Dona do Spa Hara assume calote: “Sou falida, sim. Golpista, nunca”
A empresária Ana Massardi, proprietária do espaço luxuoso nos Jardins, propõe a clientes lesados que "drenem as mágoas" e culpa funcionários por ter quebrado
Em vinte anos de história, o Hara Spa proporcionou a sua clientela abastada os benefícios de tratamentos como massagens com pedras vulcânicas e banho de vinho no ofurô, em sessões que custavam, ultimamente, 240 reais. O trabalho coordenado pela proprietária, Ana Luisa Massardi, que ficou então conhecida como Ana Hara, fez fama e conquistou um leque de personalidades, no qual constavam da atriz Ellen Rocche à apresentadora Ana Maria Braga. Hebe Camargo, que creditava às suas sessões de drenagem linfática o fato de ter cintura “pela primeira vez na vida”, foi atendida por Ana até alguns dias antes de sua morte, no quarto onde ficou internada, no Hospital Albert Einstein, em 2012.
Antes, fora frequentadora assídua da luxuosa sede do Jardim Europa, ornamentada por lago com carpas, estátuas orientais, paredes multicoloridas e bangalôs, e considerada um dos maiores templos de relax da elite paulistana. Até o início deste ano. Desde então, o Hara se tornou sinônimo de stress. Quem chegava ali no dia 6, quando o lugar deveria ser reaberto após o recesso de fim de ano, encontrava uma placa de “aluga-se” pendurada na porta. Na parte interna da casa, o ambiente era de depredação. Até mesmo pias e vasos sanitários desapareceram.
Dias antes, algumas clientes receberam um e-mail em tom dramático assinado pela empresária, que começava assim: “Saiu de casa com 18 anos. Uma menina nova, da Zona Norte de São Paulo, cheia de vontade de massagear o mundo”. Era um relato sobre sua trajetória, da garota “ingênua, pura e sonhadora” que “num piscar de olhos construiu um império do bem”.
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Em seguida, a mensagem descrevia a luta “pela sobrevivência em um mercado hostil e gélido”, cheio de fregueses que combinavam com funcionários, sem que ela soubesse, atendimento em domicílio, “para economizar centavos”, e empregados “tentando fazer aposentadoria na Justiça do Trabalho”. No fim, a bomba: não abriria mais as portas do spa. Havia pedido falência em 28 de dezembro.
Segundo o processo, a empresa era avaliada em 2,7 milhões de reais. Ana fala que a quebradeira começou com a mudança de sede, em 2005 (antes, o negócio funcionava no Itaim Bibi). O aluguel chegou a 80 000 reais. A situação teria piorado com a abertura de uma unidade dentro de um hotel em Búzios, em 2010, que não engrenou. Dois anos depois, uma franquia do Hara Spa, capitaneada por uma ex-cliente, completou o drama. “Ela não seguiu o manual de 250 páginas sobre o estilo Hara que escrevi pessoalmente e precisei assumir o negócio”. Em paralelo, para sair do buraco, ela conta que teria feito múltiplos empréstimos ao longo dos anos, até acumular 5 milhões de reais em débitos. “Acreditei até o último minuto que chegaria um investidor para reverter a situação.”
As queixas sobre os funcionários se estendem aos últimos suspiros do empreendimento: ela diz que, ao saberem que o salário de dezembro e o décimo terceiro, que estavam atrasados, nunca seriam pagos, os profissionais roubaram equipamentos como TVs e foram os responsáveis por depredar o local. Eles refutam a acusação. “Só conseguimos pegar as nossas coisas que estavam nos armários e chorar”, defende- se uma das 31 empregadas, que não quis se identificar. “Estamos juntando as provas para entrar com processo trabalhista”, afirma Fábio Miranda, advogado dos trabalhadores.
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Em outra frente de batalha, clientes estão revoltados com os prejuízos. No fim do ano, o Hara havia vendido pacotes de até quarenta sessões, ao custo aproximado de 3 500 reais. “Ana ficava incentivando todo mundo a comprar as promoções”, reclama a executiva Solange Beletatti, que criou uma página no Facebook chamada Calote Hara Spa, com cerca de 300 membros, e relata ter amargado um prejuízo de 2 360 reais. “Como empresária, fiquei com pena, mas depois ela desapareceu”, pondera a proprietária da rede de pizzarias Sala Vip, Renata Delbosque, que frequentava o estabelecimento havia mais de dez anos e perdeu 2 000 reais em tratamentos estéticos.
Na quarta (15), Ana recebeu VEJA SÃO PAULO em Itu, a cerca de 100 quilômetros da capital. A empresária reconhece o calote nos consumidores, pelo qual diz “sentir muito”, sem prometer ressarcimento. “Drenem as mágoas e vamos seguir nossas vidas”, propõe. “Sou uma mulher honesta. Falida, sim. Golpista, nunca.”
Em seu desabafo, não faltam provocações à própria clientela. Reforçando o que escreveu, lamenta ter atendido muitos de graça ou por meio de permuta, já que “a crise atingiu boa parte dos ricos da cidade”. O designer de acessórios Lenny Mattos, um dos citados por ela, confirma que trocou bolsas e sapatos de sua grife por tratamentos. “Mas não abri falência nem estou devendo a ninguém”, devolve. A socialite Beth Szafir, outro alvo de suas alfinetadas, também diz que é verdade que não pagava nada para relaxar no spa. “Eu ganhava os tratamentos, pois trazia retorno com a minha imagem.”
Sem dinheiro nem trabalho, Ana Hara conta que vive com o salário do marido, o hair stylist Fernando Hara. “Hoje ninguém pode me tirar mais nada, a não ser a vida.” O casal mora em uma mansão na cidade do interior avaliada em cerca de 1,5 milhão de reais. O imóvel, porém, é financiado e está à venda: segundo ela, apenas trinta das 300 prestações de 5 000 reais foram quitadas. “Daqui a três meses, terei de deixar a casa e não sei o que acontecerá comigo.”
Contudo, para sustentar seus três filhos adotivos e catorze cachorros, promete não poupar esforços: “Estou procurando emprego como executiva em gestão de negócios, mas venderia hot-dog na praça do orelhão de Itu, como o Félix (personagem da novela Amor à Vida), para não abrir mão dos meus filhos e dos meus bichos”.