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Como é a rotina dos mediadores de conflitos na capital

Eles cuidam de brigas entre vizinhos a ameaças de morte feitas por traficantes

Por Felipe Zylbersztajn
Atualizado em 1 jun 2017, 17h45 - Publicado em 19 abr 2013, 16h08

Um grupo de paulistanos vive no meio de brigas e de situações perigosas, tentando contorná-las a fim de evitar que se transformem em longos processos nos tribunais ou até mesmo em tragédias, como assassinatos. Causas que envolvem desde desentendimentos entre vizinhos até questões mais complexas, como moradores de favelas ameaçados de morte por traficantes, fazem parte da rotina desses especialistas. Mais de 200 deles atuam nas Casas de Mediação da Guarda Civil (GCM) espalhadas pela capital.

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Criado em dezembro de 2011, o serviço foi responsável até agora pelo atendimento de aproximadamente 380 ocorrências. Em 360 delas, as partes chegaram a um acordo. Sua taxa de eficiência, portanto, é de 94%. Com base nesse desempenho, a prefeitura quer multiplicar os investimentos nessa iniciativa. “Vamos dobrar o número de mediadores até o meio do ano”, promete Roberto Porto, secretário municipal de Segurança Urbana. Os novos funcionários vão reforçar as equipes das 31 unidades existentes. “Conforme as pessoas vão descobrindo que há um canal gratuito de auxílio, a demanda aumenta”, explica Porto.

Depois de um cidadão apresentar seu problema em uma das casas da GCM, um funcionário se encarrega de entrar em contato com o acusado de provocar o conflito. Caso ele não demonstre disposição para o diálogo, o trabalho termina ali. Se houver alguma abertura para um entendimento, será marcado um encontro entre os lados em litígio. Nas histó-rias com final feliz, além de apertar as mãos, eles assinam um documento formalizando o acordo. Na maior parte das vezes, os problemas envolvem desavenças entre moradores.

A aposentada Mara Eliza Jorge Raad procurou o serviço em abril do ano passado, depois de mais uma vez ser acordada às 6h30 da ma nhã na sua casa, na Vila Mariana, com a algazarra das vizinhas na chegada ao trabalho — no caso, de uma escola infantil. Com o semblante cansado e as mãos trêmulas, ela chegou à Casa de Media-ção da GCM em seu bairro e foi atendida pela guarda Talita Silvério.

Quinze dias mais tarde, a dona do colégio assinou na sua frente um termo consensual pelo qual se com prometia a controlar o barulho das funcionárias até as 9 horas. “Meu sono ho je é bem mais tranquilo”, conta Mara, com um sorriso no rosto já sem olheiras. “Se eu entrasse na Justiça, es taria ainda esperando por uma solução.”Outros serviços realizam trabalho semelhante, caso do projeto Professor Mediador Escolar e Comunitário, implementado em 2010 pela Secretaria de Educação do Estado.

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Depois de um período de oitenta horas de treinamento, os professores deixam a sala de aula para se dedicar exclusivamente às questões de convivência entre os alunos, funcionários e familiares. “Muitas vezes, um conflito que come-çava no pátio continuava fora dos portões”, diz Sônia Marli Boarin, diretora da Escola Estadual Professor Manuel Ciridião Buarque, no Alto da Lapa. “Com a chegada de uma mediadora, esses casos passaram a ser solucionados de forma definitiva dentro do colégio.”

A ex-professora de geografia Nailza Fernandes dos Santos Veiga é a responsável por dar uma solução às rusgas que vão surgindo no colégio. Por mês, são cerca de cinco episódios considerados graves (brigas e bombas, por exemplo). “Sou muito grato a ela por ter resolvido nossa história na base do diálogo”, afirma Tony Cauê Santana de Oliveira, de 18 anos, aluno do 3º ano do ensino médio. “Eu poderia ter pegado uma suspensão e perdido uma prova importante.”

conflitos conflitos capital
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No fim do ano passado, ele deu um soco na boca do colega Alexandre Kazuo Otsuka, 17, depois que este jogou água no seu rosto durante o intervalo. “Eu ouvi os dois lados, conversamos e chegamos a um acordo por escrito em menos de duas horas”, lembra Nailza. “Tudo foi resolvido e hoje so mos amigos”, assegura Alexandre.Na Promotoria de Justiça Criminal de Santana, há desde 2005 um esquema especial de atendimento a cidadãos implicados em conflitos como ameaças e lesões corporais leves. A metodologia de trabalho prevê o atendimento em dupla.

Os conciliadores são auxiliados por uma equipe de até oito pessoas, que anotam os detalhes da argumentação dos envolvidos e fazem observações positivas no fim dos encontros. Geralmente, a mediação demora cinco sessões. “Quando se fecha um acordo, o índice de descumprimento não passa de 1%”, afirma o promotor Airton Buzzo Alves.

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Ao contrário das resoluções tomadas nas Casas de Mediação da GCM, os acordos firmados na Promotoria de Santana têm suporte jurídico. “Quando necessário, faço uma petição ao juiz do processo para que o negócio tenha força de sentença judicial”, explica Alves. Inspiradas no trabalho de especialistas de fora de São Paulo que atuam dentro de bairros carentes, como José de Oliveira Junior, que virou referência no Rio de Janeiro na área de mediação de conflitos e criou há vinte anos o Grupo Cultural AfroReggae (veja o quadro na pág. 62), começam a surgir por aqui iniciativas semelhantes.

Exemplo disso é a ONG Projeto Sonhar, fundada em outubro de 2012 pelo educador social Marcos Lopes. A entidade marca presença em lugares como a favela da Muriçoca, no Jardim Ângela, às margens da Represa de Guarapiranga. “O que eu faço é mediar a saída da ilegalidade para a legalidade”, diz Lopes, que vive com os tênis vermelhos chafurdados na lama.

conflitos capital
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Ele próprio já fez o mesmo caminho (participou de assaltos e foi traficante), escreveu sua história em livro, palestrou na Alemanha e nos Estados Unidos e agora dirige a ONG. Recentemente, cuidou do caso de um assaltante de cargas. Lopes foi procurado pelo irmão mais novo do bandido, que pedia ajuda para convencê-lo a deixar a vida do crime. No encontro, Lopes perguntou: “Você quer correr pelo caminho certo mesmo? E se eu te colocar numa empresa e você vir malotes de dinheiro? Não vai fazer coisa errada?”.

A conversa ocorreu em uma rua sem calçamento que acaba em um cemitério. Um desmanche funciona ali perto e carcaças de carros enferrujam na rua. Depois de ouvir as palavras de Lopes, o criminoso, de 20 anos, garantiu que havia vendido o revólver calibre 38. Jurou também que não usava drogas fazia algumas semanas. No fim, o responsável pela ONG se comprometeu a ajudá-lo a encontrar um emprego. Esse é apenas um dos aspectos da mediação.

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Muitas vezes, Lopes tem de procurar os representantes do “movimento”, ou seja, os traficantes que controlam a área, para negociar dívidas daqueles que ele ajuda a sair do crime. Ricardo Alexandre Santos Garcia, advogado que presta assistência jurídica ao Projeto Sonhar, acompanha tudo de perto: “Talvez um dia a gente não precise mais tratar com bandidos para tirar as pessoas dessa vida. Mas, por enquanto, o que eles têm é a palavra, o chamado ‘papo reto’. É mais que mediação de conflito. É um trabalho de pacificação para a sociedade”.

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