Falta de vigilância e de punições estimula ataques a obras da capital
'Monumento às Bandeiras' e 'Estátua do Borba Gato' são apenas alguns exemplos da ação de vândalos
Por volta das 2 da madrugada do último dia 30, um casal usou um jato compressor de tinta para pintar de rosa, verde e amarelo o Monumento às Bandeiras, do artista Victor Brecheret, instalado em frente ao Parque do Ibirapuera desde 1953. Imagens de câmera de vigilância mostraram que o trabalho da dupla durou menos de dois minutos. Na mesma data, a Estátua de Borba Gato, de Júlio Guerra, na Zona Sul, sofreu um ataque parecido.
As ações ocorreram uma hora e meia após o fim do debate eleitoral da TV Globo, quando os então candidatos Marta Suplicy e João Doria criticaram os pichadores. O prefeito eleito, inclusive, prometeu não dar trégua aos vândalos quando assumir o cargo. Até quarta (5), a polícia ainda investigava a autoria dos atos recentes e ninguém havia sido preso.
+ Administração do Ibirapuera será entregue a uma empresa
Não é a primeira vez que a obra de Brecheret se tornou alvo de depredação. Em 2013, por exemplo, ela recebeu coloração vermelha devido a manifestações de grupos indígenas. No mesmo ano, virou mural para a inscrição “Chorão paz”, depois da morte do cantor do Charlie Brown Jr. Em 2012, as unhas dos pés das figuras foram pintadas de azul.
Por serem símbolos de muito destaque na metrópole, a prefeitura começou rapidamente a limpeza dos estragos no Monumento às Bandeiras e na Estátua de Borba Gato — calcula‑se que os serviços custarão 37 000 reais aos cofres públicos. Entretanto, boa parte dos cerca de 430 monumentos paulistanos não conta com a mesma sorte. Com a depredação, em vez de embelezar, eles acabam prejudicando a paisagem. A região central é uma das mais afetadas. Na Praça Ramos de Azevedo, por exemplo, ao lado do Teatro Municipal (ele próprio pichado nas laterais), nenhuma das doze estátuas está intacta.
+ Filho de Brecheret vê ligação entre pichação e último debate eleitoral
O Monumento a Carlos Gomes e a Fonte de Desejos, inspirada na de Roma, sofrem ainda com urina e furto de letreiros e de detalhes de bronze. No último dia 30, a reportagem de VEJA SÃO PAULO flagrou duas crianças cheirando cola em cima da construção. Na Praça da Sé, o Monumento a Anchieta está prejudicado por resquícios de cola de cartazes, pichações e adesivos de campanhas políticas.
Além dos monumentos, os vândalos miram outros cartões-postais, a exemplo da Ponte Estaiada, na Zona Sul. Há algumas semanas, a passagem encontra-se repleta de rabiscos pretos, mesmo em suas partes mais altas. A prefeitura diz que faz a higienização da edificação quando necessário, até seis vezes por ano. Especialistas na área lamentam o descaso. “Se não for imediata, a limpeza se torna muito mais difícil, porque as tintas impregnam e deixam marcas permanentes”, explica Rosana Delellis, diretora da Associação de Empresas de Restauro.
A prática da pichação é considerada crime ambiental e contra o patrimônio, com pena prevista de três meses a um ano de detenção e multa. Até setembro, no entanto, apenas 193 pessoas haviam sido presas pelo delito, segundo o Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania. Vale lembrar: pichação é muito diferente de grafite. Em 2011, a mudança em uma lei tirou essa manifestação artística da clandestinidade.
+ Palácio dos Bandeirantes guarda obras de arte valiosas
Antes de realizarem suas obras nas ruas, no entanto, os criadores precisam de autorização do poder público municipal ou do respectivo proprietário (quando for uma propriedade privada). Técnicos do governo estimam que, desde janeiro, foi pintada por aqui uma área superior a 2,9 quilômetros quadrados com tinta antipichação. Mas a proteção é destinada apenas a estruturas como viadutos.
Não bastassem as falhas de fiscalização e a ausência de punição, os vândalos ainda contam com a simpatia de algumas alas de intelectuais. Segundo essa turma, os pichadores apenas estão extravasando a rebeldia contra o sistema. Houve até quem justificasse os ataques ao monumento de Brecheret e à estátua de Borba Gato como uma legítima manifestação política contra as barbaridades cometidas pelos bandeirantes. Essas opiniões andam na contramão do bom senso e do desejo da maioria dos paulistanos, que lamentou os atos dos porcalhões e a falta de respeito com o patrimônio público.