Os detalhes do desenvolvimento da vacina contra a dengue
Para conseguir entregar o produto em 2016, o Instituto Butantan solicitou em caráter de urgência à Anvisa permissão para começar a última fase de testes
Nos quatro primeiros meses do ano, a capital registrou oito mortes e 38 927 casos de dengue. O número é mais do que o dobro dos 14 219 episódios confirmados na mesma época do ano passado. Tamanho crescimento pôs a cidade em situação de alerta máximo no começo de abril.
Em alguns distritos, o problema é gravíssimo. Na Brasilândia, por exemplo, a incidência chega a 1 879,9 casos para cada 100 000 moradores— a Organização Mundial da Saúde considera que há epidemia quando esse índice está acima de 300. A metrópole está longe de ser um caso isolado. De acordo com dados do Ministério da Saúde, houve um aumento de mais de 200% nas ocorrências no país, em comparação ao mesmo período de 2014.
Atualmente, a batalha contra a dengue está focada no combate ao mosquito transmissor, o Aedes aegypti. Isso é feito com o uso de inseticidas e o extermínio dos criadouros, aqueles recipientes com água limpa e parada. Uma opção mais eficaz, entretanto, pode estar muito próxima.
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Em parceria com Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês), o Instituto Butantan, na Zona Oeste, desenvolveu uma vacina tetravalente, que seria capaz de imunizar as pessoas contra os quatro tipos do vírus. O produto é uma formulação em pó produzida com os microrganismos geneticamente atenuados (versões enfraquecidas que apresentam baixo potencial para desenvolver a doença).
Desde 2013, o remédio está em período de testes clínicos em humanos, sob a tutela do Hospital das Clínicas de São Paulo. Com previsão de término em 2015, essa é a segunda de três etapas obrigatórias para que seja liberado para comercialização. A fim de tentar acelerar o processo e conseguir entregar a vacina em 2016, o instituto solicitou no dia 10 de abril à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em caráter de urgência, a permissão para iniciar a terceira e última etapa dos estudos, mesmo com a segunda fase ainda em andamento. O órgão tem 45 dias para dar a resposta.
“O trâmite burocrático apenas para começar a segunda etapa de testes levou dezoito meses”, conta o imunologista Jorge Elias Kalil Filho, diretor do Butantan. Ou seja, na prática, o Instituto está pedindo à Anvisa que abra uma exceção ao seu protocolo. O tamanho do problema é o principal argumento usado na ação.
Para o infectologista Artur Timerman, que estuda o assunto há mais de dez anos, a vacina da dengue tem peculiaridades, por ser formulada com quatro vírus que causam a mesma doença. Por isso, exige estudos meticulosos e que sigam à risca as práticas de pesquisa. “Não se podem pôr pessoas em risco”, diz.
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Segundo o protocolo-padrão da Anvisa, não é possível que uma etapa comece sem a finalização da anterior, pois normalmente os estudos finais são desenhados com base nos resultados da fase dois — momento em que se avalia se houve uma resposta imunológica com a produção de anticorpos. No caso da dengue, o estudo precisará ser feito para os quatro vírus. “Queremos abreviar esse processo, não pular etapas”, justifica Kalil Filho.
A etapa dois da vacina teve início em outubro de 2013 no Hospital das Clínicas. Dos 300 voluntários exigidos, 220 deles, com idade entre 18 a 59 anos, foram imunizados: 75% receberam a vacina e o restante, um placebo. Eles estão divididos em dois grupos: os que tiveram e os que nunca desenvolverama doença. “Queremos saber se quem já contraiu dengue ficará protegido contra os demais tipos”, diz Esper Kallás, infectologista responsável pelos testes clínicos.
Dados preliminares confirmam que a vacina não traz riscos à saúde e dão indícios de que houve uma resposta imunológica. “Até o momento, não temos registro de nenhum efeito colateral significativo”, relata Kallás. As reações mais comuns são alguma vermelhidão pelo corpo e dores no local da aplicação. Sintomas similares aos da doença foram raros e leves. “Como não sei qual paciente tomou placebo, não posso associar com certeza esses sintomas à vacina”, explica Kallás. Todos os participantes serão acompanhados por cinco anos.
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De acordo com Kalil Filho, esses resultados preliminares seriam suficientes para o início da fase três. Na última leva de estudos, serão imunizadas aproximadamente 17 000 pessoas em quinze centros espalhados em diversas regiões do país. “É importante que aproveitemos esse período de epidemia para testar a vacina”, afirma o diretor do Butantan.
Um produto concorrente, fabricado pelo laboratório Sanofi-Pasteur, já cumpriu os prazos e teve o pedido de registro (autorização para a comercialização) protocolado em março deste ano. Está sob análise da Anvisa.
Na expectativa de que a vacina seja aprovada em breve e distribuída via SUS, o Instituto Butantan se prepara para uma eventual produção em massa. Em uma fábrica adaptada do complexo poderão ser feitos até 12 milhões de doses por ano. Há ainda o planejamento de outra unidade, essa com capacidade para 50 milhões de doses. “Milhares de pessoas adoecem todos os anos, algumas de maneira grave”, afirma Kalil Filho. “Como não ter pressa?”
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CENÁRIO PREOCUPANTE
A capital já acumula mais casos de dengue do que em todo o ano passado
› Casos confirmados: 38 927 (2015) e 28 990 (2014)
› Mortes: oito (2015) e catorze (2014)
› Distritos campeões de registros: Brasilândia (Zona Norte), Pari (centro) e Raposo Tavares (Zona Sul)
› Tipo do vírus prevalente: dengue 1
› Orçamento para prevenção: 69 milhões de reais
› Equipe de combate: 2 500 agentes e cinquenta soldados do Exército
+ Confira as últimas notícias da cidade
LONGO CAMINHO
As etapas dos testes clínicos do medicamento
Fase 1: estudo realizado nos Estados Unidos para averiguar riscos à saúde
Voluntários: 700 pessoas
Período: 1999-2010
Fase 2: avaliação de segurança e de resposta imunológica no organismo
Voluntários: 300 pessoas
Período: 2013-2015
Fase 3: confirmação da eficácia na prevenção contra a doença
Voluntários: 17 000 pessoas
Período: 2015-2016 (estimativa)