Jovens ganham fãs na internet com vídeos sobre literatura
Os "booktubers" chamam atenção das editoras e tentam faturar com canais no YouTube
O blogueiro Gabriel Utiyama, de 27 anos, estava na Livraria Cultura do Conjunto Nacional na terça (2) quando foi abordado por uma fã. “Posso te dar um abraço?”, arriscou a moça, funcionária da loja. O mesmo acontece com Eduardo Cilto, 18, que está se acostumando a pedidos de autógrafo e fotos. Na contramão das webcelebridades de sua geração, os garotos não dão dicas de moda nem usam o espelho da academia para fazer selfies. O tema abordado por eles e o formato escolhido para discuti-lo na rede são ainda mais surpreendentes. A turma mantém divertidos canais no YouTube nos quais comenta, com linguagem informal, semelhante à de VJs da TV, assuntos referentes ao universo da literatura.
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Um dos mais populares booktubers, como ficaram conhecidos, Eduardo Cilto é o dono do Perdido nos Livros, o maior sucesso do gênero, com 115 000 inscritos e programetes de poucos minutos que chegam a atingir 250 000 visualizações. Apaixonado por autores como John Green (A Culpa É das Estrelas) e Lemony Snicket (Desventuras em Série), ele mesmo grava e edita tudo no quarto da casa onde mora com os pais, em Santo André. Sem saber ainda qual faculdade cursará (concluiu o ensino médio em 2014), vê na página uma oportunidade para ganhar dinheiro. “Pretendo transformar isso em profissão”.
Com o repasse do YouTube pela audiência, chegou a tirar 1 200 reais em um mês, mas ainda não fatura com publicidade. O Cabine Literária, feito por Gabriel Utiyama e um grupo de amigos, encontra-se em estágio comercial mais avançado. Com 100 000 assinantes e posts com títulos como “Clarice Lispector quebra-barraco” e “Só os fracos criticam Paulo Coelho”, atrai entre os patrocinadores a lanchonete McDonald’s e o site de vendas OLX. Anunciar em uma publicação da página custa cerca de 2 000 reais. “Sempre partiu das empresas a iniciativa de nos procurar”, orgulha-se Danilo Leonardi, 29, idealizador do canal.
Um dos atrativos para quem dedica o tempo a essa onda é a interação com outros jovens no mundo real. No sábado (6), o Parque Villa-Lobos abrigou o 2º Encontro de Booktubers, que reuniu cerca de 200 produtores e fãs, de vários estados. A tarde teve ares de rolezinho: brincadeiras de gincana e passeio em shopping.
Quem também está de olho nesse time são as editoras, que enxergam nas estrelas da internet uma importante ferramenta de divulgação. “Uma parcela do público prefere a opinião de um blogueiro à de um crítico”, explica Heloiza Daou, gerente de marketing da Intrínseca. “É como se um amigo indicasse um livro.” Não à toa, a empresa mantém parceria com 170 blogueiros em todo o Brasil, que recebem as novidades do catálogo. O principal alvo é a faixa dos 18 aos 25 anos, na qual predominam os leitores do gênero hoje conhecido como young adult.
Mais do que fazer resenhas e dizer se apreciam ou não um título, os booktubers gostam de falar de hábitos de leitura. De tutoriais com técnicas de memorização a desabafos sobre os estigmas de determinado segmento, a ideia é trocar experiências a respeito do prazer de devorar página por página. “Sempre falamos que as pessoas devem deixar de lado a mochila do preconceito. Tudo é válido”, defende Tatiany Leite, uma das integrantes do Cabine Literária.
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Para se diferenciarem, alguns blogueiros miram em prateleiras bem longe de A Culpa É das Estrelas e Senhor dos Anéis. Formada em direito e jornalismo, Isabella Lubrano, de 26 anos, encara atualmente um desafio que se impôs: ler 1 001 livros, sem prazo de conclusão. Para isso, criou há um ano o canal Ler Antes de Morrer no YouTube, começando do zero a contagem, sem levar em conta o que consumiu ao longo da vida. Está no 26º volume, a maioria clássicos da literatura como Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, e A Metamorfose ,de Franz Kafka. “Gosto de mostrar a importância daquela obra, contextualizar.O que menos dou é minha opinião.” Vitória Scritori, 27, do A Vi Viu, gosta de explorar o tema da literatura cristã — e não liga para quem torceo nariz. “Sempre há uns que não concordam e fazem comentários maldosos, mas nada que passe do limite ou me tire do sério.”