Condômino tenta destituir administrador do Edifício Itália
Uma das queixas recai sobre os honorários do gestor: 24.880 reais por mês, ou seja, quarenta salários mínimos
“O Edifício Itália era o rei da Avenida Ipiranga: alto, majestoso e belo. / Ninguém chegava perto da sua grandeza. / Mas apareceu agora o prédio do Hilton Hotel, / gracioso, moderno e charmoso, / roubando as atenções pra sua beleza.” Velhos tempos em que o brilho do grandioso espigão era ofuscado apenas pela chegada de um vizinho, como escreveu Tom Zé na letra da música “A Briga do Edifício Itália com o Hilton Hotel”, de 1972.
Hoje, a reputação do segundo arranha-céu mais alto da cidade, com seus 46 pavimentos e 160 metros de altura, é ameaçada por uma questão interna. Alguns condôminos de suas 300 salas comerciais estão em pé de guerra. Proprietário de um escritório de 120 metros quadrados localizado no 21º andar, o advogado Ricardo Trotta entrou com uma ação na Justiça para tentar destituir do cargo o síndico Lorenzo Del Maffeo, de 80 anos. Uma das queixas recai sobre os honorários do gestor: 24.880 reais por mês, ou seja, quarenta salários mínimos. Para efeito de comparação, ele ganha mais que o prefeito Gilberto Kassab e os desembargadores do Tribunal de Justiça (24.117,62). “Essa remuneração é incompatível com o cargo”, diz Trotta. “Ainda mais porque o serviço é ineficiente”, completa. Maffeo também ganha 13º salário, o que é incomum para quem tem um contrato como pessoa jurídica.
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Protocolada na 31ª Vara Cível do Fórum João Mendes, no centro, a ação enumera os exemplos do que seria uma má administração. Os quesitos segurança e decoração são os mais atacados. Mesmo recebendo 8 200 visitantes por dia, o condomínio não conta com sistema de catracas. Também não é feito registro daqueles que entram, ou seja, qualquer pessoa consegue tomar um dos dezesseis elevadores sem ser importunada. “Nossa segurança é mantida por onze homens e 130 câmeras de monitoramento”, rebate Maffeo. Outro ponto de discórdia diz respeito ao painel da recepção que informa o número das salas de cada andar. “Parece um mostruário de açougue”, compara Trotta, que fez à Justiça um pedido de tutela antecipada para que o salário do síndico seja depositado em uma conta em juízo até o julgamento do processo.
Maffeo foi reeleito no último dia 6 de março com cerca de 70% dos votos. Havia apenas uma chapa de oposição, encabeçada pelo advogado Antonio Laspro, que recebeu míseros 2% de apoio — outros 28% votaram em branco ou nulo. A vitória também está sendo questionada na Justiça, uma vez que a maioria dos votos se deu por meio de procurações, algumas das quais seriam irregulares ou estariam rasuradas. A conduta do administrador, no entanto, é elogiada por um dos mais conhecidos condôminos. “Trata-se de um executivo de postura impecável”, diz André Marques, gerente do restaurante Terraço Itália. “O Lorenzo sempre se posicionou de forma atenciosa e trabalha em parceria conosco.”
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Natural da Lombardia, no norte da Itália, Maffeo se mudou para o Brasil aos 20 anos de idade e hoje é dono da firma Lello Prestação de Serviços Industriais e Comerciais. É por meio dela que recebe seus honorários. “Dedico minha vida a esse trabalho”, afirma. “Nada mais justo do que ser remunerado de forma condizente.” Para exemplificar, ele conta já ter pulado da cama de madrugada para acompanhar de perto os reparos de um curto-circuito na fiação.
Quanto ao fato de sua empresa ser homônima de uma companhia especializada em administração de edifícios, ele justifica: “As duas sílabas remetem às iniciais dos nomes dos meus dois filhos”. A Lello Condomínios, no entanto, estranha a coincidência: “Nosso jurídico vai avaliar o caso”, diz a gerente Márcia Romão. Ela, aliás, é categórica ao afirmar que, em dezoito anos de carreira, nunca viu um síndico com vencimentos tão altos. “Em prédios com muito fluxo ou de luxo, eles ganham entre 3.500 e 5.000 reais.” Às vezes nem isso. Gestor do Altino Arantes, mais conhecido como a Torre do Banespa, Emerson Alex Picella recebe 2.400 reais por mês. “Tenho salário de bancário”, diz ele.
Inaugurado em 1965, com projeto do arquiteto alemão Adolf Franz Heep, o Edifício Itália foi saudado como um dos símbolos do desenvolvimento de São Paulo. Seus 52.000 metros quadrados de área construída lhe renderam o apelido de Empire State Building (famoso arranha-céu de Nova York) paulistano. Por lá já passaram poderosos e cabeças coroadas. A rainha Elizabeth II conferiu a estupenda vista panorâmica da cidade em 1968, um ano após a inauguração do restaurante do último andar. Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano, visitou em 2010 o prédio que tem o nome de seu país.
É inegável, no entanto, que o imóvel deixou de ser sinônimo de riqueza. Muitas de suas salas comerciais são ocupadas por escritórios de advocacia e agências de viagens, algumas com mobiliário antigo e carpete puído. “Temo que o processo manche a reputação desse famoso cartão-postal”, afirma Maffeo. “Estão com inveja porque administro uma pequena cidade.”