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Jovens que lutam contra o câncer como em ‘A Culpa É das Estrelas’

Conheça a vida de adolescentes paulistanos que enfrentam dramas parecidos aos dos personagens do filme

Por João Batista Jr., Ana Carolina Soares e Júlia Gouveia
Atualizado em 1 jun 2017, 17h18 - Publicado em 19 jun 2014, 22h13
Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - quadro
Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - quadro (Veja São Paulo/)
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Lançado em 2012, o livro A Culpa É das Estrelas, do americano John Green, virou uma sensação de vendas. Foram mais de 7 milhões de exemplares comercializados nos Estados Unidos e 1,2 milhão no Brasil. O filme homônimo, baseado na história dos adolescentes Hazel Grace e Augustus Waters, mostra o nascimento de uma paixão em meio a uma batalha travada por ambos contra o câncer. Ela tem câncer na tireoide, com metástase no pulmão, e ele, osteossarcoma, tumor que o fez amputar parte da perna direita. Depois de estrear por aqui, em 5 de junho, o longa já levou mais de 300 000 paulistanos às oitenta salas em que está sendo exibido. Boa parte da plateia sai do cinema com os olhos inchados, depois de se debulhar em lágrimas pela comovente saga dos personagens. O roteiro é bem fiel à obra do escritor Green. “Quando a li, reconheci situações que encontro com frequência no consultório, principalmente em relação ao que os jovens sentem nesse momento tão difícil”, diz o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). “O adolescente tende a se considerar imune a esse tipo de situação, quase como se fosse imortal. O câncer vem, então, como um chute no peito nessa certeza, em uma fase em que a personalidade está se formando.”

 

Quando a doença incide em pessoas dessa faixa etária, existem mais chances de cura. “Se na adolescência a leucemia é debelada em 70% dos casos, na fase adulta essa média pode cair para 40%”, compara o oncopediatra Vicente Odone, médico do hospital Albert Einstein e coordenador do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci). Os tipos de tumor mais comuns na puberdade são a leucemia, os linfomas e os que acometem o sistema nervoso central (veja o quadro abaixo). Após os 40 anos, os mais frequentes são na mama, para as mulheres, e na próstata, para os homens (seguidos pelos de intestino e pulmões, para ambos). Apesar da maior disposição do organismo jovem em combater o processo de multiplicação descontrolado das células, o efeito da doença é muitas vezes mais devastador nesse grupo de pacientes, principalmente do ponto de vista psicológico. Enquanto as crianças doentes não têm a dimensão do perigo que enfrentam e os adultos possuem a vivência e a maturidade valiosas nessas horas, a maioria dos jovens sente um baque enorme. Entre outros problemas, passam a ter uma série de limitações no período em que a grande aventura é justamente testar (e quebrar) os limites. “É como se o adolescente tivesse de voltar à fase anterior, a infância, pois vai precisar dos pais para ir ao hospital, para sair de casa, para se medicar e, em alguns casos, para tomar banho”, diz Marita Iglesias Aquino, psicóloga especializada em oncologia.

 

Durante o tratamento, a imunidade cai demais. Por isso, as relações amorosas ficam restritas. Transar, por exemplo, é proibido em boa parte dos casos, devido ao risco de contrair doenças como herpes. Isso sem falar nos efeitos colaterais que minam a autoestima. “A preocupação com a mudança no corpo é um dos fatores de resistência ao tratamento: a queda do cabelo, a secura da pele e da boca, as erupções cutâneas…”, lembra Paulo Taufi Maluf, professor do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da USP. Muitos passam meses internados e fazem forte amizade com outros pacientes. Com isso, às vezes, têm de enfrentar precocemente a morte de pessoas próximas. “Quando isso acontece, preparamos o ambiente, avisamos que o amigo não está bem e o tratamento não está evoluindo”, explica Carolina Marçal da Cunha, psiquiatra do hospital A.C. Camargo. “É importante chorar, encarar a dor e lidar com ela.”

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Os hospitais da capital criaram alternativas para colaborar no tratamento desses pacientes. No Albert Einstein, por exemplo, as psicólogas fazem as sessões muitas vezes jogando videogames como PlayStation. Em 2011, o Icesp começou a campanha “Educar é prevenir” em parceria com as secretarias da Saúde e da Educação para conscientizar alunos do ensino médio das escolas públicas. Os próprios médicos visitam os colégios para fazer palestras sobre o tema. “O melhor jeito de tratar o câncer é pela prevenção”, explica Paulo Hoff. Nas próximas páginas, conheça os dramas, encanações e vitórias de jovens da cidade que enfrentam a doença. Um traço em comum nessas histórias é como eles encaram a situação difícil sem perder a coragem nem a confiança típicas da idade.

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Mayara Lima
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Mayara Lima ()

Amor à prova de doença

Um tênis de oncinha encheu os olhos de Mayara Lima, de 16 anos, no último Dia dos Namorados. “Quando ele me entregou a caixa, disse que tinha certeza de que eu voltaria a andar logo”, conta a estudante sobre o presente que recebeu de Caio Ramos de Lima, 17, o mocinho de sua história. Ela não sente as pernas e anda de cadeira de rodas desde julho passado, devido a necroses na cabeça dos dois fêmures, uma sequela da quimioterapia para tratar de um linfoma de Hodgkin, um câncer no sistema linfático, que inclui órgãos e tecidos responsáveis pela defesa do organismo. Quando detectada no início, a doença tem 90% de chance de ser debelada. Mayara percebeu que havia algo errado quando começaram a surgir caroços na região do pescoço, em fevereiro do ano passado. Recebeu o diagnóstico em abril e iniciou o tratamento. Como seu corpo estava muito debilitado, contraiu uma bactéria que evoluiu para uma pneumonia. Isso a deixou doze dias entre a vida e a morte na UTI do hospital A.C. Camargo, na Liberdade. Voltou para casa em junho, mas, um mês depois, teve de retornar ao A.C. Camargo por causa das necroses nos fêmures. Ficou internada mais de dois meses. “Quase morri, vi amigos que fiz no hospital morrer, perdi meu cabelo, perdi festas, passei meu aniversário na cama, não podia beijar na boca, não pude frequentar a escola, senti dores horríveis, mas não houve notícia pior do que a de que teria de andar numa cadeira de rodas. Ainda sinto vergonha. Os médicos me falam que é algo temporário e até o fim deste ano estarei em pé novamente”, conta. Em outubro, ela voltou para casa. Sentindo-se insegura e fraca, decidiu terminar o namoro. “Eu estava careca usava fraldão porque não podia ir ao banheiro e não queria que ninguém me visse daquele jeito”, lembra. Caio ficou arrasado. “Estamos há três anos juntos. Somos vizinhos e é o nosso primeiro namoro. Sempre gostei da Mayara pelo que ela é, não estou nem aí para o cabelo dela”, afirma o rapaz, que raspou a cabeça quando soube do diagnóstico da namorada. Os dois reataram em maio deste ano. “Eu já estava me sentindo melhor e bateu saudade dele”, diz Mayara. Três meses antes da volta do relacionamento, ela soube que a doença havia desaparecido de seu organismo. “Agora, só preciso fazer acompanhamento a cada três meses, além da fisioterapia.” Mayara e Caio até já falam em casamento. “Mas só depois que eu terminar meus estudos. Penso em cursar medicina. Vi como é linda essa profissão”, diz ela.

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Porthinhos
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Porthinhos ()

“Um dia vou sair daqui e correr para o abraço”

As redes sociais e a força de vontade da família podem ser aliados importantes na batalha contra o câncer. Porthos e Gisele Martinez, pais de Porthinhos, de 14 anos, postaram no Facebook que o filho precisava de uma medula. Houve centenas de compartilhamentos e de mensagens de apoio. O transplante era parte do tratamento de uma leucemia. “Seis doadores compatíveis apareceram”, conta Gisele, emocionada. O transplante foi feito em fevereiro e tudo correu bem. Porthinhos gravou vídeos cantando e dançando hip-hop dentro do quarto enquanto recebia quimioterápicos e virou o xodó dos médicos e enfermeiros do Albert Einstein, onde seu quarto é decorado com imagens do Santos, o time do coração, e a faixa vermelha recebida nas aulas de taekwondo. O tratamento provocou como efeito colateral uma deficiência no funcionamento dos rins. Hoje, ele precisa receber transfusão de sangue um dia sim, outro não. A pressão alta fez com que sofresse um AVC, o que pode comprometer sua coordenação motora. “De fevereiro até agora, mais de 800 pessoas fizeram doação de sangue no Einstein em nome do meu filho”, conta Gisele. Ela e o marido são pais de outro menino, de 11 anos. Sendo assim, a dupla se reveza para ficar com Porthinhos (eles moram em Santos). No Dia das Mães, Gisele fez um pedido: dormir no hospital ao lado do marido e dos dois filhos. “Olho para as pessoas na rua e tenho vontade de abraçar a todas, pois podem ser doadoras do sangue que mantém meu filho vivo.” Há duas semanas, o jogador baiano Adailton Filho, que atuou no Santos e no time suíço Sion, fez uma visita a Porthinhos. Ele foi anunciar que vai criar uma entidade, batizada com o nome do menino, para ajudar pessoas com câncer. Poucos meses atrás, Porthinhos postou um vídeo no Facebook em que dizia: “Eu sei que um dia vou sair daqui. Aí, quero correr para o abraço”.

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Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Murilo Magalhães
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Murilo Magalhães ()

Tratamento sem lágrimas

“Fazer terapia vai ajudar a crescer meu cabelo ou acabar com meu tumor? Então…” Foi assim que o estudante Murilo Magalhães, de 14 anos, declinou a sugestão de seu médico para ter um acompanhamento psicológico durante o período em que ia enfrentar um osteossarcoma no braço direito. Murilo recebeu o diagnóstico em dezembro passado, depois de fazer uma série de exames para detectar a origem de uma misteriosa dor no local. Os testes apontaram um tumor de 24 centímetros naquela região. “Quando saiu o resultado, não fiquei impressionado porque já tinha visto outros três casos de câncer na minha família”, conta. O garoto começou no mesmo mês as sessões de quimioterapia, que provocaram a queda de seu cabelo. Em solidariedade, um tio e o padrasto rasparam a cabeça. Quatro meses depois, passou por uma operação de quatro horas e meia para retirar o osso comprometido. Ele tem fotos em seu iPhone da cirurgia. Uma prótese foi colocada no local, e o braço operado ficou levemente mais fino que o esquerdo. “Menos de doze horas depois da cirurgia, comecei a mexer meus dedos”, comemora. Depois disso, restaram cinco nódulos no pulmão em decorrência do processo de metástase. Os quimioterápicos acabaram com quatro deles e o último será retirado nesta semana. Murilo está confiante e já projeta o que fazer no futuro. “Quero esconder a cicatriz do meu braço com uma tatuagem”, conta. Com 1,72 metro de altura, ele deve voltar a crescer uma vez encerrados os tratamentos. O garoto sabe de cor o nome das enfermeiras e médicas mais bonitas do hospital Albert Einstein, onde vem sendo atendido. Sua mãe, a pedagoga Patricia Ghiselli, abandonou o trabalho para cuidar do filho. “De dezembro até aqui, não vi meu menino derramar uma lágrima”, conta ela, orgulhosa, que faz ressalvas ao livro de John Green. “A obra trata tudo apenas do ponto de vista do adolescente. Já acordei de madrugada com o meu filho vomitando por causa das reações quimioterápicas. A realidade é muito mais dura que a ficção.”

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Teresa de Freitas Pedrosa
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Teresa de Freitas Pedrosa ()
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Maquiagem e rock para suavizar os problemas

A paulistana Teresa de Freitas Pedrosa, de 15 anos, está em tratamento contra a leucemia desde 2012. No início, perdeu todos os cabelos e decidiu adotar uma peruca. Depois de três meses, teve um inconveniente. Um colega de sala fez uma brincadeira com a rede de vôlei, que, ao esbarrar em sua cabeça, jogou o acessório no chão diante de todos os colegas. Nunca mais ela o usou. A doença parecia ter sido extirpada depois de um ano de quimioterapia, quando exames mostraram que não havia mais resquícios de células cancerígenas em seu corpo. Em 2014, porém, o mal voltou a aparecer. Era o mês de fevereiro, e ela tinha acabado de retornar de umas férias com amigas no Caribe. Agora, Teresa faz um tratamento que não tem drogas que ocasionam a queda dos cabelos. “O pior do câncer é perder a liberdade para pegar o metrô sozinha, por exemplo. Meus pais sempre me acompanham em tudo e querem me proteger.” Tímida e dona de uma voz suave, ela encontra na maquiagem e no estilo musical um jeito de mostrar sua identidade numa rotina vivida com restrições — até agora, não pôde aproveitar os bailes de debutantes das amigas. “Gosto de rock e de bandas de várias épocas, como Men at Work.” No ano passado, pediu de presente de aniversário um ingresso para o show do Aerosmith, que curtiu ao lado do pai. Da sua casa, na Zona Sul, não sai sem máscara da Maybelline (“Dá volume aos cílios”) e pó compacto da M.A.C (“O resultado fica natural, sem parecer carregado”). O tratamento de Teresa deve terminar em setembro deste ano.

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Sumba
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Sumba ()

Da África para São Paulo

Durante uma missão humanitária no interior de Guiné-Bissau, na costa oeste da África, em março de 2013, o médico paulistano Ivan Vargas conheceu Sumba Bissun Nhu, que vivia em uma aldeia localizada a 250 quilômetros da capital do país, a cidade de Bissau. O garoto de 14 anos tinha um linfoma, tipo de câncer que debilita as defesas do organismo contra infecções. Localizado na testa, o tumor atingira um tamanho tão grande que já havia comprometido seu olho esquerdo. Para seus familiares, aquilo era obra de algum espírito do mal. Por isso, ele recebia apenas um tratamento feito à base de defumação. Vargas sensibilizou-se com a história e decidiu ajudá-lo. Iniciou uma campanha para trazer Sumba para se tratar em São Paulo, em um processo que durou quase seis meses. Desde novembro, o jovem mora com a família do médico num flat próximo ao Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), onde hoje faz quimioterapia. O menino, que já fala um pouco de português, apaixonou-se pelo futebol. Está colecionando as figurinhas da Copa e torcendo para Neymar, seu atacante favorito. Adora pizza de calabresa e Coca-Cola, bebida que nunca tinha experimentado. Outra coisa que disparou seu coração foi uma loirinha, sobrinha de Vargas, que ele conheceu durante o Natal com sua família adotiva. Após uma bem-sucedida cirurgia realizada em janeiro no Hospital das Clínicas, os especialistas retiraram boa parte do tumor e as perspectivas de cura de Sumba são altíssimas no momento. Tanto que o adolescente já faz planos para quando voltar para sua terra natal: sonha em se casar e ser jogador de futebol.

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - Giulia Araújo Sena
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – Giulia Araújo Sena ()

 

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Encontro privado com Justin Bieber

O exemplar de A Culpa É das Estrelas, livro de cabeceira de Giulia Araújo Sena, de 14 anos, está todo grifado nos trechos que mais a comoveram. “Um de meus preferidos é quando a personagem principal, a Hazel, fala sobre os privilégios do câncer”, diz a garota, com um sorriso travesso, embarcando no humor negro do escritor. Desde junho passado, ela se trata no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), na Vila Mariana. Seu problema é um osteossarcoma na perna esquerda, um tipo de tumor ósseo. Em setembro, Giulia passou por uma cirurgia de oito horas, na qual os médicos retiraram o câncer de 3 centímetros que estava perto do joelho e implantaram uma prótese na região, evitando a amputação do membro. Durante o tratamento, ela escreveu para o Make-a-Wish, uma ONG que apoia crianças e adolescentes a realizar seus sonhos. O desejo de Giulia era conhecer Justin Bieber, que se apresentou na cidade em novembro. “Vi o show na área vip e também fui ao camarim! Ele foi o máximo! Supersimpático, tirou várias fotos comigo, me deu quatro autógrafos e ainda postou minha foto com ele no Instagram, dizendo que foi um dos melhores momentos da viagem ao Brasil!”, lembra a garota. Por ora, o cantor canadense é sua única paixão. “Já fiquei com um menino antes da doença, mas nada sério. É estranho estar careca e pensar que alguém pode gostar de você. Quando voltei à escola, no início deste ano, fiquei preocupada se alguém ia falar algo sobre meu visual, mas todos foram muito legais”, diz. Em fevereiro, Giulia parou de receber quimioterapia na veia e desde então toma o medicamento por pílulas. O tratamento deverá levar mais um ano. “Mas meu cabelo já voltou a crescer!”, comemora.

Capa Ed. 2379 - Adolescentes com Câncer - quadro
Capa Ed. 2379 – Adolescentes com Câncer – quadro ()
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