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Figuras maspianas

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 16h55 - Publicado em 7 set 2012, 00h51

— Tenho.

— 107?

— Tenho.

— 108?

— Tenho.

— 111?

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— Não tenho!

Guardei a 111 no bolso da camisa, sem sequer descobrir no verso o nome do jogador ou mesmo seu time. O tempo urgia. Faltavam ainda 43 figurinhas para completar o álbum do Brasileirão. Meu filho caçula, o Sammy, de 9 anos, fazia questão de aproveitar a oportunidade. Não é todo dia que se consegue trocar figurinhas no vão do Masp. Quando o amigo Zeca, através do seu pai, o grande fotógrafo pernambucano João Quesado, o chamou, fiz questão de ir junto. Eu me convidei, em outras palavras.

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Primeiro, para ver a alegria do meu filho ao galgar degraus na corrida para atingir a meta, tão cobiçada, de completar o álbum de figurinhas do campeonato nacional de futebol. Não há nada melhor do que testemunhar a felicidade da nossa prole. Segundo, para entender o funcionamento deste componente-chave da cultura do país, a tão falada “troca de figurinhas”. Não conhecia. É um mercado tipicamente brasileiro.

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Encontramos o Zeca e o João já empenhados na avaliação de um “bolo de repetidas”. Havia, ali no Masp, mais umas quinze pessoas entregues ao escambo. Era gente de todas as idades e tipos sociais. Em nossa volta, centenas de outros praticavam a versão metafórica desse intercâmbio. A fila para entrar no museu era gigantesca. Do banco de concreto que cerca a área, adolescentes davam voz aos hormônios. Assisti a um “flash mob” surreal de disco dancing, com mais de cinquenta integrantes, que apareceu do nada e para lá voltou. Como se não bastasse, do nosso lado um grupo de semimendigos se entregava ao prazer de um refrigerante tamanho-família. O mais tatuado deles era da África do Sul. Juro. Falava inglês. Mas trocava uma ideia, a seu modo. Que cidade movimentada, pensei. Isso é o que é cultura urbana.

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As regras do intercâmbio são claras. Cada um leva para o museu as repetidas que estiver disposto a trocar, organizadas numericamente de zero a 500 ou de 500 a zero. Esse é o “bolo”. É mister levar, também, uma lista das figurinhas que faltam para completar seu álbum. Mas ele deve ser deixado em casa, segundo aprendi, para evitar danos às páginas ou confusões.

Quem me explicou as regras foi um motoqueiro boa gente, de uns 35 anos de idade. Fazia ele o papel de líder informal da nossa turma, posição alcançada, sem dúvida, através do seu carisma, simpatia e conhecimento.Percebia-se nele o domínio completo do tema. É um acadêmico das figurinhas. Chamase Rivellino (Silva). Seu nome só pode ter sido inspirado no jogador bigodudo da década de 70 Roberto Rivellino, ou até mesmo copiado da sua figurinha — quem sabe?

O negócio funciona da seguinte forma: um colecionador pergunta ao outro se quer trocar; se sim, examina seu bolo de repetidas e retira dele as figurinhas de que precisa. É mais econômico, prático e divertido do que tentar comprar todas as 500 figuras do álbum no jornaleiro. Se, a título de exemplo, um colecionador encontrar quatro figurinhas que ele não tinha, o outro ganha o direito a quatro figurinhas também. E assim vai indo, de um colecionador a outro, até cansar — ou terminar o álbum.

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No sábado passado, Sammy quase consegue. Faltaram 44 ao chegar ao Masp e só dezesseis ao sair de lá. Rivellino quis ajudar. Deu seu e-mail. Disse que arrumaria as que faltavam e as levaria, de moto, em casa. Era só mandar a nossa lista. Tamanha delicadeza me comoveu. Acabara de conhecer o cara. Há momentos em que São Paulo parece reunir o melhor da cidade grande com o mais legal de uma vila do interior.

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