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“É necessário conversar para amenizar a sensação de desespero”

Professor de psiquiatria da infância e adolescência na USP, Guilherme Polanczyk fala dos efeitos da pandemia na saúde mental de crianças e de jovens

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h36 - Publicado em 5 mar 2021, 05h00
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  • guilherme polanczyk posando para a foto com expressão séria
    Professor Guilherme Polanczyk: “É preciso ficar atento a comportamentos muito diferentes dos anteriores” (Fabrício de Lima/Divulgação)

    Na pandemia, quais são os fatores que impactam na saúde mental de crianças e adolescentes?

    Em nossos estudos temos visto que a pandemia chega até as pessoas, e mais especificamente a crianças e adolescentes, de formas bastante distintas. Depende da renda, se os pais estão trabalhando no sistema de saúde ou se foram infectados, por exemplo.

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    Outro fator importante é o fechamento das escolas. Para alguns, ficar em casa e ter acesso ao ensino on-line é algo relativamente tranquilo, há espaço suficiente, internet boa. Mas a maior parte da população não tem isso. As crianças estão fora da escola, o que significa sem estímulo de aprendizado, sem convívio com amigos. E mais, sem um ambiente de proteção e um professor como adulto estável que pode representar um modelo.

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    Qual a importância da socialização para essas faixas etárias?

    Em geral, ela permite o desenvolvimento de uma série de habilidades emocionais. São questões como aprender a negociar vontades, seguir regras, adiar gratificações e se sentir acompanhado. Os pais, a família, proporcionam muito disso às crianças menores.

    Mas, à medida que elas crescem, são necessários mais estímulos para se chegar a um desenvolvimento mais sofisticado. Isso pode ser visto na adolescência, período no qual se busca uma identidade própria, que é separada da família. Com seu grupo de amigos, os adolescentes testam novos jeitos de ser e de pensar.

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    Quais podem ser os efeitos do isolamento social?

    Em algumas situações, as famílias são forçadas a aprender a lidar com a frustração. Hoje em dia, principalmente na classe média e média alta, tenta-se ao máximo blindar os filhos de frustrações, proporcionar viagens maravilhosas… Os pais muitas vezes se transformam em animadores de festa. Se eles puderem aceitar, digerir e elaborar esse momento com os filhos, pode haver uma oportunidade de crescimento. Claro que é difícil. A gente fica triste, ansioso e com raiva.

    Há crianças que voltam às aulas presenciais e ficam em pânico ao ter contato com os colegas. Como saber se esse medo está excessivo?

    Quando surgem comportamentos muito diferentes dos anteriores e os medos perpassam vários contextos e situações. Não é só o medo da escola, é o medo do sequestro, é o medo de o pai ficar doente, é o medo de um animal. Daqui a pouco, a criança não consegue brincar direito. Ou as coisas perdem um pouco o gosto ou valor. Elas começam a ficar mais irritadas, mais choronas. Nada é muito bom. Se há esses sinais, é preciso buscar ajuda.

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    Quais tipos de ajuda são possíveis?

    Pode ser uma orientação para os pais, eles podem discutir com um profissional que faz alguns apontamentos sobre a criança. Às vezes é um trabalho conjunto, com as duas partes. E há ainda a possibilidade de ser uma orientação só para os filhos. São várias as modalidades.

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    Sobre o uso de eletrônicos no período de isolamento social, é preciso estipular limites?

    Os adolescentes e crianças precisam muito de rotina. Claro que eles vão passar um tempo maior do que antes com eletrônicos, mas isso não significa que precisem passar o dia todo com celulares e tablets.

    A tendência é de que, quanto mais eles usem, mais queiram usar, até porque existe uma tecnologia muito avançada para que se mantenham crianças e adolescentes nas telas. E eles vão dizer para os pais que a vida é um tédio, que não tem nada para fazer. A questão toda é que a gente sabe que o maior preditor do uso de eletrônicos nas famílias são os pais.

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    Como assim?

    Muitas vezes há famílias que passam as refeições no celular. Pais que ficam horas e horas nas redes sociais. Ou que estão trabalhando em casa e não têm um tempo para comprar uma briga com o filho e propor outra atividade. As consequências da falta de vínculo afetivo e do maior distanciamento já vinham acontecendo. Agora, nesta situação, há uma aceleração.

    “Os adolescentes têm uma noção mais desenvolvida da morte, ao mesmo tempo, estão passando por um momento de pensar o futuro, o que gera dúvidas”

    Ensinar atividades manuais, como a confecção de uma máscara, pode ser uma saída?

    Sem dúvida, diferentes atividades vão estimular habilidades distintas. Quando uma criança joga Fortnite, há um estímulo relacionado ao processamento de informações, a questões visuoespaciais (capacidades que temos para representar, analisar e manipular mentalmente os objetos). Mas não se está estimulando a espera nem a criatividade. Nem pensar em cores e de formas diferentes, que é algo visto em atividades manuais.

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    E como ensinar a criança a tolerar o tédio, a sensação de que não há muita coisa a fazer?

    O primeiro passo é dos pais: se eles não têm essa capacidade, vai ser muito difícil que ensinem a seus filhos. Mas é pensar assim: acabado o horário dos eletrônicos, é possível pegar um papel e lápis e desenhar, brincar com o irmão, e por aí vai. As crianças precisam disso: criar coisas e variar atividades. Se isso não era um hábito, os pais vão encontrar dificuldades na mudança. Vai ter choro, mas eles precisam continuar. Se são crianças saudáveis, obviamente vão se acostumar e começar a inventar brincadeiras.

    Em relação à maior proximidade com a morte na crise atual, quais os efeitos sobre essas faixas etárias?

    Muitas crianças ficam bastante ansiosas. À medida que têm mais acesso à informação, como sobre os cemitérios construídos em Manaus (AM) para abrigar vítimas de Covid-19, o impacto é muito grande e é preciso encaminhá-las para tratamento.

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    Para os adolescentes, a questão é um pouco diferente. Eles têm uma noção mais desenvolvida da morte, ao mesmo tempo, estão passando por um momento de pensar o futuro, o que gera dúvidas sobre se vão conseguir realizar o que querem, se é preciso estudar tanto para ganhar dinheiro e chegar a um lugar. É uma situação de muita tensão. A semana passada um jovem me disse que não acreditava mais no mundo.

    Há algo a fazer para arrefecer esse desencanto com o mundo?

    Negar. Negar um pouco, não a ponto de se expor a uma situação de risco, como estão fazendo essas pessoas que vão a festas. Focar a prova da semana, na brincadeira de hoje, na programação pensada para casa naquele fim de semana. Para as crianças, essa proteção é muito importante.

    Para os adolescentes, que têm acesso à mídia, é preciso conversar. Falar com eles o tempo todo, saber o que está acontecendo na cabeça deles e tentar reelaborar. Focar as habilidades que eles adquiriram e o que eles podem ajudar. Esses são todos movimentos que tentam amenizar essa sensação de desamparo e desespero que muitas vezes a gente sente quando sabemos que não há leitos de UTI suficientes.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 10 de março de 2021, edição nº 2728

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