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Às vezes complica

Por Ivan Angelo
Atualizado em 14 Maio 2024, 12h06 - Publicado em 12 ago 2011, 20h40

Ser pai de meninas não é a mesma coisa que ser pai de meninos. Há um trabalho extra de atenção, de ficar ligado, e algumas dificuldades.

Quando estão muito pequenas, se um pai sai com elas sem a mãe, podem surgir problemas práticos, dos quais o mais dramático é o banheiro. Três alternativas se frustram nesse momento: o pai não pode entrar no toalete feminino, não convém que elas entrem lá sozinhas e no dos homens elas não podem entrar.

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O recurso ante o impasse é pedir a uma bondosa senhora que acompanhe as meninas e supervisione tudo o que se faz em um toalete, supervisão que nem sempre é agradável, seja para a senhora, seja para as meninas. Pior se forem tímidas.

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Já para as mães que saem com os pequeninos, banheiro não é problema: entram com eles no feminino, as mulheres não ligam.

Quando elas estão maiorzinhas, para cima de 8 anos, os pais recebem a missão de pôr um olho nelas durante as festinhas. Não que vá acontecer alguma coisa, mas as mães recomendam e cobram. Crianças somem, sabe-se lá o que estão fazendo, afligem-se as mães. Se não há perigos, não haverá danos maiores, mas mãe é mãe.

Então, para um pai de meninas, festinha de criança não é só beber cerveja com o cunhado e disputar a cotoveladas a bandeja de brigadeiros. É preciso ficar atento, ter uma resposta quando a mãe perguntar: cadê a Fulaninha? Se é menino, ela relaxa. Mãe é mãe.

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Quando crescem mais um pouquinho, 11, 12 anos, as mães, sabe-se lá se por ciúme, começam a grilar os pais com a atenção que eles dão às meninas, acham excessiva. Na reunião de pais da escola, ouviram dizer que a “figura paterna” tem de ficar atenta a essa “sedução inconsciente”. A preocupação é que as meninas não transferiram para os meninos o encanto que sentem pelo pai maravilhoso, até então único representante do sexo masculino na vida afetiva delas. Complicado, não?

Depois vem o ciúme dele. As meninas afinal se libertaram do pai sedutor e caíram nos braços talvez daqueles mesmos meninos que a mãe mandou vigiar nas festinhas. Agora ela acha que pode. Mãe é mãe. Agora é que ele acha que não pode, ainda são novas demais. Pai é pai. Ele acaba se acostumando e passa a conviver com a possibilidade de ser avô um dia.

O trabalho a mais de ser pai de moças não termina aí, porque chega a hora da inserção delas no mercado profissional. Mulher ganha menos do que homem, tem menos oportunidades, sofre mais assédio. É então que o pai sente mais forte a condição injusta, passa a apoiar ações das mulheres para mudar isso. É, dá trabalho.

Coisas mais divertidas ocorrem nesse percurso. Como aconteceu no cinema, com um senhor de meia-idade e suas filhas. Duas lindas moças, sedutoras, perfumadas. Elas sentaram-se nas duas únicas poltronas vagas, na penúltima fila, luzes já apagadas, trailer rolando. O senhor sentou-se na última fila, logo atrás delas.

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Na apresentação do filme principal, ele se inclinou até elas e ofereceu-lhes balas de uma caixinha. Elas não aceitaram, agradeceram sem se virar. Ele, antes de voltar à sua posição, comentou:

— Huum, que cheirinho bom o de vocês.

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Chupou uma bala, o filme começou, e passado um tempo inclinou-se de novo para oferecer bala às moças. Elas recusaram, e ele:

— Aceitem. Está uma delícia.

Não quiseram, ele se recostou no seu lugar. O rapaz que estava ao lado delas disse alguma coisa, uma respondeu, depois elas cochicharam entre si e caíram na risada. Várias vezes deram risadas abafadas. Riram ainda mais quando de novo o senhor ofereceu-lhes uma bala. Foi a última vez, ele achou que era falta de modos. Terminado o filme, luzes acesas, levantados, o senhor cobrou a razão de tanto riso. Elas esperaram o rapaz se afastar e, de novo rindo, contaram:

— Pai, quando você ofereceu bala pela segunda vez, esse rapaz, todo herói, disse que se “esse senhor” estivesse nos incomodando ele ia fazer você ficar quietinho no seu lugar.

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Não faltam heróis no mundo feminino.

E-mail: ivan@abril.com.br

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