Roberto Carlos: o resfriado, a “caverna” de 3,4 milhões e o novo jatinho
Aos 75 anos, o Rei continua sendo o artista campeão de faturamento por ano do showbiz nacional
Roberto Carlos está resfriado. Quando você ou eu passamos por uma situação assim, a maior dor de cabeça no trabalho é resolver as questões urgentes em um home office, trocar uns telefonemas com o chefe ou remarcar compromissos. Mas, com o campeão de público e de faturamento do showbiz nacional, o negócio provoca uma crise enorme.
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Um problema do tipo despoja o artista de uma joia que não dá para pôr no seguro — seu canto — e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece provocar também uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham para ele, brindam com ele, gostam dele, pessoas cujo bem‑estar e estabilidade dependem dele.
Com mais de 120 milhões de discos vendidos em quase sessenta anos de carreira, RC é o nosso Sinatra, o que justifica a inspiração do parágrafo acima, adaptado de um famoso perfil publicado por Gay Talese em 1966 na revista americana Esquire.
Como observou o jornalista naquele texto, citando um problema semelhante ocorrido na época com a maior lenda da canção dos Estados Unidos, Frank Sinatra gripado é Picasso sem tinta, uma Ferrari sem combustível. Talese fez um retrato antológico do cantor mesmo sem ter conseguido falar com o artista, a despeito de inúmeras tentativas (VEJA SÃO PAULO também procurou entrevistar RC para esta reportagem, mas ele negou todos os pedidos).
A gripe pegou de surpresa o nosso Rei no último domingo, 26, o que desencadeou um terremoto (e acabou afetando também as apresentações neste fim de semana, que foram canceladas e remarcadas para 18, 19 e 21 de agosto). O epicentro dele foi a Barra Funda, onde está o Espaço das Américas, casa reservada para a nova turnê paulistana do cantor. Com doze espetáculos ao longo de sete semanas, é uma das maiores dele por aqui na história. Cada apresentação rende cerca de 980 000 reais na bilheteria (o astro fica com 80% do montante).
A crise começou pouco antes das 17 horas, quando Marco Antonio Tobal Junior, um dos sócios do endereço na Zona Oeste, recebeu um telefonema de Dody Sirena, empresário de Roberto Carlos. Naquela noite não haveria show: o Rei estava gripado, rouco e com uma febre de 38 graus.
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Tobal Junior respirou fundo. “Eu sabia que, na porta, desde o fim daquela manhã, estavam vários ônibus de excursão estacionados, dezenas de carros, filas de táxis”, lembra. Os 2 800 ingressos para a noite estavam esgotados havia seis meses. Era preciso comunicar o imprevisto a todos os fãs a postos na calçada e aos milhares de outros a caminho.
Mais de oitenta membros da equipe do Espaço das Américas foram para a entrada explicar a situação e quatro assessores dispararam um comunicado nas redes sociais. Ao público, a empresa ofereceu duas opções: a devolução do dinheiro ou a troca do ingresso por outro para um show agendado para 6 de agosto, data arranjada às pressas.
Mesmo com a decepção, a maioria topou garantir os novos tíquetes para o próximo mês, com exceção de quem se programou para estar ali vindo de longe. “Quando voltei para casa, eu nem conseguia mencionar o assunto que já derramava lágrimas”, conta a dona de casa Rosemayre Almeida, referindo-se à viagem frustrada de avião de Porto Velho, em Rondônia, a São Paulo.
O empresário Paulo Antonio Marchioretto gastou mais de 40 000 reais para organizar uma excursão para 92 fãs de Itapira, a 170 quilômetros da capital. “Quero que a produção banque os 3 700 reais que investi no fretamento dos ônibus”, afirma. Tobal Junior diz que vai analisar cada situação e, se for o caso, providenciar o reembolso.
Roberto não é Tim Maia. A última vez em que cancelou uma apresentação foi em dezembro de 2011. Por força também de uma gripe, não subiu ao palco do Maracanãzinho, no Rio. Aos 75 anos completados em abril, o cantor é tido como um dos artistas mais profissionais do mercado. Antes de cair de cama em São Paulo, por exemplo, tinha feito uma apresentação de duas horas e meia, algo raro para um nome do seu porte (os espetáculos não costumam durar mais que uma hora e meia) e, ao fim de tudo, ficou ainda no camarim atendendo filas de fãs.
Naquele dia, deixou o Espaço das Américas já de madrugada. No segundo semestre, sua agenda inclui uma turnê pela América Latina, para celebrar cinquenta anos de trajetória internacional. “Nosso foco daqui para a frente é a expansão no exterior”, diz Dody Sirena.
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Para tornar mais confortáveis seus deslocamentos, RC comprou, em outubro do ano passado, um novo jatinho. Trata-se de um Gulfstream G550, avaliado em 193 milhões de reais. Com autonomia de até doze horas de voo, a aeronave pode atravessar o Atlântico, por exemplo, sem precisar reabastecer.
Embora more no Rio de Janeiro, o Rei tem uma relação especial com São Paulo. Aqui, alcançou o status de ídolo nacional em 1965, ao apresentar o programa Jovem Guarda, no teatro da TV Record, na Rua Augusta. Na época, vivia em um apartamento em Santa Cecília. Em 1968, casou-se com Nice Rossi e foi para uma mansão no Morumbi. Com o divórcio, ocorrido onze anos depois, mudou-se para uma cobertura na capital fluminense, no bairro da Urca.
Mantém por aqui, entretanto, um escritório na Alameda Santos para as questões financeiras, mas normalmente despacha com advogados e contadores em reuniões que varam a madrugada em seu apartamento, na Vila Nova Conceição. Em 1990, ele comprou duas unidades em um condomínio de luxo no bairro. Depois de uma reforma, uniu tudo em um só apartamento, com 160 metros quadrados.
O imóvel possui uma sala ampla, cozinha americana, varanda, banheiro e a suíte, o maior cômodo da casa. Em um canto do quarto, há aparelhos de musculação (que, neste ano, andam meio abandonados por causa da correria). No mais, poucos móveis: dois sofás brancos na sala, uma mesa de jantar com tampo de vidro, uma televisão de 40 polegadas no quarto. A única pista de que se trata do apartamento de RC é o carpete azul royal, seu tom favorito. “Ele vive ‘encavernado’ e quase não sai da toca”, brinca Roberto Carlos Braga II, o Dudu, de 47 anos, um dos quatro filhos do Rei.
RC tem uma cozinheira e, quando ela não está, pede para a sua secretária pessoal procurar um delivery. Tem bem menos do que 1 milhão de amigos aqui: só uns vinte contam com o privilégio de conhecer seu refúgio. Com eles ou com a família, pede pizza de mussarela ou marguerita na Camelo do Itaim. No jantar do dia a dia, manda trazer de dois restaurantes naturais da região porções prontas de quinoa, legumes, além de salmão e outros grelhados.
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Come pastel de feira (de carne) comprado por um de seus três seguranças. Para a sobremesa, gosta dos sorvetes do Stuppendo, em Moema, especialmente o de chocolate. Poucas são as vezes — menos de dez por ano — em que ele vai pessoalmente a um ponto de gastronomia na cidade. Quando bate a vontade de ir a um rodízio, frequenta o Rodeio, no Shopping Iguatemi. Come picanha fatiada e porção de palmito. Para beber, adora vinho tinto e vez ou outra se permite abrir um Petrus, famoso bordeaux com preço médio acima de 13 000 reais a garrafa.
Não chega a ser uma extravagância para quem cobra cachê de 3 milhões de reais por show, no caso de eventos corporativos. Com a música, ganha em média 100 milhões de reais por ano. Com 62 pessoas, sua equipe de palco é uma das mais numerosas (e fiéis, pois a maioria tem mais de duas décadas de parceria). Fora do showbiz, tem uma série de negócios nos mercados financeiro, imobiliário e de turismo, com estimativa de movimento anual de 350 milhões de reais.
Por tudo isso, o Rei só não pode se dar a um luxo: adoecer. No sábado (25), ele acordou um pouco rouco. A véspera foi tensa: era estreia de temporada e, apesar das décadas de experiência, ele ainda se estressa. No dia seguinte, chegou ao Espaço das Américas por volta das 15 horas, mais de seis horas antes de entoar seus primeiros versos de Emoções.
Repassou com os músicos o show inteiro e incluiu, na última hora, quatro músicas, entre elas Champagne, de Peppino DiCapri. Isso significou coreografar com cinquenta garçons a distribuição de taças do espumante para cada uma das 2 800 pessoas na plateia. Terminou a preparação por volta das 19 horas. Concentrado nos camarins, não participou do coquetel em homenagem ao aniversário de 59 anos de Sandra, esposa de Marco Antonio Tobal, um dos sócios da casa de espetáculos.
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Permaneceu em sua área reservada, acessível apenas a seus familiares, à secretária e ao empresário. Ali, cumpriu o ritual de sempre: faz sua última refeição uma hora antes de pisar no palco — um queijo quente com mel, que ele mesmo prepara em um forninho elétrico; bebe água ou Coca normal; passa o tempo espiando no celular vídeos engraçados e piadas de WhatsApp; antes de tomar o rumo do palco, segue para um pequeno altar montado ao lado do espelho de seu gabinete, com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, fecha os olhos e reza.
Roberto se acostumou a dormir às 4 horas da manhã e só sai da cama no início da tarde. No domingo (26), acordou por volta das 13 horas, bem resfriado. Naquela tarde, era uma fera ferida, andando entre o quarto e o banheiro, em incontáveis gargarejos de chá de camomila com gengibre (sua receita caseira de décadas para melhorar a garganta). Sobre a situação, soltava uns palavrões (sim, ele fala alguns, além de “bicho” e outras de suas gírias clássicas). O negócio não surtiu efeito e a médica que o atende aqui na cidade prescreveu deescanso absoluto.
Injuriado, ligou para o empresário a fim de cancelar o espetáculo. Passou o domingo à noite e a segunda “de molho”, sozinho, vendo TV. Na terça à tarde, já estava bem melhor, voltou para seu apartamento na Urca e dava-se como certo que seguiria a programação da turnê. Mas, na sexta (1º), recebeu a visita de seu clínico geral, Milton Kazuo, no Rio, que o aconselhou a seguir de repouso. À tarde, sua equipe correu para soltar um comunicado para cancelar a apresentação prevista para a noite do mesmo dia e outras duas do fim de semana. Segundo a assessoria do artista, o motivo dos novos adiamentos foi uma virose. As datas acabaram remarcadas para 18, 19 e 21 de agosto, pois o show do Rei tem que continuar.
DETALHES DE UM IMPÉRIO
Nome: Roberto Carlos Braga
Data de nascimento: 19 de abril de 1941
Cidade: Cachoeiro de Itapemirim (ES)
Endereço: vive na Urca, no Rio, desde 1979. A cada quinze dias, vem a São Paulo. Aqui, tem um apartamento de 160 metros quadrados na Vila Nova Conceição, comprado em 1990. O imóvel é avaliado em 3,4 milhões de reais
Família: três casamentos, quatro filhos e sete netos. Depois de Maria Rita, morta em 1999, ele diz que nunca mais teve outro amor na vida
Trabalho: cinquenta apresentações por ano, em média. Se forem para empresas, cobra cachê de 3 milhões de reais. No circuito normal, sua produtora fica com aproximadamente 80% da bilheteria
Temporada paulistana 2016: é uma das maiores turnês do cantor por aqui, com doze apresentações, para cerca de 33 600 pessoas. Ao final, o artista deve embolsar aproximadamente 9,4 milhões de reais
Discos: mais de 61 títulos lançados no Brasil, além de 39 no exterior, como Europa, Estados Unidos e países como República Dominicana e Israel. No total, ele vendeu mais de 120 milhões de cópias
Receita musical: 100 milhões de reais por ano com shows, CDs e direitos autorais
Outros negócios: a Incorporadora Emoções é um dos principais investimentos do Rei, que tem 30% na sociedade. Além de uma torre inaugurada no Itaim, no ano passado, outros dois prédios serão entregues até o fim de 2016, um no Butantã e o outro no Carrão, com investimento de 25 milhões de reais em cada um.
Meios de transporte: pelas ruas de São Paulo, circula com um Escort Guarujá 1993 (6 100 reais na tabela Fipe), além de dois Audi R8. Acabou de investir 193 milhões de reais em um jatinho. É um Gulfstream G550, considerado a Ferrari da categoria, com doze horas de autonomia de voo, capacidade para dez passageiros e luxos como sala, cozinha e rede wireless.
Plásticas assumidas: fez duas no pescoço — a mais recente, no ano passado.
Manias: desde 2004, ele se trata de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e já melhorou da doença. Voltou a cantar no novo show uma das canções que havia tirado do seu repertório clássico, Ilegal, Imoral Ou Engorda. Mas até hoje não consegue recitar os versos de Quero que Vá Tudo pro Inferno, porque diz que palavras “negativas” não saem de sua boca (apesar de falar uns palavrões no dia a dia…). Além disso, não passa por cima de cabos nem de fios elétricos. No palco, tudo tem de estar embutido ou encostado nas paredes.
Colaborou Mariana Rosário