‘Pokémon Go’: histórias e curiosidades sobre o fenômeno do momento
Jogo que chegou à capital na quarta (3) bate recordes mundiais de downloads, faturamento e falta de noção, com usuários assaltados e batendo carros
Por volta das 18h30 da última quarta (3), espalhou‑se a notícia de que o jogo para smartphone e tablet Pokémon Go, febre mundial, estava enfim disponível no país. Minutos depois, a Avenida Paulista começou a ser tomada por jogadores que miravam seu celular para todo canto. Graças ao sistema de realidade aumentada, alinhado ao sinal de GPS, a diversão consiste em caçar pelas ruas personagens como o boneco amarelo Pikachu, do desenho animado que fez sucesso no fim dos anos 90.
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“Conheci o game nos Estados Unidos e estava ansiosa para experimentá‑lo aqui”, dizia a estudante Carolina Ferreira, que brincava perto da Faculdade Cásper Líbero. O publicitário Hilário Júnior relatou ter ficado tão entretido com a captura do morceguinho Zubat que teve seu iPhone 6S recém-adquirido roubado na noite da estreia da brincadeira, na altura do cruzamento com a Alameda Campinas. “O ladrão passou de bicicleta e arrancou o aparelho da minha mão.”
Na manhã seguinte, dezenas de estudantes concentravam-se em frente ao Colégio Etapa, na Vila Mariana. O Parque do Ibirapuera está entre os points dos fãs. Por volta das 10 horas de quinta (4), só em frente ao planetário havia 25 jovens, de 15 a 25 anos.
Além do Pikachu, a mais popular das criaturas, a novidade tem outros 150 exemplares da franquia Pokémon, criada em 1996, no Japão, em um videogame portátil da Nintendo, que logo conquistou status com crianças e adolescentes no mundo todo. O enredo originou dezenas de jogos, além de dezoito filmes no cinema. No Brasil, a marca ficou bem popular a partir de 1999, quando o desenho animado estreou na Rede Record e atingia com frequência a liderança no ibope.
Pokémon Go, lançado em 6 de julho, inicialmente na Nova Zelândia, na Austrália e nos Estados Unidos, logo se transmutou em fenômeno sem paralelo na era dos smartphones. Em dezenove dias, chegou a 50 milhões de adeptos — o recorde anterior era de 77 dias, entre games de celular (hoje o número supera os 100 milhões).
A ansiedade pela estreia viralizou por todos os continentes, mas a dos brasileiros se tornou notória depois que um grupo de hackers invadiu a conta de Twitter do CEO da desenvolvedora Niantic, nos Estados Unidos, e postou mensagens cobrando a vinda do jogo para o país, a 38ª nação a ter essa “graça” alcançada. No dia seguinte à chegada do jogo ao Brasil, o game já era o aplicativo em dispositivo iOS mais baixado do país — o segundo e o terceiro no ranking também são programas complementares ao jogo (um simulador e um “radar” para ajudar na caça).
Como o desafio mostra interação com cenários da vida real, o usuário é estimulado a percorrer as ruas a fim de localizar os personagens e capturá-los com as pokébolas. A quantidade dessas esferas, que fazem as vezes de gaiolas, é limitada, e para conseguir novas é preciso passar em um local cadastrado por geolocalização como pokéstop (em São Paulo, “instalados” em lugares variados, da sex shop Sensually de Moema a ruas da Cracolândia) ou comprá-las no app.
Colocar a mão no bolso, aliás, é condição quase obrigatória para agarrar as criaturinhas difíceis. É possível adquirir pacotes entre 3,17 e 317 reais, no câmbio atual, a fim de comprar itens como incenso, que ajuda a “atrair” os bichos. Alguns dos seres têm um habitat específico — os de grama são comuns em parques, por exemplo. O objetivo é capturar todos os 151 pokémons (133 estão disponíveis na capital). Não há relato de que alguém tenha realizado o feito no mundo até agora.
Os responsáveis pelo produto devem lançar, em um futuro próximo, novas safras de monstros, de modo a manter a brincadeira quase no modo infinito. Além de percorrer localidades diferentes em busca de exemplares, é possível lutar com outros jogadores. O vencedor da batalha fica com os monstrinhos do adversário derrotado.
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No mundo todo, o jogo se tornou uma loucura, no sentido específico do termo. Um vídeo disponível no YouTube mostra dezenas de fãs chegando desesperados ao Central Park, em Nova York, abandonando os carros ainda ligados. O motivo da sangria desatada era o aparecimento repentino de um vaporeon, espécime “raro”. Aglomerações parecidas se repetiram em metrópoles como Hong Kong.
Atenta aos acontecimentos relacionados com o game, a cantora caribenha Rihanna pediu a fãs que interrompessem o vício durante seus shows. O Museu do Holocausto de Washington teve de proibir a bagunça, considerando-a “extremamente inapropriada” em um memorial dedicado a vítimas do nazismo. Há duas semanas, John Kirby, porta-voz do governo americano, interrompeu um pronunciamento para a imprensa sobre o grupo terrorista Estado Islâmico para repreender um jornalista que brincava na sessão.
Alguns jogadores encontraram mais do que esperavam em sua caçada. No Estado americano de Wyoming, uma garota achou um cadáver em um lago enquanto buscava um exemplar aquático, em 8 de julho. Uma semana depois, algo parecido aconteceu com três meninas na Califórnia. Em um dos vários acidentes de carro cometidos por motoristas que caçavam pokémons (alguns dos bonecos virtuais são bons de corrida), um jovem australiano se chocou contra uma escola em Melbourne. “Qualquer pokébola, ovos ou poções que o motorista tinha sobrando apenas atraíram a polícia, deixando os pokémons selvagens para outro dia”, ironizou a porta-voz da segurança local.
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Em cidades como a canadense Quebec, as autoridades emitiram comunicados solicitando que os usuários evitem se enfiar em locais inseguros. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, pediu à Niantic que bloqueasse a inscrição de pessoas com histórico de crimes sexuais, como faz o Facebook. A preocupação é que estupradores e pedófilos usem o aplicativo a fim de buscar a aproximação de vítimas. No Brasil, astrapalhadas já começaram. Na Câmara dos Deputados, um homem foi flagrado caçando um Rattata durante discurso do juiz Sergio Moro. E os relatos de roubo de celular se espalham por todo canto.
O capital da Nintendo, que detém 32% das ações da Pokémon Company, cresceu em 12 bilhões de dólares. Na bolsa americana, as ações da companhia acumulam 50% de ganhos no período. O produto rende 10 milhões de dólares por dia, segundo estimativas de mercado. A multiplicação de valores é incalculável, com a abertura para que estabelecimentos comerciais paguem para ser cadastrados como pokéstops ou “ginásios” virtuais, onde os caçadores podem selecionar monstros para duelar entre si. O McDonald’s assinou contrato para ter essa função em estimadas 3 000 lanchonetes do Japão.
Por aqui também há gente pegando o vácuo da onda para faturar. O estudante Luiz Paulo Boscariol viu na febre a chance de bombar sua loja on-line Lubss, que vende desde 2014 réplicas artesanais de pokébolas a cerca de 300 reais, produzidas em um ateliê na Casa Verde, confeccionadas com alumínio e pintura automotiva. “Estamos vendendo quatro vezes mais”, contabiliza Calvin Motta, que trabalha com Boscariol.
O negócio é mesmo uma usina de dinheiro. Os fãs aumentam o plano de dados do aparelho ou compram carregadores portáteis para não ficar sem bateria no meio da rua. O técnico de som David Kovich investiu 2 500 reais em smartphone e notebook novos — quer filmar seu desempenho e postar vídeos no YouTube.
A ansiedade pela chegada do jogo ao Brasil fez gente perder o sono. “Eu dormia duas horas a menos por dia esperando o servidor funcionar”, lembra Gabriel Souza. Ele mora com os amigos Gabriel Böhm e Matheus Borges em uma república com outros seis jogadores profissionais do videogame League of Legends, no Jardim Europa. A empresa de serviços Get Ninjas, dos Jardins, abriu seleção para quatro vagas de estágio como “mestres pokémon”, entendedores do game que criem projetos similares de realidade aumentada (salário mensal entre 1 500 e 2 000 reais). Daí, acredita-se, poderão sair “genéricos do Pokémon” ou outros produtos do tipo. A brincadeira está só começando.
COMO FUNCIONA
Glossário para entender o fenômeno e começar a jogar
Pokémons. São monstrinhos com poderes especiais que respondem ao comando de seus treinadores depois de ser capturados.
Pokémon Go. O app pode ser baixado gratuitamente na AppStore ou no Google Play. Os personagens ficam espalhados por diversos locais. Basta mirar a câmera para algum dos pontos cadastrados e arremessar as pokébolas nas criaturas.
Pokébola. É a gaiola usada para capturar os bichinhos. Vermelhas e brancas, deixam os pokémons “guardados” até a próxima batalha. Em Pokémon Go, sua quantidade é limitada e, para recarregar o estoque, é preciso pagar ou recorrer aos pokéstops.
Pokéstop. É um ponto estratégico do jogo, onde podem ser encontradas iscas, incensos e pokébolas. Em São Paulo, foram “instalados” em vários endereços, do Mercado Municipal à Cracolândia.
Pikachu. É o monstrinho campeão em popularidade. Seu ataque mais letal é o “choque do trovão”, que pode eletrocutar o adversário.
Missão. O objetivo é capturar todos os bichos disponíveis. Ninguém conseguiu realizar o feito até agora.