— Você viu aquilo? — pergunto ao historiador Antônio Pedro Tota, na Avenida Sumaré, pouco antes de chegar à Praça Irmãos Karmann.
Descíamos a pé, já no embalo, pelo canteiro central. Fazíamos o cooper. Não vou dizer que corríamos. Seria mentira. Mas o passo estava acelerado. Daí a minha dúvida.
— Vi — responde o professor.
— Era um porco?
— Era.
— Solto?
— Solto. Sem coleira.
— Pode isso, professor?
— Não sei. A Constituição brasileira é detalhada, mas não sei se exige coleira em porco nas áreas urbanas — brinca.
— Existe coleira para suínos? — insisto.
— Nunca vi.
O canteiro central da Avenida Sumaré vira uma festa no fim do dia durante o verão, sempre que faz calor, aliás. São pedestres, ciclistas, cachorros, skatistas, jovens, idosos, homens e mulheres. Em meio a isso tudo, no auge do movimento, alguém teve a ideia de levar um porco para passear ali. Era um jovem, o dono, de uns 20 e poucos anos. Passamos rápido, mas, pelo que pude perceber, ele estava acompanhado de uma mulher. O bicho era de tamanho médio. Em pé, sobre as quatro patas, devia ter meio metro de altura. Pareceu-me limpinho e penteado, como se tivesse saído do salão de beleza. Mas aí pode ser coisa da minha imaginação. Não sei se existe pet shop para suínos. Nem sequer tenho muito critério para avaliar a limpeza de um porco. Mas isso passou pela minha cabeça.
O negócio atiçou a curiosidade do povo que por ali caminhava. Havia em volta uma certa muvuca. Mudou a nossa conversa. Aproveitei a presença do intelectual ilustre para lhe fazer uma pergunta. Sou metido a brasilianista, como você pode ter percebido em outras crônicas minhas. Mas Tota é professor de história na PUC de São Paulo há décadas, autor de diversos livros, entre eles Imperialismo Sedutor, que trata com originalidade a americanização da cultura brasileira à época da II Guerra Mundial. Desconfiava eu que o porco era proveniente das rivalidades do futebol paulistano. Mas não sabia dizer se o dono seria torcedor do Palmeiras ou do Corinthians. Foi essa a pergunta que fiz ao Tota. Para minha decepção, o professor também não conseguiu responder. O futebol não é seu assunto predileto, lembrei-me. Se o dono ainda estivesse no canteiro central na volta, na subida, eu lhe perguntaria. Tudo em nome da cultura paulistana.
Mas ele sumira. Não havia sinal do animal, nem do proprietário. No dia seguinte, perguntei a Rose, que cozinha lá em casa. Corintiana entusiasmada, ela é bem informada. Ouviu a minha história com paciência e perguntou: “Na coleira?”. “Não, sem coleira”, respondi, como se isso fosse relevante. “O cara é corintiano”, concluiu. Meu dentista, Andrés, também alvinegro, concordou. “Mas o porco é palmeirense”, emendou durante a consulta.
Na redação da revista NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, onde trabalho, as conclusões foram contrárias. “Naquela região”, ponderou o designer gráfico e são-paulino Roberto Sakai, lançando mão da força explanatória da geografia, “imagino que seja palmeirense”. O editor-assistente e torcedor do Verdão Thiago Medaglia chegou à mesma conclusão. Marta Magnani, revisora, lembrou-me que está na moda criar porco.
Seja como for, há algo de dadaísta no ato de levar um bicho desses para o canteiro central de uma grande avenida em uma metrópole pulsante ao cair da tarde. O gesto me deixou feliz de viver em São Paulo. Tudo pode acontecer aqui.