quais os resultados mais importantes?
Sobre um estudo de câncer de pênis, nosso grupo liderou onze centros, a maioria públicos e filantrópicos, em um tratamento com quimioterapia e imunoterapia. Esse estudo modificou o tratamento mundial depois de sete décadas. Também atuamos em outro estudo, de câncer de próstata avançado. O grupo de pacientes tratados com imunoterapia teve bons resultados, mas sem grandes efeitos colaterais.
O senhor tratou diversos famosos, como Roberto Justus, Ana Furtado, Simony, entre outros, mas não gosta de ser chamado de médico das celebridades. Por quê?
Porque celebridade é todo paciente que luta para conquistar a cura. Ser médico das celebridades é um título incompleto, posto por alguém que não conhece a minha carreira e não vê todas as pessoas de quem eu cuido do mesmo jeito.
O Instituto Vencer o Câncer, criado e administrado pelo senhor e por seu colega Antonio Buzaid, acaba de comemorar dez anos de existência. Com os pilares de informação, pesquisa e articulação política, a instituição implementou seis centros de pesquisa. O que fazem esses locais?
Os centros transformam hospitais do SUS que prestam assistência, mas a boa vontade e o preparo nesses locais são limitados. Esses centros podem qualificar, como centros de pesquisa internacional, para estudar as drogas mais promissoras, por exemplo. É uma oportunidade para uma mulher pobre, que tem acesso a pouca coisa no SUS, participar de estudo, com droga promissora, e ganhar o mesmo tratamento que existe no Einstein.
Já existe algum estudo que ligue o consumo de cigarro eletrônico à incidência de câncer?
O senhor tem acompanhado esse tema? O cigarro eletrônico é mais recente, mas tem os mesmos ingredientes do cigarro, ou seja, mais de 1 000 substâncias cancerígenas. Os aromatizantes que dão o gosto frutado também são altamente cancerígenos. Vejo jovens virem ao meu consultório, por outros motivos, com os pulmões destruídos, como se fumassem há mais de cinquenta anos. Essa é uma das maiores ameaças do mundo, mas que tem capinha colorida e gostinho de morango.
Publicado em VEJA São Paulo de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913.