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Confissões de paulistanos ao volante

Motoristas temem mais assaltos do que acidentes, avaliam que o pior das ruas são os próprios carros e acham o egoísmo o principal defeito dos condutores

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 18h14 - Publicado em 26 Maio 2012, 00h50

São Paulo não sofre com o trânsito infernal de todos os dias por culpa de seus motoristas, por mais que eles cometam infrações. O absurdo tamanho da frota, a insuficiente malha viária e as deficiências do transporte público (além, às vezes, de greves selvagens como a que os metroviários fizeram na quarta-feira, prejudicando toda a população da cidade) são os principais motivos dos congestionamentos sem fim que atormentam os paulistanos — e não seriam muito menores se, nas mesmas condições, os automóveis fossem dirigidos por senhoras suecas, os caminhões conduzidos por disciplinados alemães e as motos pilotadas por padres do Vaticano.
Mas eles, os condutores, que papel desempenham no que é, provavelmente, o grande problema da metrópole? Levantamento feito pelo Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Abril Mídia com 3.458 motoristas de carros, entre os últimos dias 3 e 11, mostra uma autocrítica afiada. Para 42% dos entrevistados, os maiores vilões das ruas não são caminhoneiros nem motociclistas, mas os próprios condutores de automóveis.
+ Os números do trânsito de São Paulo
Ao ocuparem os 17.000 quilômetros de ruas e avenidas da metrópole, os motoristas recebem, diariamente, 9.000 multas de velocidade, 6.000 por desrespeito ao rodízio e 2.700 devido a estacionamento irregular, entre outras. Nossa frota circulante, de 3,8 milhões de veículos (quase um para cada dois paulistanos maiores de idade), produz 58% dos gases poluentes que respiramos e forma engarrafamentos que na semana passada chegaram a 249 quilômetros no pico da manhã (extensão que supera a distância até Botucatu).
Em um contexto urbano nada favorável — de asfalto esburacado e tolerância com as latas-velhas —, a rotina nos engarrafamentos acaba por enlouquecer o mais educado dos cidadãos e extenuar os que passam o dia no meio desse caos. “A maioria acaba querendo tirar vantagem, não dá passagem e costura pelas faixas para conseguir andar um pouco mais”, afirma Alberto de Souza, fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Quem vem de fora logo tem algo a dizer não apenas do fluxo intenso, mas sobre nossa relação íntima com ele.

Fernando Moraes

A poliglota do engarrafamento: professora de inglês para executivos, Adriana Longo decidiu preparar CDs com treinos do idioma para os alunos praticarem no tráfego. Acabou ela mesma aderindo à ideia: desde 2008, estuda no carro durante ao menos cinco horas semanais. Já aprendeu espanhol, iniciou francês e planeja, no ano que vem, praticar italiano

No livro “Manual de Sobrevivência em São Paulo”, lançado no fim do ano passado, a publicitária carioca Raquel Oguri se espanta: “Imagine que existe uma rádio que fica 24 horas no ar só com informações (sobre o tema)”.
Quando observamos os vizinhos de pista pelo retrovisor, o defeito que mais se nota (por 74%) é o egoísmo. A irritação com esse comportamento aparece em diversos tópicos da aferição, como em uma questão específica sobre brigas, em que são vários os relatos do tipo “eu estava tentando estacionar e a pessoa se apressou para colocar o veículo na vaga antes de mim”.
Em segundo lugar na lista de vícios está a imprudência, citada por 68%. O curioso é que um porcentual semelhante, 60%, admite cometer infrações com alguma regularidade. Dois em cada cinco motoristas contam fazer atividades enquanto estão no trânsito, várias delas perigosas, como maquiar-se ou ler um livro.
A professora de inglês Adriana Longo, que corta a cidade o dia todo para dar aulas a funcionários de multinacionais, arranjou uma maneira para otimizar esse tempo sem a reprovação dos “marronzinhos”. Põe para tocar CDs que ensinam idiomas. Já aprendeu espanhol, está praticando francês e planeja retomar o italiano. Mas e a atenção, como fica? “É como escutar música, não me atrapalha em nada”, afirma.
+ Raquel Oguri faz observações sobre nossa selva de lata em seu livro
+ Marronzinhos discutem a postura dos motoristas da cidade
Ainda no plano das confissões, apenas 4% assumem dirigir após ingerir álcool. A maior parte (87%), aliás, conta jamais ter sido parada em uma blitz da Lei Seca, o que reforça a impressão recorrente de que esse tipo de fiscalização não pegou em São Paulo.
Além de poucas e mal amparadas na legislação brasileira (condescendente com quem se recusa a passar pelo bafômetro), as batidas policiais são facilmente dribladas com a ajuda da internet. Só a página do Twitter LeiSecaSP, com dicas dos locais onde o teste está sendo aplicado, soma mais de 52.000 seguidores e chega a 1.200 mensagens trocadas em um único sábado.
“Não faço nada ilegal, apenas defendo o direito de ir e vir”, disse à reportagem o criador da conta, que se identifica simplesmente como Murilo M. O sucesso de público, contudo, não acompanha o de crítica, por motivos óbvios, entre eles o incentivo a duas infrações simultâneas: guiar, além de embriagado, manuseando o celular para trocar torpedos.

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Fernando Moraes

Capa 2271 - Confissões ao volante - Alexandre Ribeiro
Capa 2271 – Confissões ao volante – Alexandre Ribeiro ()

Pé no acelerador: condutor de ambulância, Alexandre Ribeiro reclama dos apressados que colam no veículo para tirar vantagem. No mês passado, foi o próprio velocímetro que o traiu. Ao ultrapassar o limite de velocidade da Avenida Radial Leste em 50%, quando não estava a trabalho, acabou perdendo a carta. “Ao menos fica a lição”

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Quase metade dos entrevistados assume o uso do telefone enquanto dirige, uma das maiores pragas no trânsito (entre 2002 e 2011, o total anual de multas para essa conduta arriscada triplicou, passando de 461.000).
Na praça de pedágio do quilômetro 18 da Rodovia Castello Branco, no sentido interior, a operadora de guichê Ana Kátia Gonçalves é testemunha privilegiada desse mau hábito. “Metade dos que passam por aqui está ligada em celular ou até em notebook. Se a placa for da capital, é certamente a maioria”, diz ela. “Muitos motoristas ficam tão distraídos que se esquecem de ir em frente após a cancela se abrir.”

Fernando Moraes

Capa 2271 - Confissões ao volante - Bianca Novack
Capa 2271 – Confissões ao volante – Bianca Novack ()
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Contra os estressadinhos: a publicitária Bianca Novack passa três horas por dia no carro e tenta não se irritar com a agressividade alheia. “Como sou loira, ouço todo tipo de xingamento”, diz. Em resposta, leva um nariz de palhaço na bolsa, que coloca no rosto quando toma uma fechada ou ouve impropérios. “É uma forma de responder com bom humor”

Nossas barbeiragens foram detectadas em estudo recente da companhia no qual a falta de “simancol” fica evidente. Quando questionados se davam seta ao fazer conversões ou mudar de faixa, 96% dos consultados afirmavam que sim. Em uma contagem em alguns pontos estratégicos da cidade feita no mesmo período, constatou-se que o índice real era de 60%. Quanto à faixa de pedestres, a disparidade foi ainda maior: 91% relatavam respeitá-la se alguém quiser atravessar, ante 27% que cumpriam tal obrigação.
Estudos comportamentais como esses não são frequentes na CET, mas, segundo especialistas, constituem uma prática importante na elaboração de estratégias. “É preciso entender as falhas e expectativas de quem dirige para organizar as rotas com o máximo de lógica”, diz o engenheiro Sergio Ejzenberg, que já atuou no órgão. Um exemplo comum em São Paulo: se o semáforo da frente está fechado e o seguinte fica verde, alguns podem se confundir e avançar antes da hora. “Nesses casos, há que considerar que motoristas afoitos estão longe de ser algo raro na cidade.”
 
PREFERIDAS, PRETERIDAS (ou as duas coisas) Veja as avenidas de que o paulistano foge e por quais ele opta sempre que pode, seja pela fluidez, pela qualidade do asfalto ou por outros motivos

Fernando Moraes

Capa 2271 - Confissões ao volante - Avenida Radial Leste - Avenida Paulista
Capa 2271 – Confissões ao volante – Avenida Radial Leste – Avenida Paulista ()

Avenida Radial Leste e Avenida Paulista: a preterida e a preferida, respectivamente

Qual é a melhor via da cidade*?
Avenida 23 de Maio……………………………….. 17%
Marginal Tietê ………………………………………  9%
Marginal Pinheiros …………………………………  7%
Avenida Paulista ……………………………………  7%
Avenida Jornalista Roberto Marinho ……………  6%
Rodoanel …………………………………………….  2%
Avenida Brigadeiro Faria Lima …………………..  1%
Avenida Sumaré ……………………………………  1%

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Fernando Moraes

Capa 2271 - Confissões ao volante - Avenida do Estado
Capa 2271 – Confissões ao volante – Avenida do Estado ()

Avenida do Estado: está na lista dos trechos que o paulistano evita

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E a pior*?
Avenida Radial Leste………………………………. 14%
Marginal Tietê ………………………………………. 12%
Avenida 23 de Maio…………………………………  8%
Avenida Rebouças ………………………………….  7%
Marginal Pinheiros ………………………………….  6%
Avenida dos Bandeirantes ………………………..  4%
Avenida Santo Amaro ……………………………..  2%
Avenida do Estado …………………………………  2%
* Válidas até duas opções de resposta
 
O que mostram as estatísticas Desde o ano passado, as multas de velocidade têm superado as de rodízio. Abaixo, as infrações mais comuns no primeiro trimestre
1º Excesso de velocidade 2º Desrespeito ao rodízio 3º Estacionamento irregular 4º Invasão da faixa exclusiva de ônibus

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