Gangue aplica golpes em pacientes de hospitais particulares
Albert Einstein, Sírio-Libanês e Samaritano já registraram casos. Prejuízo passa dos 50 000 reais
No ano passado, a dona de casa Sônia Paes, de 52 anos, diagnosticada com leucemia, saiu de sua cidade, Santana do Ipanema, no interior de Alagoas, a fim de se submeter a um transplante de medula óssea no Hospital Israelita Albert Einstein, no Morumbi. Algumas horas após a realização da delicada cirurgia, o telefone do quarto tocou e foi atendido pelo marido dela, o engenheiro João. Do outro lado da linha, com todos os dados da paciente na ponta da língua, uma pessoa se identificou como sendo o médico responsável pela operação e fez um alerta. “O procedimento foi um sucesso, mas identifiquei um novo nódulo em sua esposa. Para tratá-lo, vou precisar de três remédios que não são vendidos no Brasil. Felizmente, conheço quem faz a importação. Vou entrar em contato. Prepare-se para transferir o dinheiro ainda hoje, pois o tratamento tem de começar amanhã”, disse.
Depois de quarenta minutos, o mesmo homem voltou a ligar. “Consegui amostras grátis de dois dos medicamentos e um desconto no terceiro, que vai sair por 4 852 reais”, afirmou. O marido de Sônia, que já havia deixado tudo preparado com o gerente de seu banco, efetuou imediatamente o pagamento eletrônico para uma conta do Bradesco. No dia seguinte, descobriu que havia sido vítima de um golpe quando o verdadeiro médico de Sônia apareceu para visitá-la. João procurou a administração do hospital para relatar o caso e foi orientado a ir ao 34º Distrito Policial para registrar um boletim de ocorrência por estelionato. O Albert Einstein também resolveu indenizá-lo, e, depois de noventa dias, a quantia estava de volta à sua conta.
Procurados pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, os responsáveis pelo hospital, onde outro caso semelhante aconteceu no ano passado, não quiseram dar entrevista sobre o assunto e se manifestaram por meio de uma nota, admitindo as falhas de segurança e relatando as medidas adotadas depois da ação dos criminosos. “Informamos todos os pacientes sobre a prática por meio de panfletos e advertência verbal. Procedimento este que mostrou efetividade, já que não foi registrado mais nenhum caso”, diz o texto do documento.
As ações no Einstein não foram episódios isolados. Há registros de golpes semelhantes aplicados em outros hospitais da cidade desde a metade do ano passado. O Sírio-Libanês teve um caso e o Samaritano São Paulo, outro. As vítimas fizeram depósitos em valores entre 3 200 e 21 000 reais. A soma do prejuízo chegou a cerca de 50 000 reais. No Santa Catarina e no Infantil Sabará, juntos, ocorreram quatro tentativas dos bandidos, mas sem sucesso. Embora o volume de crimes não seja grande, esse golpe ofende menos pela quantidade e mais pela desumanidade, por aproveitar um momento generalizado de fraqueza do doente e sua família — e, claro, preocupa porque pressupõe cumplicidade de pessoas de dentro desses renomados centros médicos. “Nesse tipo de episódio, é bem provável que um funcio nário tenha facilitado a ação dos bandidos. Pode ser despreparo ou cumplicidade”, afirma o delegado Wilson Zampieri, do 77º DP, de Santa Cecília, responsável pela área do Samaritano. A suspeita está baseada no fato de que o ponto fundamental que garante o sucesso do golpe é o grande conhecimento do prontuário médico das vítimas. Nos casos registrados no Einstein, por exemplo, alguns empregados forneceram as informações por achar que estavam falando por telefone com o verdadeiro médico. A partir disso, a administração do local resolveu reforçar os cuidados e testa um sistema em que os dados do prontuário só podem ser fornecidos depois da apresentação de uma senha.
No momento, as investigações estão correndo no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Em todos os casos, os telefones e contas bancárias usados para aplicar o golpe têm alguma relação com uma quadrilha de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. O chefe seria Valfrido Gonzalez Filho, de 34 anos. Enquanto estava solto nas ruas, ele dava os mais diversos golpes na capital sulmato- grossense, passando-se por médico, advogado, delegado, desembargador, supervisor de hospitais, padre, pastor e até vereador. Preso desde agosto de 2012, o estelionatário teria transformado a cela do Estabelecimento Penal de Segurança Máxima de Campo Grande em um “escritório” e, apenas com um telefone celular em mãos, passado a fazer vítimas também em São Paulo e no Paraná.
A principal pista sobre a gangue, que teria até vinte integrantes, segundo os responsáveis pela investigação, está na dona da conta bancária que recebe a maioria dos valores roubados. Identificada como namorada de Valfrido Filho, Alira Vera da Paixão o visitava com frequência no presídio e agora também poderá ser indiciada por estelionato. No mês passado, policiais do Deic de São Paulo viajaram para Campo Grande para tomar seu depoimento. Ela negou conhecer o marginal e apresentou uma justificativa rocambolesca para explicar os depósitos em sua conta. Segundo Alira, um homem a ameaçava de morte por telefone caso não recebesse o dinheiro e o transferisse para outras doze contas na cidade. Ninguém na polícia levou isso a sério e, no momento, os profissionais envolvidos no caso monitoram a rede de ligações telefônicas na esperança de, em poucos dias, conseguir capturar todos os bandidos.
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