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‘Maior parte dos que estão aqui na UTI tomaram kit-Covid’, diz chefe do Incor

Medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 têm causado efeitos colaterais graves, como lesão renal e inflamação no fígado, relatam médicos

Por Maria Alice Prado
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h29 - Publicado em 25 mar 2021, 18h35
Dois enfermeiros completamente cobertos por roupas brancas de proteção atendem paciente deitado com roupa azul.
No auge da Covid-19, quase todos os leitos de UTI Covid foram ocupados (Mufid Majnun on Unsplash/Veja SP)
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O chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19 foi propagandeado pelo presidente Jair Bolsonaro desde os primeiros meses da pandemia. Na mesma época, estudos científicos ao redor do mundo já certificavam a ineficácia de qualquer tratamento preventivo para a doença. No entanto, o “kit covid” continuou a ser difundido pelas autoridades federais brasileiras e pelo próprio Ministério da Saúde. Passadas mais de 300 mil mortes pela Covid-19 no país, médicos relatam efeitos colaterais graves em pacientes que tomaram medicamentos sem comprovação científica para o vírus, como lesão renal, arritmia cardíaca e dificuldade no tratamento de casos graves. 

O “kit covid”, distribuído por secretarias municipais da Saúde pelo Brasil afora, inclui drogas como hidroxicloroquina, ivermectina, corticoides, azitromicina e anticoagulantes. “O que tem preocupado muito [os médicos] é que as pessoas estão desesperadas para tomar algum tipo de tratamento. Muitas vezes, elas não só lançam mão do ‘kit covid’, mas de várias outras coisas, como vitamina D, de anti-inflamatórios, corticoides. Não tem sido incomum a gente ver pacientes com muitos efeitos colaterais decorrentes desse tipo de medicação”, relatou o Dr. Christian Morinaga, gerente do Pronto Atendimento do Hospital Sírio-Libanês, à VEJA São Paulo. 

O Dr. Carlos Carvalho, chefe de pneumologia do Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas (Faculdade de Medicina da USP), confirma a incidência de lesão em ductos na região do fígado em pacientes que fizeram uso de ivermectina, droga usada para combater verminoses. Em alguns casos, ele relata a necessidade de transplante hepático (fígado). O médico afirma que há a impressão que as infecções mais graves pela Covid-19 são notadas em pacientes que fizeram uso do “kit covid”. 

“Aqui nós temos hoje 150 pacientes internados no InCor. Se eu fizer uma enquete, eu te diria que dois terços a três quartos desses pacientes que estão aqui internados, sendo a maioria deles intubados, tomaram o kit covid”, descreve o pneumologista. “Quem falou que deu o ‘kit covid’ para população e disse que o resultado foi estupendo não vivenciou o doente grave que tá aqui nas UTIs e no Hospital. A maior parte dos que estão aqui hoje tomaram”, continua. Nesta semana, o Estadão relatou que cinco pacientes entraram na fila do transplante de fígado após tomarem os medicamentos do chamado ‘tratamento precoce’. 

Para os pacientes que fizeram uso da cloroquina ou hidroxicloroquina e contraíram a Covid-19, os médicos relatam alterações no ritmo cardíaco. O Dr. Christian diz que o uso indevido da ivermectina e da azitromicina pode inflamar o fígado. Nos pacientes infectados com a Covid-19 em um estágio avançado da doença, quando é necessário outras medicações para o tratamento, a inflamação e os demais efeitos colaterais prejudicam a cura da infecção. “Quanto mais órgãos vitais forem inflamados e lesados maior é a letalidade dessa doença”, explica Dr. Carlos Carvalho.

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“Os casos de hepatite medicamentosa têm aumentado, mas a gente não teve notícia de nenhum caso grave, felizmente. Nestes casos, com a suspensão da medicação, houve melhora. Porém, é um quadro potencialmente grave que, num pior cenário, pode prejudicar muito o tratamento”, explica Christian sobre os casos no Sírio-Libanês. No entanto, Luiz Carneiro D’Albuquerque, chefe de transplantes de órgãos abdominais do HC-USP e professor da universidade, disse ao Estadão que dos quatro pacientes colocados na fila do transplante no HC, dois tiveram a condição de hepatite e morreram antes da operação.

Preocupações

A hidroxicloroquina é um medicamento normalmente utilizado no tratamento de lúpus, artrite reumatoide, doenças fotossensíveis e malária. A ivermectina é um vermífugo usado para combater vermes, piolhos e carrapatos. A azitromicina é um antibiótico utilizado em casos de infecção bacteriana. Nenhum deles previne a contaminação pelo coronavírus. 

Outra preocupação dos médicos em relação ao “tratamento precoce” é a demora dos infectados com a Covid em procurar recursos adequados. O pneumologista do Hospital das Clínicas conta que um médico pediatra, seu colega de turma na faculdade, faleceu de coronavírus após se recusar a procurar tratamento médico para a doença, já que estava tomando o “kit covid”. Quando chegou ao hospital, estava com mais de 60% do pulmão acometido e acabou falecendo. “Mesmo pessoas com formação técnica caem às vezes nessa bobagem”, lamenta. 

A azitromicina é um antibiótico que vem sendo utilizado por médicos em pacientes que possuem infecção bacteriana associada à Covid-19. E, na maioria das vezes, são pessoas que estão em uma fase avançada da doença. No entanto, a droga faz parte do kit covid para tratamento precoce do coronavírus. “Tomar azitromicina sem evidência de infecção bacteriana pode levar a indução de existência de bactérias”, explica o médico do Hospital Sírio-Libanês.

Além da infecção viral correr o risco de ser complementada por uma bactéria, o uso indevido desta medicação vai criar resistência para estes organismos, o que é um risco para toda a população. “É um antibiótico excelente que no futuro próximo não vai mais poder ser usado no tratamento de infecções, porque ele já vai estar queimado”, explica Carvalho. 

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Os corticoides também são utilizados em pacientes que estão na forma grave da doença. Para quem toma este remédio precocemente, sem estar nesta condição, se acabar se infectando pela Covid-19, além de propiciar a replicação de vírus, pode propiciar também uma infecção por bactérias, que vão complicar mais o quadro da pneumonia viral, informa o pneumologista. Já o uso indevido de anticoagulantes pode aumentar o risco de acidente vascular cerebral. O pneumologista alerta que tais medicamentos devem se restringir à conotação hospitalar. 

“Gostaria que já existisse um tratamento. Mas não tem. A única saída é a vacina. Não tem nenhum outro tipo de tratamento. Então, paciência. Fica em casa, tome os cuidados, não contamine os outros, porque isso vai passar”, finaliza o Dr. Carlos Carvalho.

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