As novas caras do Mercado de Pinheiros
A chegada de casas de chefs badalados e uma reforma de 1,6 milhão de reais incrementam o perfil do entreposto de Pinheiros e aumentam o movimento em 40%
Na rota vaidosa da alta culinária, fica fácil encontrar chefs renomados em bairros como Jardins e Itaim e em shoppings luxuosos, entre eles o Cidade Jardim e o Iguatemi. Surpresa mesmo é ter um time de astros do fogão no Mercado Municipal de Pinheiros. Até alguns anos atrás, o endereço era decadente, com estandes vazios, problemas de infiltração e rede elétrica precária. Parecia o ponto mais improvável de entrar na rota de bons programas da cidade. Ainda que timidamente, ocenário começou a mudar há cinco anos, com a reforma de um agradável deque na área externa. O grande marco da virada, no entanto, ocorreu com a chegada ao local de um trio formado por algumas das maiores estrelas da gastronomia da capital. O último profissional de peso a desembarcar no lugar foi Alex Atala, dono dos premiados D.O.M. e Dalva e Dito. No começo deste mês, ele pôs em funcionamento uma loja dedicada a produtos amazônicos e da Mata Atlântica, resultado de uma parceriado Atá, organização gerida por ele, com os institutos Socioambiental e Auá. Estão em exposição itens como a conserva de cambuci e o mel orgânico do Xingu. “Sempre me interessei pela localização deste prédio, e tenho orgulho de ajudar no seu renascimento”, diz.
A nova fase do mercado começou a ganhar impulso no fim de 2012, com a realização de algumas edições de uma feira itinerante organizada pelo chef Checho Gonzales. Nessas ocasiões, barracas de comida e food trucks ocupavam a área externa do entreposto aos domingos. “Descobri que havia um boxe vazio e decidi criar a Comedoria Gonzales”, conta. Na abertura, em outubro de 2014, o boliviano especialista em ceviches assustou‑se com o baixo número de pessoas atendidas: apenas onze. No dia seguinte, ufa!, o lugar bombou. Hoje, recebe cerca de 150 clientes por dia e chega a servir 400 aos sábados. Durante a semana, o disputado balcão é ocupado por executivos da região e publicitários da Vila Madalena. Aos sábados, além de moradores do pedaço, as cadeiras são ocupadas tanto por gente riscada de tatuagem quanto por mulheres montadas no salto alto. Com um tíquete médio de 30 reais, o local fatura cerca de 140 000 reais por mês. Desde o início, uma das preocupações do chef envolveu a compra de insumos dos colegas do edifício. Os pescados vêm da vizinha peixaria Nossa Senhora de Fátima.
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Depois de Gonzales, foi a vez de Rodrigo Oliveira desembarcar no pedaço. Em dezembro, ele levou para o endereço em Pinheiros o Mocotó Café, uma versão de bolso de seu restaurante Mocotó, localizado na Vila Medeiros. Como é dono também do premiado Esquina Mocotó e dedica atenção total às casas da Zona Norte, conhecidas pelas filas quilométricas na porta, escalou o chef Alex Gomes para tocar o negócio. “Temos o menor dos novos boxes, mas investimos 250 000 reais no projeto, que inclui refrigeração e exaustão”, diz Oliveira. A favor, conta o fato de poder esparramar as mesas por parte do deque. Ali se saboreia um baião de dois completo em pratinho descartável por 24 reais.
A chegada do trio de chefs ajudou a atrair mais profissionais para a área. Incentivados por Atala, estrearam junto com ele duas lojas com produtos dos pampas e do cerrado. A operação dos artigos do Sul está nas mãos de Marcos Livi, dono dos bares Quintana e Verissimo, na Chácara Flora e no Brooklin, respectivamente. O empresário coloca em seus estandes e refrigeradores os queijos serrano e colonial, além de uma ótima copa.
Na loja vizinha ficam os itens garimpados no Centro-Oeste, como castanhas-de-baru, ainda raridade na capital. Outro novo inquilino chegou porconta própria. Conhecido pelos sanduíches na extinta lanchonete Kod Burger, o chef Bruno Alves acaba de assumir o antigo ponto do Laticínios D’Oro. “Entramos há um mês, e faremos uma mudança gradual”, explica Alves. Embora esteja em fase de testes, o local já oferece gravlax de pirarucu e de pintado e queijo canastra defumado na madeira de cambará. Na reinauguração oficial, prevista para maio, o boxe passará a se chamar Delika.
Dona do edifício, a prefeitura bancou uma reforma de 1,6 milhão de reais, iniciada em outubro. As obras incluíram a remodelação do deque, pintura interna e externa e manutenção das redes hidráulica e elétrica, com instalação de iluminação de LED. “Uma preocupação foi dialogar com a associação dos permissionários para não descaracterizaro endereço”, diz o secretário municipal do Desenvolvimento,Trabalho e Empreendedorismo, Artur Henrique. Em contrapartida, Atala, um dos principais entusiastas do projeto de revitalização, conseguiu parceiros para colaborar na melhoria dos banheiros, que devem estar em funcionamento nesta semana, e cuidará da agenda cultural do mercado. “Traremos nossos produtores para ministrar cursos epalestras sobre a importância e o uso de ingredientes brasileiros”, afirma.
Esses encontros devem ocorrer na área livre em frente ao estande, onde antes funcionava um hortifrúti. Para marcar a nova fase, uma festa intitulada Conexão São Paulo-Biomas está programada para a próxima quarta (16), entre 13 e 17 horas. Haverá palestras, seminários e degustação, e o evento deve receber 500 convidados (confira a programação completa em vejasaopaulo.com.br/lorencato).
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Localizado no número 89 da acanhada Rua Pedro Cristi — uma pequena via colada ao Largo da Batata e paralela à movimentada Rua Teodoro Sampaio —, o prédio de dois pavimentos e 4 196 metros quadrados tem no seu interior duas rampas e duas escadarias ligando o térreo ao mezanino. Nesse espaço, distribuem-se 38 boxes, onde podem ser encontrados produtos tradicionais como hortaliças e carnes. Há ainda entre os velhos ocupantes uma charutaria, que vende fumo de corda, e uma banca especializada em pertences para feijoada. Desde 2012, a frequência cresceu aproximadamente 40%. Atualmente, a movimentação é de cerca de 800 pessoas por dia, e chega a 1 200 aos sábados (não abre aos domingos).
A circulação de clientes também causou impactos nos ocupantes antigos. “Há uma clara mudança de visibilidade”, relata Alexandre dos Santos, presidente da associação de comerciantes do local. “Meu faturamento aumentou 30% em um ano, e hoje gira em torno de 250 000 reais por mês”, completa ele, integrante da terceira geração de donos da peixaria Nossa Senhora de Fátima, fundada por seu avô, Porfírio dos Santos, em 1963. Nem todos, no entanto, comemoram com o mesmo entusiasmo. Um dos negócios veteranos do pedaço, a Casa de Carnes RJ não registrou frenesi em sua caixa registradora. “O público vem só para comer, não para comprar”, lamenta o proprietário, José Raimundo Alexandre, de 79 anos, no mercado desde 1957. “Atendo uns vinte clientes por dia.”
A desconfiança em relação ao novo “astral” ganha coro entre alguns fregueses. Uma reunião chegou a ser marcada para discutir a ameaça de “gourmetização” do local, mas as conversas não avançaram. “Meu receio é que haja uma substituição da turma antiga”, afirma a urbanista Laura Sobral, vizinha e frequentadora do mercado há anos. “Queremos continuar encontrando frutas e verduras”, completa ela, uma das líderes do movimento A Batata Precisa de Você, que luta por melhorias na região. Os recém-chegados garantem que a velha-guarda permanecerá intocada. “Ocupamos espaços vazios. Essa história de expulsar os comerciantes tradicionais é lenda”, assegura Checho Gonzales.
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A revitalização de mercados não é um fenômeno paulistano. Ocorre nas grandes metrópoles do mundo, onde eles se transformam em pontos turísticos. Em Londres, por exemplo, o Borough Market atrai multidões em busca de queijos ingleses orgânicos e outros itens. Na Espanha, o mais famoso desses entrepostos é o La Boqueria, de Barcelona, com incrível variedade de pescados frescos e cogumelos. Ainda no país ibérico, a capital, Madri, vem promovendo a recuperação de seus entrepostos, que passaram a receber legiões de consumidores. Dez aparecem em destaque em guias internacionais, mas nenhum se compara à joia arquitetônica do de San Miguel, ao lado da Plaza Mayor. Não era de estranhar que a onda chegasse a São Paulo.
Antes de descobrir sua vocação turística, o Mercado de Pinheiros teve longa trajetória. O comércio popular no entorno remonta ao século XIX. Por volta dessa época, carroceiros provenientes do norte e com destino ao oeste do estado — por rotas que futuramente se transformariam nas rodovias Anhanguera e Raposo Tavares — estacionavam às margens do então serpenteante Rio Pinheiros para vender seus artigos. Uma das hortaliças mais comuns oferecidas por esses fazendeiros era a batata, motivo pelo qual o largo dali seria batizado com esse nome.
Em 1910, a feira informal motivou a abertura do Mercado dos Caipiras, onde hoje está a estação de metrô. A construção da Avenida Brigadeiro Faria Lima levou à demolição do espaço, em 1971, com a transferência do comércio para o edifício atual. Os primeiros anos na nova sede foram de bonança. As vendas eram turbinadas com as refeições servidas aos operários das obras da imponente via da Zona Oeste e com o abastecimento da despensa de famílias da alta sociedade paulistana. Ao longo da década de 70, era comum esbarrar com a cantora Inezita Barroso e o empresário Paulo Machado de Carvalho apertando frutas pelos corredores. “Os carros com o motorista dos figurões estacionavam em fila aqui na rua”, lembra Adalberto Xavier, dono da Mercearia Grãos Integrais desde 1971. “Perdemos relevância nos anos 80 com a proliferação dos supermercados”, diz. A esperança dele, e a de seus colegas, é que a recente safra de inquilinos famosos ajude a amadurecer novamente os negócios.
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