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Compra de merenda escolar é suspeita de irregularidades

A licitação das refeições na rede municipal é suspensa por indícios de cartel, enquanto, na esfera estadual, a investigação aponta propina em contrato

Por Sérgio Quintella
Atualizado em 1 jun 2017, 16h19 - Publicado em 19 fev 2016, 23h00

Cerca de 1,8 milhão de refeições são servidas diariamente aos 900 000 alunos matriculados nas 2 700 unidades da rede municipal de ensino, volume que seria suficiente para garantir o almoço e o jantar de quase toda a população de Campinas. Os contratos firmados pela prefeitura com empresas terceirizadas para o fornecimento da merenda escolar na capital chegam a movimentar 600 milhões de reais por ano. Pois o Tribunal de Contas do Município (TCM) suspeita de colheradas ilícitas nesse farto negócio.

No início do mês, ele suspendeu uma licitaçãode 414 milhões de reais da Secretaria Municipal da Educação, cujo resultadohavia sido divulgado em dezembro, para a entrega de alimentação a 982 escolas e creches das zonas Norte, Sul e Leste pelos próximos cinco anos, a partir de julho. Divididas em nove lotes, as instituições abrigam 496 000 crianças e adolescentes, o equivalente a mais da metade do total de alunos da rede (veja o quadro).

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Para o TCM, há evidências da formação de um cartel — ou seja, as companhias teriam combinado previamente as vencedoras de cada área e acertado os valores da licitação. A prática é proibida, pois elimina a possibilidade de uma concorrência livre e obriga a administração municipal a gastar mais do que o necessário. No relatório, ao qual VEJA SÃO PAULO teve acesso, o conselheiro Maurício Faria afirma que, em um lote específico, referente a Jaçanã/Tremembé, o montante ficou 83% maior do que seria considerado justo.

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Há caso em que a mesma companhia oferecia, por exemplo, a unidade da gelatina a 9 centavos em uma região e a 35 centavos em outra, valores com uma diferença de 288%. A hipótese é clara: em uma, a empresa entrava para vencer, enquanto, na outra, só para favorecer os concorrentes.

Gabriel Chalita
Gabriel Chalita ()

Uma das empresas suspeitas de participar do esquema é a Apetece — a maior vencedora, ao ficar com três lotes e embolsar um total de 120 milhões de reais —, que entregou cotações até 93% maiores nos demais pregões. O cartel não é o único alvo de desconfiança do tribunal. Por meio de nota, a empresa afirma que sugeriu preços mais competitivos nos lotes em que já opera e reconhece que os elevou nos outros que não lhe interessam. Segundo a companhia, o objetivo seria cumprir uma suposta regra da licitação, que exigiria a participação em todos os lotes.

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No entanto, as normas do pregão não estipulam essa obrigatoriedade. A Prol Alimentação Ltda., que ganhou uma cota de 42 milhões de reais, previu margens de lucro de apenas 0,8% ao mês. O índice muito baixo levou à desconfiança de que o serviço não seria entregue como o combinado. Sobre a Horti Orgânico Ltda., que apresentou proposta em todos os lotes com um valor até 92% maior que o das rivais e não faturou nada, pairam vestígios de participação como figurante. Nenhuma das três empresas quis se pronunciar sobre as acusações, assim como SHA, FGR Silva, Denjud, Masan e Convida. A Provac não foi localizada.

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A prefeitura afirma que o montante final da licitação não ficou acima do previsto. “Se o cartel for realmente comprovado, naturalmente anularemos o pregão ”,diz o secretário municipal de Educação, Gabriel Chalita. “Mas acredito que tudo será resolvido antes da metade do ano, quando se encerram os atuais contratos.” Caso isso não ocorra, a prefeitura será forçada a firmar acordos de emergência com outras companhias para que a criançada não fique de barriga vazia.

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Questionamentos sobre a lisura no fornecimento da merenda escolar são, infelizmente, corriqueiros. No ano passado, após pedido do vereador Gilberto Natalini (PV), a Justiça barrou a compra de 26 800 quilos de salsicha sob a alegação de que o preço pago pela prefeitura (7,99 reais) era muito maior do que o encontrado nos supermercados (cerca de 4 reais). À época, a secretaria argumentou que os artigos licitados apresentavam índices menores de sódio, gordura e conservantes, por isso teriam um preço mais alto. O parlamentar questiona agora a aquisição de 87 500 quilos de pão de fôrma, por um valor médio de 9,10 reais (o tradicional) e 10,75 reais (o integral). “Os produtos similares mais caros que encontramos no mercado custavam 8,90 reais.”

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Os casos de formação de cartel nos contratos para a distribuição de merenda na cidade estão na mira do Ministério Público desde 2008 — antes, cada escola era responsável por produzir a própria alimentação. Durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab, um inquérito civil chegou a ser instaurado para apurar a combinação de preços. O órgão pediu a suspensão de acordos, a dissolução das empresas, a devolução do valor pago e a criminalização dos personagens envolvidos. O caso corre na Justiça até hoje.

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Fernando Capez
Fernando Capez ()

Na esfera estadual, o leitinho das crianças também está sob escrutínio. Há cerca de um mês, uma força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Civil revelou que uma máfia da merenda atuaria no governo estadual. No centro das apurações está a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), com sede em Bebedouro, a 380 quilômetros da capital. A tese é que a empresa pagou propina a agentes públicos para sub faturar livremente os contratos para a entrega da merenda a escolas de 22 cidades do estado. As investigações mostraram que, em apenas um contrato de 13 milhões de reais, entre 10% e 20% do valor seria destinado a subornos.

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Em depoimento à Polícia Civil, Cássio Izique Chebabi, ex-presidente da entidade, disse que o deputado Fernando Capez (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa, era o destinatário de parte do dinheiro. “Ele (Chebabi) está reunindo documentos, contratos e e-mails que vinculam pessoas aos fatos”, diz Ralph Tórtima Filho, o advogado de Chebabi. Segundo ele, outros cinco dirigentes da cooperativa também disseram à polícia que assessores de Capez eram citados em conversas intermediadas por um lobista. “Estou sendo alvo de uma armadilha”, defende-se Capez, que se antecipou à quebra de sigilo bancário e fiscal ao oferecer seus dados à Procuradoria-Geral de Justiça. “Alguém se apresentava como meu intermediário sem que eu tivesse conhecimento disso.”

Entre os demais investigados estão o secretário de Logística e Transportes, Duarte Nogueira, o ex-chefe de gabinete da Educação Fernando Padula, e o ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, o Moita. Esse último, que não foi localizado pela reportagem, acabou afastado um dia antes de a operação ser deflagrada. A partir de grampos telefônicos, investigadores concluíram que Moita negociava o esquema em sua salano Palácio dos Bandeirantes. “Ele não era meu braço-direito, e estava na pasta havia apenas sete meses”, diz o secretário da Casa Civil, Edson Aparecido.

Por ser deputado federal licenciado, Nogueira será investigado pela Procuradoria -Geral da República. “Nunca recebi essas pessoas. Tenho vinte anos de vida pública sem denúncia”, afirma. Padula também se defendeu das acusações. “Sou um objeto em extinção, pela seriedade.” Por meio de nota, a Secretaria de Educação informou não manter mais nenhum contrato com a Coaf e diz estar colaborando com as investigações. A Corregedoria-Geral da Administração apura ainda a conduta de todos os servidores citados no episódio.

(Colaborou Adriana Farias)

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