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Corinthians: a raça de Wladimir veste a 4

Recordista de jogos com a camisa do Corinthians, o ex-lateral esquerdo Wladimir se orgulha de ter jogado com costela quebrada, tornozelo inchado, 39 graus de febre...

Por Henrique Skujis
Atualizado em 5 dez 2016, 18h50 - Publicado em 30 abr 2010, 21h08

Nome: Wladimir Rodrigues dos Santos

Nascimento: São Paulo (SP), 29/8/1954

Posição: lateral esquerdo

Período: de 1972 a 1985 e 1987

Jogos: 805 (372 vitórias, 256 empates, 177 derrotas)

Gols: 32

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Títulos pelo Corinthians: quatro Paulistas (1977, 1979, 1982 e 1983)

 

A dor era na sola do pé. Aguda, “como se o nervo quisesse saltar”. Olhando para trás, para os últimos jogos, nenhuma torção, nenhum “pisão”, nenhum mau jeito. Nada. Mas lá estava ela, atazanando a planta do pé direito do lateral esquerdo do Corinthians nos embates do Campeonato Paulista de 1975. O departamento médico do clube já lançara mão de pomadas, remédios, compressas, massagens… Nada dava jeito. Mais uma vez, a despeito das recomendações do médico Osmar de Oliveira, o camisa 4 do time pisaria no gramado com o pé de apoio latejando do calcanhar ao dedão. Mas ele estava acostumado. “Aprendi a administrar a dor”, lembra Wladimir Rodrigues dos Santos, o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Corinthians. “Para mim, o sofrimento dentro de campo sempre foi menor que a tristeza de assistir ao jogo do lado de fora.” Entre 1972 e 1987, ele vestiu o manto sagrado alvinegro 805 vezes. “Sou muito orgulhoso desse título. O que me deixa mais feliz, no entanto, é a maneira pela qual cheguei a ele”, diz o ex-jogador, hoje secretário municipal de Esportes de São Sebastião, no Litoral Norte paulista. “Joguei com costela quebrada, tornozelo inchado, 39 graus de febre… Nada me tirava de um jogo.” 

Ronaldo Kotscho

O lateral esquerdo em foto clássica, de 1983, ano em que o Timão foi bi estadual: “Para mim, o sofrimento dentro de campo sempre foi menor que a tristeza de assistir ao jogo do lado de fora”

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 Por essas e por outras, ele torce o nariz para o rodízio de titulares, tão comum nos times hoje em dia. “Estamos em abril e tem jogador que só entrou em campo cinco vezes. ” Wladimir também ostenta o maior número de jogos consecutivos pelo clube: 161 combates sem uma única ausência. A assídua frequência dentro das quatro linhas nunca afetou sua regularidade. “Ele jogava como um relógio: era preciso e correto”, afirma o jornalista Paulo Guilherme, autor do livro ‘Os 11 Maiores Laterais do Futebol Brasileiro’, entre os quais está Wladimir. “Sua primeira função era marcar o ponta adversário, e isso ele fazia com perfeição.” Combativo na defesa e eficiente no ataque, sempre teve o perfil exigido por técnicos e, principalmente, torcedores. A raça simbolizada pelos carrinhos — o identificava tanto com a arquibancada que, apesar dos meros 32 gols com a camisa do Timão (média de dois por ano), é presença certa na seleção alvinegra de todos os tempos. “O carrinho era o único jeito de parar Cafuringa, Terto, Nilton Batata, Lúcio, Renato Gaúcho…”, justifica Wladimir, citando os mais velozes pontas-direitas de sua época. A despeito dos duelos homéricos com essa esquadra, levou apenas quatro cartões vermelhos na carreira. “E dois foram injustos”, garante. Aos 55 anos, ele joga semanalmente pelo masters do Corinthians. Diariamente, corre 5 quilômetros e nada meia hora no mar de Guaecá, onde mora de segunda a sexta-feira. “Ah, se eu tivesse 10% do preparo físico dele…”, diz o companheiro Sócrates. Casado há trinta anos com Roseli dos Santos, tem três filhos. O mais velho, Gabriel, de 28 anos, seguiu a profissão do pai. Começou a carreira no São Paulo, atuou no Fluminense e no Málaga (Espanha) e hoje joga no Panathinaikos (Grécia).

Fora do gramado, Wladimir sempre se destacou pelo perfil politizado — coisa rara atualmente e também naqueles tempos de regime militar. Em 1975, entrou para o Sindicato dos Jogadores Profissionais, no qual chegou à presidência. “Levamos informação, assistência jurídica e consciência de classe aos atletas de todo o estado.” Na década de 80, liderou, ao lado de Sócrates e Casagrande, a Democracia Corintiana, um dos mais bem-sucedidos e controversos episódios da história do futebol brasileiro. Anos mais tarde, filiou-se ao PT e assumiu a diretoria do Pacaembu. “Logo tratei de divulgar que a pista, a piscina, o ginásio e as quadras de tênis eram públicos, com acesso liberado para a população.” Em 1991, pelo PMDB, candidatou-se a vereador. Somou 4 000 votos e não foi eleito. Tornou-se secretário municipal de Esportes de Cotia e, depois, de Carapicuíba. Com discurso de político, fala de suas gestões: “Conseguimos proporcionar esporte à população de baixa renda e passar a mensagem de que ele significa saúde e qualidade de vida”. Nas últimas eleições municipais, tentou novamente a vereança paulistana, dessa vez pelo PCdoB. O eleitorado aumentou 50%, mas novamente Wladimir não levou.

Filho de pedreiro e de empregada doméstica, Mimi (como era chamado em casa, quando criança) deu os primeiros chutes aos 10 anos, em campeonatos entre paróquias da Zona Oeste. Passou a bater bola na várzea e logo foi levado para enfrentar a peneira do Corinthians. “O teste foi no gramado da Fazendinha”, recorda. Com 15 anos e mirrado, ouviu que não tinha altura de atleta. Mostrou, com o perdão do chavão, que tamanho não é documento e conquistou uma vaga no time dente de leite (atual juniores). Dois anos depois, em 1º de junho de 1972, prestes a completar 18 anos, estreou entre os profissionais contra o Besiktas, da Turquia, durante uma excursão pela Europa. Em 1977, defendeu a seleção brasileira no empate de 0 a 0 contra a Colômbia, em Bogotá, pelas eliminatórias para a Copa. O resultado derrubou o técnico Osvaldo Brandão. E nunca mais Wladimir foi convocado.

Naquele mesmo ano, o lateral, que por contingências profissionais acabara de largar a faculdade de educação física a apenas um semestre do diploma, viveria seu momento mais glorioso. Nascido em 1954, nunca havia visto o Corinthians ser campeão. E quis o destino que ele estivesse em campo naquela noite de 13 de outubro de 1977 para protagonizar o jogo mais lembrado da história do clube. Aos 36 minutos do segundo tempo, após o cruzamento de Zé Maria, a bola ficou a 1 metro de sua cabeça. Wladimir subiu e testou forte, com endereço certo. A bola encontrou o corpo de Oscar, zagueiro da Ponte, e sobrou para Basílio encher o pé e tirar o Corinthians da fila. “Claro que queria ter feito aquele gol e ter jogado mais pela seleção”, diz. “Mas sou extremamente feliz com minha carreira. E me sinto muito recompensado quando olho minha história com o Corinthians.” Como Wladimir curou aquela dor na sola do pé? “Fui a um centro espírita, e a entidade pediu que eu passasse sebo de carneiro. Em pouco tempo, não sentia mais nada.” Desde aquele dia, Wladimir Rodrigues dos Santos usa roupa branca às sextas-feiras para reverenciar Oxalá. “Se não fosse o sebo de carneiro, talvez eu não tivesse o título de recordista de jogos pelo Corinthians.”

+ Confira todas as matérias do especial ‘Corinthians: Uma Paixão que se Renova’

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