Conhaque, o ouro líquido
Eau-de-vie feita de vinhos brancos, bebida volta ao topo da preferência dos paladares refinados
Em 1759, ao retornar de uma viagem à terra natal, o irlandês James Delamain teve uma ideia inebriante. Convenceu o sogro, Jean-Isaac Ranson, exportador de bebidas, a se voltar para a produção de conhaque. Três anos depois, a casa Delamain — uma das mais antigas destilarias do mundo — se estabelecia em Jarnac, cidade da região francesa de Grande Champagne, onde se cultiva a arte de transformar ugni blancs no líquido dourado batizado de “néctar dos deuses” pelo escritor Victor Hugo. Em Jarnac, permanecem as casas com paredes de pedra e as adegas frias onde descansam os blends dessa cepa. Sem falar nos herdeiros de Delamain, como Charles Braastad, que comanda uma equipe de vinte pessoas.
Braastad adora salientar que, do seu château, sai em um ano o equivalente ao que a líder de mercado produz em dois dias. O diretor da destilaria não revela números. Mas, por ano, a Hennessy, a número 1 do ranking e que está em funcionamento desde 1765, vende 50 milhões de unidades no mundo todo. A cifra equivale a um terço das garrafas desse destilado comercializadas no ano passado e à soma das vendidas pelas casas Martell, Rémy Martin e Courvoisier. Em 2010, a exportação da bebida chegou a 4,3 bilhões de reais, principalmente para Estados Unidos, China e Inglaterra.
“O negócio é lucrativo, mas investir em conhaques hoje seria uma insensatez”, diz a engenheira agrônoma Véronique Lemoine, fundadora de um clube de degustação da bebida e consultora do mercado na França. Os motivos, segundo ela, são justamente os que fazem subir a cotação desse ouro líquido: a produção demora décadas, é difícil e caríssima. “É preciso muita paciência”, diz. O envelhecimento em barris de carvalho pode levar cinquenta anos, tempo no qual o conhaque vai se tingindo de tons de âmbar. Os mais jovens remetem a aromas de flores, baunilha, madeira e frutas. Quando chegam perto dos vinte anos, pronunciam-se os perfumes de frutas secas, balsâmicos (resina, cera) e especiarias. Conhaques velhos desenvolvem um aroma chamado de “rancio”, que designa o caráter complexo adquirido pelo longo envelhecimento.
Cabe ao administrador de cada adega remanejar os barris para umidades e temperaturas diferentes e assim “orientar” o envelhecimento das eaux-de-vie. No Château de Cognac, a 400 quilômetros de Paris, há exemplares com 190 anos. “São como tesouros líquidos”, diz Philippe Jouhaud, diretor da empresa fundada em 1795 pelo barão Jean-Baptiste Otard e famosa pelos sabores florais. Em casos como o do Louis XIII Black Pearl Limited Edition, da Rémy Martin, não há exagero na expressão. Na garrafa de cristal Baccarat flutua um blend de uvas de quarenta a 100 anos — e para prová-lo é preciso desembolsar 30.000 reais. Normalmente, os conhaques são produzidos com misturas de destilados de várias idades. É o que determina a classificação: VS (Very Special), quando o destilado mais jovem tem dois anos; VSOP (Very Superior Old Pale), mínimo de quatro anos; XO (Extra Old), mínimo de seis anos e meio; e Paradis, Age Inconnu ou outros nomes-fantasia, para os mais velhinhos.
Desde 1909, por lei, só se pode chamar de conhaque a bebida produzida na região de Cognac, que abrange as cidades de Saintes e La Rochelle. A forma de degustar variou, ao longo dos séculos, ao sabor da moda. No começo do século XIX, era comum diluí-lo em água ou soda e sorvê-lo em copos longos. Perto da virada do século XX, os gentlemen que frequentavam clubes ingleses passaram a bebê-lo puro, como digestivo. O hábito de aquecer o copo baixinho com as mãos é francês e surgiu por volta de 1910. Hoje, recomenda-se apreciá-lo em temperatura ambiente. Mais importante é cultivar o tempo de degustação, como os bons produtores o fazem para chegar à bebida final. A diferença é que, em vez de décadas, basta esperar meia hora.
PARA BEBEDORES DE BOM GOSTO
LE VOYAGE (Mistral, estimado em 7.700 reais).
Uma raridade: foram produzidas 500 unidades com conhaques de grande envelhecimento, vendidos em garrafas de cristal Baccarat e embalados em maletas de couro.
MARTELL XO. (Pernod Ricard, cerca de 400 reais). Este XO (Extra Old) combina conhaques de longo envelhecimento das regiões de Borderies e Grande Champagne, alcançando alta complexidade.
MARTELL NOBLIGE (Pernod Ricard, cerca de 270 reais).
Um conhaque de “Qualite Superieur”, acima dos VSOPs, elaborado com uvas da região de Borderies, que conferem um caráter mais floral.
COURVOISIER VSOP (Pernod Ricard, 220 reais).
Um VSOP elaborado com conhaques de Fine Champagne, mais leves e femininos que os de Grande Champagne.